Pois é,
seu moço.
Eu venho
aqui falar com autoridade. Legítima, clara e soberana. Conferida pelos
cinquenta e dois anos em que à volta de 40% dos meus vencimentos, ganhos com
esforço e dedicação, foram subtraídos pelo Governo antes mesmo que eu os
recebesse. Pelas cinco décadas em que outros 30% me foram empurrados pela boca
abaixo, ou pelo bolso afora, junto com os bens e os serviços que comprei para
prover a minha família. Sete em cada dez das moedas que recebi em troca de meu
trabalho escorregaram das minhas mãos, sob forma de imposto. Como, em algum
momento desses anos, vivi em outras sociedades, pude constatar que os seus
cidadãos também contribuíam para as suas administrações públicas e, em certa
medida, quase tanto quanto eu.
Se achei
que estava correto?
Para falar
a verdade, nunca me deram a oportunidade de achar. Mas, sempre percebi que a grande proposta da distribuição de
renda funcionava muito mais lá fora do que aqui. Lá, cheguei a ver excelentes
sistemas públicos de saúde, de educação, de segurança e adequadas estruturas de
transporte e energia. Sim. Lá fora parecia estar, se não correto, pelo menos
adequado ao desejo do povo. Aqui, vi pouco deste retorno, desta mão dupla. Assim,
das 3 moedas que me sobraram, quase todas foram usadas para adquirir o bem
estar que o Governo me devia e não me entregou. Uma boa escola para os meus
filhos. A segurança do meu lar. Um hospital onde eu não corresse o risco de
morrer na fila.
O que eu
fiz a respeito?
Durante
muitos anos, esperei por D. Sebastião. Explico. O desaparecimento deste Rei em
1580, justamente no momento em Portugal atingia o ponto mais fulgurante de sua
história, marcou para sempre a alma lusa. Como seu corpo nunca foi achado, a
crença em seu retorno alimentou a esperança de que tudo ficaria bom de novo
quando o Rei voltasse, vivo e inteiro. Portugal carregou este sebastianismo por séculos. Nós o
herdamos. A situação iria melhorar sempre no futuro. O próprio país carregava este
apelido – do Futuro. Iria ser com a eleição de Juscelino. Depois, com o Jânio.
E, assim, sucessivamente, com vários dons
sebastiões em sequência, o Parlamentarismo,
a volta do Presidencialismo, os militares, a anistia, o retorno da
Democracia, as Diretas, o Collor, a nova Constituição, o PT...
Se fomos
culpados?
Sim. Acho
que, de certo modo, sim. Nós éramos os que pagavam as contas. E continuamos
pagando enquanto o sistema político se transformava no monstro insaciável que é
hoje. Não soubemos fazer uso da Democracia. Demos votos aos nossos
pseudo-representantes com a indiferença de quem cumpre uma exigência chata.
Demos votos aos de quem se dizia “rouba mas faz”, aos malufes, aos cacarecos,
aos tiriricas. Deixamos aqueles que deveriam honrar suas promessas de campanha
enclausurarem-se em seus castelos, construídos com a argamassa dos conchavos
partidários, e erguerem as pontes levadiças que os afastaram da nossa
realidade, das nossas reivindicações, se auto engendrarem imunidades que agora
os tornam inatingíveis. Deixamos correr.
Mesmo quando a imprensa nos abria o baú viscoso de alguma maracutaia,
esboçávamos uma justa repulsa. Depois bocejávamos entediados e íamos assistir
ao futebol.
Se há
solução?
Bem... há
caminhos. Vi muita coisa nestes meus anos de vida. Duas ditaduras, uma
Revolução, tentativas de golpe, uma renúncia, um impeachment. Vi multidões em ondas cantando hinos, gritando slogans. Fiz até parte delas, com a fé
dos sonhos e a alma aberta. Mas, mudar o poder é complicado. Há vias rápidas, às
vezes sangrentas. Tomar o palácio pela força tem sido, historicamente,
privilégio de generais que acordam mais cedo e, às vezes até chamados pelo
povo, vão apear o governo. Já vimos este filme, aqui e na vizinhança. Acho que
não queremos uma reprise. Nem as forças armadas o querem. O desgaste foi grande
e a história sombria.
Há a
resistência fiscal, recusar-se a pagar os tributos, dentro da lógica simples de
que, se esses tributos alimentam os salários que a organização pública recebe
para prestar-nos serviços, e se esses serviços não são prestados, cessa a nossa
obrigação de pagá-los. Só que a maioria dos impostos come o rendimento da
classe trabalhadora na fonte, antes
que cheguem aos bolsos. Mais estão embutidos nas faturas dos supermercados, nas
contas de luz, de gás, de telefone. Sobraria a sonegação, entregar a declaração
de imposto de renda em branco. Irmos todos para a malha fina. Teria de ser um
compromisso nacional, todos ao mesmo tempo. Milhões de inadimplentes. Teríamos
organização para isto?
Se
quisermos, entretanto, optar pelo caminho da legitimidade, isto vai exigir o
exercício da vigilância diária, que nos faltou nestes últimos tempos. O grande
pecado da nossa sociedade foi ter deixado os nossos políticos se afastarem de
nós, montarem livremente seu bunkers em
Brasília, nas Assembleias Estaduais, nas Câmaras Municipais. Dividirem o
Congresso, não em partidos com programas bem definidos, mas em bancadas de interesse dúbio e mãos
pegajosas, untadas de corrupção. Onde estávamos nós todo este tempo? Por que só
fomos capazes de demonstrar nossa ira quando íamos hostilizar os jogadores que
haviam perdido um título, um técnico que não ganhara a Copa? Por que não fomos vaiar
um deputado desonesto, que traiu o seu mandato, que cuspiu em nosso voto, nos
aeroportos quando chega ou parte em viagens financiadas pelos nosso impostos,
na porta de sua casa paga por nós, em frente ao seu automóvel comprado e
abastecido com o nosso dinheiro? Por que não o alvejamos com tomates podres,
como se fazia antigamente a maus atores? Por que não enchemos sua caixa
eletrônica de e-mails enraivecidos cobrando uma promessa de campanha não
atendida? Por que não o fazemos sentir, ele que lá está em seu cargo graças à
nossa vontade e à nossa confiança, que estamos atentos e vamos cobrar, todos os
dias, todas as horas?
Só aí, seu
moço, as coisas começarão a mudar.
Oswaldo
Pereira
Junho 2013
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