Em abril de 1821, D. João VI partiu. Seu filho D. Pedro ficou como Regente. Talvez ele já percebesse que vários caldeirões cozinhavam interesses opostos e poderosos e que iria caber a ele a missão de prevenir que o caldo entornado pela ebulição do momento lançasse o Brasil num caos imprevisível e e irreparável.
Para já, duas forças antagônicas se preparavam para o confronto. Em Portugal, a Revolução do Porto, o mesmo movimento que definira o retorno do Rei a Lisboa, havia iniciado o processo de implantação de uma monarquia constitucionalista. O mesmo programa tratava da situação econômica do reino, exigindo que as benesses concedidas por D. João à ex-colônia fossem revogadas. Com efeito, a abertura dos portos havia propiciado aos agricultores brasileiros colocarem seus produtos no mercado europeu, via Inglaterra, e permitia a entrada, livres de entraves de importação, de mercadorias cujo consumo já entrara no quotidiano das gentes daqui. A continuação dessa situação, que implicava a perda de uma significativa receita de impostos, era inadmissível para os portugueses da nova Constituinte.
Em termos políticos, a proposta era rendilhar o território brasileiro, criando várias províncias diretamente subordinadas à coroa portuguesa e retirar todo o poder central do Rio de Janeiro. E, é claro, exigir o retorno imediato de D. Pedro a Lisboa.
Aqui, o movimento era inverso. Acostumados ao novo status de sede de um império, os brasileiros não conseguiam aceitar um retrocesso. A revogação das práticas de livre comércio iria reduzir drasticamente o lucro dos fazendeiros; a fragmentação da unidade política do país iria diminuir imensamente a importância da corte carioca, onde todo o jogo do poder era feito. Inicialmente, a independência nem estava em pauta. O que se pretendia era preservar o instituto político do Reino Unido e promover a participação de deputados brasileiros na Assembleia Constituinte portuguesa. O Partido Brasileiro, então criado, chegou a diplomar 70 representantes, dos quais 49 chegaram a ir a Lisboa. Mas, o esforço foi inútil. Nenhuma das suas reivindicações foi aceita.
No centro destas duas irreconciliáveis correntes estava D. Pedro. Se, de um lado, ele reconhecia suas obrigações como herdeiro do trono português, do outro se sentia cada vez mais envolvido pela crescente insatisfação dos líderes brasileiros com a insensibilidade de Portugal às propostas de manutenção do status quo. Afinal, o Príncipe vivia no Rio e seus ouvidos estavam mais perto das vozes que o defendiam.
O tempo era outro fator. A ideia de fragmentação do território brasileiro encontrava eco em várias regiões, como na Bahia e, principalmente, em Pernambuco, que olhavam com inveja e desconfiança a preponderância política da corte fluminense. O exemplo da divisão da América Espanhola em várias nações era próximo e a ameaça à integridade do Brasil era real e iminente.
No meio desse torvelinho, duas figuras começaram a protagonizar seu decisivo papel como influenciadores de D. Pedro, além da lembrança das palavras de seu pai, que o aconselhara a se antecipar, e liderar, qualquer movimentação imparável em direção à emancipação brasileira. Uma era José Bonifácio de Andrada e Silva. Nesse início do século XIX, Bonifácio personificava como ninguém no país a imagem do sábio conselheiro, homem de ciência e que acumulara uma indisputada fama de experiente administrador durante os 30 anos que vivera na Europa.
A outra era D. Leopoldina. Princesa austríaca, cunhada de Napoleão Bonaparte e mulher de D. Pedro desde 1817, Leopoldina tivera uma esmeradíssima e eclética educação, coisa que os Habsburgo tinham como regra desde que seu avô, Leopoldo II, instituíra a praxe de tornar os seus descendentes aptos a governar, inspirados pelo desejo de fazer o povo feliz. Além disso, Leopoldina, desde o momento em que pôs os pés no Brasil, decidiu adotar a nova pátria como sua e o povo como seu. Quando Portugal deu início às providências para sufocar os anseios brasileiros e determinar o retorno do casal a Lisboa, a lealdade da Princesa já havia escolhido seu caminho.
O grande ponto de inflexão ocorreu em janeiro de 1822. O nível de pressão chegara a um limite intolerável; as paredes de um torno pareciam fechar-se sobre D. Pedro. Quando, em nove daquele mês, por influência quase que direta de Leopoldina, ele decidiu ficar no Brasil, as pontes estavam queimadas. Não haveria mais retorno.
Daí para a frente, até agosto, a ideia da independência dominou todos os meios políticos brasileiros. Mas, ainda havia dissenções. E foi para apaziguá-las que, no dia 13, D. Pedro viajou em comitiva para São Paulo, não sem antes, numa evidente prova de confiança na sabedoria de sua mulher, nomear, por decreto, Leopoldina como Regente. Em 2 de setembro, a Princesa reuniu o Conselho de Estado. Na reunião, decidiu-se que era impossível aguardar pelo retorno do Príncipe para o grande e definitivo passo. Aprovou-se, assim, enviar duas missivas a D. Pedro. Uma, escrita por José Bonifácio; outra por D. Leopoldina. Ambas diziam que a hora havia chegado. Ao final da sua carta, a Princesa escreveu: O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça.
O correio com as duas cartas encontrou D. Pedro e sua comitiva, no dia 7, numa parada para descanso às margens do riacho Ipiranga, a poucas horas da capital da província.
Oswaldo
Pereira
Agosto
2022
História assim contada, comove, emociona.
ResponderExcluirObrigadíssimo.
ExcluirAinda q Independência, seja só entre aspas.
ResponderExcluirPode até ser. Num mundo globalizado, e agora cibernético, a interdependência dos países é um fato. Pessoas também são assim, vivendo no mesmo contexto que, também entre aspas, limita suas liberdades de escolha. Independência total e irrestrita chega a ser uma miragem...
ExcluirMuito bom e oportuno, como tudo o que você escreve. Parabéns. Brasil acima de tudo. Como artilheiro que somos, digo: PEÇA ATIROU @ Luiz Alberto Albuquerque de Carvalho
ResponderExcluirReserva Atenta e Forte!
ExcluirDoida para ver as cenas do próximo capitulo!
ResponderExcluirEm preparação...
ExcluirOlá Oswaldo.
ResponderExcluirAcompanhando com interesse a independência do Brasil que tinha que acontecer de um jeito ou de outro como todas as colônias da época. E D.Pedro já antecipava o desenlace.
D.Leopoldina deu o empurrão definitivo.
Só que a independência sempre estará atada e condicionada à os novos interesses que irao surgindo .
Estou ansioso pela continuação deste tema.
Emílio Gonzalo