Na minha infância, num mundo pré-televisão - tentem
imaginá-lo!- a vida seguia entre escola, “horas” de alguma obrigação enfadonha
(hora do banho, hora do almoço, hora da janta),
brinquedos inventados, pois os verdadeiros eram escassos e caros, e o momento
da aquietação, em que a criançada era recolhida na cozinha para amansar as
energias que ainda queriam sobrar inesgotáveis e se preparar para outra “hora”
chata – a de ir para a cama.
E era exatamente aí que certas lições de vida nos
chegavam pelas histórias infantis, rótulo que podia abarcar desde sagas
medievais até peraltices de alguma criatura mítica, passando por toda uma
antologia popular, adaptadas e dramatizadas por quem, sempre com o firme
intuito de nos fazer prender a respiração e permanecer imóveis pela primeira
vez no dia, as contava para nós ao seu
jeito e com sua inspiração.
Quem isto fazia, a mais das vezes no interior de
Minas onde eu morava, eram as empregadas da casa, elas próprias sabedoras de algumas
estórias apanhadas no tempo, passadas de muitas gerações e
nunca escritas, rolando de boca em boca ao sabor de crendices e imaginações.
Era uma enorme colcha de retalhos folclóricos que costurava Irmãos Grimm com
mulas-sem-cabeça, Hans Christian Andersen com Os Doze Pares de França, e por aí
vai.
Quando aprendi a ler, abriu-se para mim o império
das histórias em quadrinhos e seus heróis formidáveis e justiceiros. Vinha tudo
dos Estados Unidos onde, para mim, o dia-a-dia devia ser um contínuo desfilar
de tremendas batalhas entre os diversos Marvels, Batmans e Superhomens da vez e
seus ardilosos desafiantes. Um pouco mais, o parco dinheirinho das mesadas já
me permitia ir às matinés (arcaico
para sessões de cinema à tarde, destinadas à garotada imberbe), torcer para os
mais rápidos gatilhos do Velho Oeste e confirmar que a América já era a mesma
terra impossível desde o tempo dos cowboys.
Mais um pouco, e então a adolescência nos apanhou e
outras questões vitais nos afastaram definitivamente do reino dos contos
infantis.
Bem, escrevi toda esta chorumela nostálgica acima porque, pelo bem-aventurado fato de ter
netos, há tempos venho observando o que agora representa, para eles, a
experiência cultural que recebi em faixa etária semelhante. Como muito da argamassa
de meus princípios foi certamente influenciada pelo que vi e ouvi ainda
criança, devo deduzir que o mesmo pode acontecer com eles e que, portanto, o
que vêem e ouvem hoje poderá definir uma parcela importante de seu caráter.
E fiquei impressionado. Mal impressionado.
Os atuais substitutos das empregadas faladeiras, das
bandas desenhadas e das matinés, são
os tablets, i-pads, i-pods e outras
maravilhas eletrônicas que qualquer pai põe ao alcance de seus filhos para
fazer exatamente o que as histórias contadas nas cozinhas de antanho procuravam
fazer – aquietá-los.
Tudo bem.
O problema é o conteúdo.
O riquíssimo menu de jogos posto à disposição dos
usuários deixa pouco espaço para a imaginação. Começa pelo grafismo hiper-real
da ação e continua pela oferta de recursos de computação que permitem encarnar o
agente do jogo com avançado grau de realismo.
De novo, nada contra a técnica desses role-playing games, se bem que sua
aplicação traz a realidade para muito perto e, talvez na cabeça de alguma
criança, confunda as linhas divisórias entre fábula e fato.
A questão é a mensagem de violência que estes jogos
trazem embutida em seus enredos, seus objetivos e seu propósito.
Já sei que vou escutar duas afirmativas. “Você está
velho!...” Absoluta verdade. E “no seu tempo, a maioria das historinhas, os
super-heróis e os filmes de faroeste também
só mostravam violência...”
Bem, em termos.
João e Maria foram aprisionados pela avó, a madrasta
mandou matar Branca de Neve e depois tentou envenená-la, havia gigantes maus e
dragões furiosos. Mas, seu irrealismo e seu cenário distante colocava os
personagens e seu drama num plano distinto do nosso quotidiano.
Os grandes campeões dos quadrinhos defendiam a
sociedade do Mal, sob qualquer forma e, em vez de matar seus adversários,
acabavam entregando-os à justiça, onde invariavelmente eram julgados com rigor
(ó inveja!...)
E os nossos mocinhos
do Oeste só puxavam pelo colt depois
de terem apanhado como bois ladrões e em situação de insofismável legítima
defesa. Mesmo assim, o tiro fatal era rápido e antisséptico. Sangue, nem
pensar.
Espero que seja só um achaque nostálgico.
Entretanto, me aflige observar um aumento gradativo de agressividade entre os
jovens. Os fatores devem ser vários, mas algo me sussurra que jogos nos quais a
ação violenta é um objetivo em si têm um pouco de culpa no cartório.
Com a palavra, o futuro.
Oswaldo
Pereira
Maio
2013
Realmente estamos na mesma linha de pensamento . Cada dia me preocupo mais com o futuro dos meus netos e sinto saudade imensa da minha infância onde subir na mangueira era uma façanha imensa, pular corda era um desafio com as muitas manobras que inventávamos e por aí vai.
ResponderExcluirCabe a nós tentar passar aos nossos netos, às nossas crianças um pouco do univeso que vivemos e eles sentirão que o mundo da Carochinha existiu de verdade.
Discordo inteiramente. Abaixo o pieguismo e a formalidade nas relações, familiares, ou seja lá de que outra ordem. Inteligência mesmo, é querer, poder, e conseguir separar-se inteiramente do que nos molesta, dos que nos achacam, sejam quem forem esses algozes, reais ou imaginários. Faxina na alma, abaixo a lama dos incautos. Isso são eles. A vida mesmo, dá sempre sinais de limpidez. Talento para o gozo, é para poucos. A cristandade, por exemplo, fez guerras, ditas santas, dá pra acreditar em inteireza de propósitos ??? Gods and devils, all alive!
ResponderExcluirVocê é um pouco mais velho que eu mas experimentamos as mesma coisas, só que eu já peguei mais TV que você.
ResponderExcluirQuanto ás modernidades, eu me assusto com elas... apanhamos com I-coisas ... e ainda não temos netos para nos preocuparmos com isso...
mas estamos atentos!!
Muito bom o texto, como sempre, e não captei o comentário acima....