quarta-feira, 30 de julho de 2014

PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL - 100 ANOS





O Heeresgechichtliches Museum (Museu de História Militar) em Viena abriga um dos mais vastos e completos acervos sobre conflitos armados do mundo. Em seus imensos salões, armas, uniformes, documentos e memorabilia diversa contam a história das inúmeras guerras que sangraram o solo europeu século após século. O fato de a Áustria estar posicionada no centro do continente, e ter sido atravessada por inúmeras campanhas desde o Império Romano, de alguma forma contribuiu para a montagem da imensa coleção. Para os amantes do assunto, é um roteiro obrigatório, ao qual pelo menos dois dias devem ser reservados.

Duas de suas salas principais são dedicadas a um acontecimento que mudou a História. Lá estão, solenemente dispostos, um automóvel Gräf & Stift conversível, um uniforme e um vestido manchados de sangue, uma pistola FN modelo 1910, e centenas de objetos diversos, inclusive o menu e um pequeno mapa onde estão indicados os lugares destinados aos comensais num banquete a ser realizado na noite de 28 de junho de 1914. Que não chegou a acontecer. Horas antes, o convidado de honra e sua mulher, o Arquiduque austríaco Francisco Ferdinando, herdeiro ao trono do Império Austro-Húngaro, e a Arquiduquesa Sofia, foram assassinados nas ruas de Sarajevo. Para entender bem a magnitude desse evento, é preciso voltar um pouco no tempo.



Em 1815, a Europa se rearrumava, após a derrota definitiva de Bonaparte em Waterloo. Batidos durante anos pelas tropas de Napoleão, Rússia, Prússia e Áustria decidiram formar uma liga militar a que deram o nome de Santa Aliança. Logo a seguir, o núcleo inicial expandiu-se, dando lugar à Aliança Quíntupla, com o ingresso da Grã-Bretanha em 1817 e da França em 1819. O projeto, cujo objetivo verdadeiro era manter as raízes do absolutismo do Ancien Régime (Regime Antigo), conseguiu manter uma “paz” ligeira num continente massacrado pelas décadas napoleônicas.

A combinação não durou muito. Ambições colonialistas de seus integrantes fizeram o planeta ficar pequeno e eles começaram a pisar no pé uns dos outros. Cinquenta anos passados, apenas a Alemanha, unificada por Bismark, mantinha seus laços com os austríacos. A Inglaterra vitoriana já abandonara o barco, preocupada em consolidar seu vasto império (onde o sol nunca se punha) e a França estava em guerra com a Prússia. Por sua vez, a Rússia dos tzares chocava o ovo da serpente bolchevique. E, ao encerrar-se o século dezenove, um outro pomo de discórdia começava a crescer no sudeste europeu. Os Bálcans.

A região sempre fora um caldeirão de culturas e etnias. Desde os tempos de Filipe II da Macedonia, até a sua assimilação pelos turcos, ao fim da Idade Média, levas de ilírios, gregos, romanos, eslavos, ciganos, muçulmanos, mongóis e outras tribos pelearam por ali e deixaram as sementes de seus costumes, sua língua e sua fé. A hegemonia otomana silenciou as disputas mas não apagou o rastilho de uma inquietude explosiva que fervia debaixo dos pashas. Foi só o império turco dar sinais de fraqueza, a partir de 1890, e os movimentos separatistas começaram a pipocar. E, à medida que afloravam os sentimentos nacionalistas de sérvios, croatas, montenegrinos, macedonios, bósnios, kosovares, albaneses, armênios e outros mais, as potências ocidentais corriam a fim de trazê-los para sua respectiva esfera de influência. Em 1913, o atrito provocado pela disputa estava prestes a explodir. Bastava uma fagulha.

DIVISÃO POLÍTICA DOS BÁLCANS EM 1913


No dia 28 de junho de 1914, seis agentes do movimento conhecido por Crna Ruka (Mão Negra) estavam em Sarajevo. A organização a que pertenciam lutava pela anexação da Bósnia, então sob o domínio do império austro-húngaro, à Sérvia, e o grupo enviado para a cidade tinha como missão um ato terrorista de alto impacto – matar o herdeiro do trono austríaco. Francisco Ferdinando viera em visita oficial, depois de acompanhar as manobras de exército bósnio no interior da colônia. Era um gesto de aproximação, mas, ao mesmo tempo, de reafirmação do mando imperial e algumas vozes haviam alertado para o risco da viagem. Mas foi uma sucessão de desacertos e decisões equivocadas que selou o destino do mundo naquele dia.

A Mão Negra contava com o suporte técnico da polícia secreta sérvia e fora informada dos detalhes das solenidades programadas, inclusive do trajeto da carreata que transportaria o Arquiduque e sua mulher da estação de trem à Câmara Municipal, onde se realizaria o primeiro evento da visita. O veículo a eles destinado era um automóvel fechado mas, não se sabe porque razões, os visitantes reais embarcaram num Gräft & Stift de capota aberta.

O cortejo seguiu pela avenida que ladeia o Rio Miljacka, onde já se posicionavam, armados com pistolas e granadas, cinco dos terroristas. Os quatro primeiros não conseguiram agir. Os carros passaram rápidos demais e o ajuntamento dos transeuntes impediu a ação. O quinto, Nedeljko Ćabrinoviž, foi o único que agiu. E falhou. A granada atirada por ele resvalou na capota do conversível e explodiu debaixo do automóvel que vinha a seguir, danificando-o e ferindo cerca de vinte pessoas. Francisco Ferdinando e Sofia seguiram ilesos. Ao ver o malogro da sua tentativa, Ćabrinoviž  procurou o suicídio - engoliu uma cápsula de cianureto, correu para uma ponte e atirou-se no rio. Falhou de novo. O impacto na água o fez vomitar o veneno e o Miljacka ali tinha só 1,20m de profundidade. Foi imediatamente apanhado pela polícia, que agora iniciava a caça aos demais agentes da Mão Negra.

Enquanto isso, o Arquiduque participava das solenidades na Câmara. Visivelmente irritado, interrompeu o discurso de boas vindas do Prefeito para reclamar da insegurança e dos danos do atentado. Como o mau estar era evidente, resolveram então encurtar a programação, cancelando a visita ao Museu Nacional de Sarajevo e restringindo os compromissos oficiais à ida ao Hospital Municipal. Entretanto, não informaram o chofer do Gräft & Stift da mudança.

O Arquiduque e sua mulher saem da Câmara, minutos antes do atentado

Por esta altura, o último componente do grupo terrorista, o bósnio Gavrilo Princip, convencido de que a missão falhara, abrigara-se numa delicatessen de uma rua secundária da cidade. E quase não quis acreditar em sua sorte quando o conversível carregando os arquiduques começou a manobrar na esquina, para retomar a nova rota que só agora era comunicada ao motorista. Princip tirou a pistola do bolso do casaco, caminhou resolutamente na direção do veículo e, a cinco metros de distância, disparou duas vezes. Uma bala atingiu Francisco Ferdinando na jugular. A outra entrou pelo abdomen de  Sofia.  Meia hora depois, ambos morriam no Hospital que iriam visitar.

O ATENTADO
Ondas de choque varreram a Europa. O Império austríaco acusou o governo sérvio de apoiar o atentado e apresentou um ultimato que praticamente equivalia a uma declaração de guerra. Como nos dominós, as peças começaram a cair. A Rússia declarou suporte à Sérvia e iniciou uma mobilização parcial de suas tropas. Em represália, a Alemanha cerrou fileiras ao lado da Áustria e também convocou seu exército. Receosa de mais um confronto com seu histórico inimigo, a França fez o mesmo. Enquanto a Itália e a Bélgica esperavam para ver, a Grã-Bretanha também se armou do outro lado do canal. Após um mês de intensa troca de acusações, em 28 de julho canhões austríacos dispararam na direção da Sérvia. No dia seguinte, a Alemanha invadiu a Bélgica em sua marcha para Paris. Uma semana depois, a Europa conflagrava-se. Tinha início a Grande Guerra, uma hecatombe que duraria quatro longos anos. Uma combinação perversa de moderna tecnologia bélica e antiquadas táticas de combate elevaria o número de baixas a números jamais vistos. Ao término do cruel confronto, em novembro de 1918, dezessete milhões de mortos, entre eles 8 milhões de civis, jaziam em solo europeu.

O mundo mudara naqueles quatro anos como nunca antes. Os grandes impérios da Europa Central haviam desaparecido. Costumes, tradições e sonhos também tinham sido destruídos pelo horror dos bombardeios, das chacinas,  da impiedosa carnificina que tragara toda uma juventude. O que sobrou foi um sentimento de arrependimento e a promessa de que isto não poderia voltar a acontecer. A Guerra para acabar com todas as Guerras, uma frase do então Presidente americano Woodrow Wilson, definiu o propósito que serviu de base para a criação da Liga das Nações em 1920 e dos tratados que supostamente sedimentariam uma paz duradoura.

Ledo engano. Dezenove anos mais tarde, o pesadelo voltaria e novo apocalipse teria início. Para muitos, o segundo capítulo de uma mesma tragédia – a Segunda Guerra Mundial.


Oswaldo Pereira
Julho 2014


sexta-feira, 25 de julho de 2014

RUIVOS






São necessárias duas cópias do gene recessivo no cromossoma 16 para causar a mudança na proteína MC1R. Quando isto acontece, a célula passa a produzir altas doses de feomelanina, um pigmento vermelho que irá determinar a cor dos cabelos, a tonalidade da pele, sua baixa resistência aos raios solares e as indefectíveis sardas. O indivíduo resultante será ruivo.

O problema é que, segundo algumas fontes científicas, isto está acontecendo cada vez menos e a raça dos “cabelos vermelhos” foi declarada em extinção. E eu, ruivo desde o nascimento até que a idade me branqueasse, lamentei que os meus “irmãos capilares” estivessem sumindo da face da Terra.

Que era uma coisa rara, principalmente no Hemisfério Sul onde nasci, eu já desconfiava desde garoto. O registro familiar me informava que meu avô paterno, ruivo, gerara, dos seus quatro filhos, apenas uma menina (morta antes que eu nascesse) com cabelos avermelhados. Dos 23 netos (isto mesmo, vinte e três), só este que vos escreve veio ao mundo com os cabelos cor de cobre claro e sardento. Na minha descendência, isto se repetiu. Como nenhum de meus três filhos herdou a cor, só um neto meu (de cinco) repetiu exatamente meu matiz capilar. Quer dizer, apenas uma ocorrência em oito.

Dado que nem nas escolas e nem nos meios sociais que frequentei até a adolescência havia muitos ruivos (na verdade, só conheci um no imenso Santo Inácio), sempre me senti meio diferente dos demais. Apelidos abundavam. Ovo de tico-tico, canarinho cabeça-de-fogo, cenourinha eram os mais amigáveis. Quando a coisa baixava de padrão, uma outra característica dos vermelhos aflorava em mim – o temperamento fogoso. Ou seja, eu partia para a briga.

Para acalmar um pouco as coisas, recordo que meu pai me levou certa vez para assistir a um filme sobre preconceito. Chamava-se  The Boy with Green Hair (O Menino de Cabelos Verdes) e contava a história de um órfão cujos cabelos ficam inexplicavelmente verdes ao saber da morte dos pais nos bombardeios de Londres. Dirigido pelo renomado Joseph Losey e estrelado por um Dean Stockwell menino no papel título, é uma linda parábola sobre a intolerância da sociedade com o diferente. Havia uma cena que gravei para sempre. No seu primeiro dia de aula após os cabelos terem-se tornado verdes, há uma rejeição dos colegas. E ele, para defender-se, aponta para um deles que também tinha uma cor incomum. Era um único ruivo. Senti-me imediatamente parte do filme e do problema.

No final da adolescência, já mais seguro, comecei a perceber alguns dividendos no fato de possuir cabelos mais claros que a maioria. Para uma generosa porção do sexo oposto, isto devia causar um certo reboliço, pois seus olhares começaram a enviar mensagens mais do que convidativas. Em outras palavras, começou a chover na minha horta. Uma prazerosa sina com muitos frutos...

Ao mesmo tempo, charmosas histórias sobre a origem dos red hair foram aparecendo, os valorosos celtas que haviam habitado o norte de Portugal (de onde viera meu avô). Grandes personagens da História, como Barbarossa, o viking Erik, Galileu, Vivaldi e até Aquiles e Maomé eram descritos como ruivos. Boas companhias.

Quando comecei a viajar pelo mundo, acabei por descobrir terras em que eu praticamente desaparecia numa multidão de ruivos. Foi assim, principalmente, num acolhedor país chamado Irlanda, que mais acolhedor ficou para mim pois todos me olhavam como um nativo. Há lá tantos que passei a duvidar do vaticínio sobre o desaparecimento da minha gente.

Aliás, e a propósito, já li que essa propalada teoria seria uma tremenda armação, uma mentira espalhada pela Procter & Gamble para aumentar as vendas de um determinado corante para cabelos.

Tomara que assim seja.

Oswaldo Pereira

Julho 2014

segunda-feira, 21 de julho de 2014

NOITE







Foi de repente. Um grito.

Não, não foi.  Foi mais um sussurro, um suspiro em surdina, um lamento estrangulado. Como se uma vida se tivesse apagado, uma tarde morrido, o luar engolido por uma nuvem negra.

A noite caíra, mais rapidamente do que o costume. Nem dera chance ao poente, desfigurado de suas cores antes mesmo que pudesse tingir a linha do horizonte.

«Diz pra mim...»

«Dizer...o que?»

«Que o dia virá...»

Olhei para a sombra que era ela.

«Creio que sim. Esta não é a última das noites. Não pode ser...»

A sombra agitou-se.

«Não tens certeza... »

Eu tento senti-la com os dedos.

«Não, não tenho. Alguém terá?...»

Lá fora, a noite muda. Não há sons, nem vida, nem morte.

«Este plácido lago negro...»

«Que disseste?...»

«Plácido lago negro... Me veio à cabeça»

Eu afago seus cabelos escuros na escuridão.

«Tenta dormir...»

Os olhos dela. Não os vejo, mas sei que me olham.

«Não posso. Preciso ver se o amanhã chega, se haverá aurora. Tenho de saber até onde este silêncio vai, se já cobriu o mundo ou apenas este vale, esta varanda, este quarto. Quero ver as entranhas desse monstro chamado Destino»

Eu suprimo um sorriso triste.

«Não tens como. Este é um monstro sem intestinos, hidra sem cabeças, ciclope sem olho. É o que é. Anda sem ver, caminha sem ouvir. Mata e faz nascer, cria e descria. Nada valemos para ele, nem nossos sonhos nem nossos pecados»

«Cruel...»

Outro gemido pequeno, preso na garganta.

«Não chora. Este é o pacto. Viver por viver. Só isso...»

«Não pode ser. Tem de haver mais. Tem de haver a promessa das manhãs, o compromisso das estrelas, o penhor da chuva. Temos este direito, de sermos felizes, de sermos...nós...»

Sua lágrima morna cai e escorre em meu peito.

«Poesia. Só lá somos o que sonhamos. Aqui é outra terra, outra lei. Aqui somos apenas o rugir de um instante, uma fração, o átimo de um relâmpago que nasce e morre num segundo, perdido para sempre num céu sem memória...»

«Rebelo-me...»

«Não podes... Estamos presos aqui. Companheiros nesta cela a que chamam existência. Daqui não sairemos vivos. Descansa. Esta pode ser a última noite...»

Ela pega minha mão e coloca-a em seu rosto. Está molhado e frio.

«Beija-me...»

Obedeço. Ela adormece. Fico olhando para o abismo invisível do vale, à espreita de uma manhã incerta.  Que talvez não venha.


Oswaldo Pereira
Julho 2014






quinta-feira, 17 de julho de 2014

CONSELHOS DE PAI






Está fazendo 40 anos que foi lançado o LP (os antigos sabem, isto quer dizer long-playing, os grandes álbuns em vinil de uma era que já se foi...) Planet Waves. O disco marcava a volta às turnês de Bob Dylan, que delas ficara afastado por oito anos. Nesse meio tempo, o cantor e compositor, já ascendido à categoria de símbolo, fora pai. Uma das faixas, que logo também viraria viral, para usar um termo dos atuais dias, intitulava-se Forever Young. Dylan a havia composto para o filho, Jakob, e construíra a letra a partir dos conselhos e exortações que, como pai, considerava inspiradores.

O poema que daí resultou foi uma pequena obra-prima. As mensagens são belas, perenes, verdadeiras e indicam um caminho estrelado que pretende levar à felicidade eterna. Especialmente, a mais ambiciosa delas: may you stay forever young (que você fique jovem para sempre), uma linda proposta e uma filosofia de vida em si mesma. Dylan já era um refinado poeta. Nesse momento, provou ser também um pai especial.

Abaixo vai a letra, no original em inglês e numa tradução livre que fiz.

May God bless and keep you always,
May your wishes all come true,
May you always do for others
And let others do for you.
May you build a ladder to the stars
And climb on every rung,
And may you stay forever young

May you grow up to be righteous,
May you grow up to be true,
May you always know the truth
And see the lights surrounding you.
May you always be courageous,
Stand upright and be strong,
And may you stay forever young

May your hands always be busy,
May your feet always be swift,
May you have a strong foundation
When the winds of changes shift.
May your heart always be joyful,
May your song always be sung,
And may you stay forever young

Que Deus te abençoe e te guarde sempre,
Que seus desejos se tornem realidade,
Que você sempre faça pelos outros
E deixe que os outros façam por você.
Que você construa uma escada para as estrelas
E suba cada degrau,
E que você fique jovem para sempre

Que você cresça para ser justo,
Que você cresça para ser verdadeiro,
Que você sempre saiba a verdade
E veja as luzes ao seu redor.
Que você seja sempre corajoso,
Fique em pé e seja forte,
E que você fique jovem para sempre

Que suas mãos estejam sempre ocupadas
Que seus pés sejam sempre rápidos
Que você tenha uma base forte
Quando os ventos das mudanças soprarem.
Que o seu coração seja sempre feliz,
Que sua canção seja sempre cantada,
E que você fique jovem para sempre


Muita gente, além do próprio Dylan, gravou Forever Young. Joan Baez, Pete Seeger, Peter Paul & Mary, Diana Ross, entre outros. Mas escolhi para este post a interpretação de Norah Jones no dia da homenagem póstuma a Steve Jobs, em 2011. Vejam que magnífico.






Oswaldo Pereira
Julho 2014

domingo, 13 de julho de 2014

ACABOU...






O grande espetáculo termina. O pano cai.

E os números estão aí. Em termos esportivos, foi uma das melhores Copas de todos os tempos. O público total nos estádios superou a marca de 3,5 milhões, com a maior média por partida (53,6 mil) desde 1994. A quantidade de tentos marcados igualou o recorde de 1998: 171 gols. Ganhou o país que talvez tenha investido mais na sua preparação para o torneio e serão sempre lembradas as sensacionais participações de times surpreendentes, como a Costa Rica, que vieram demonstrar que se joga bem o futebol em qualquer parte do planeta.

Em termos de acolhimento também. Fomos anfitriões impecáveis e este talvez seja o grande legado, senão o único – o povo deste país encantou a todos os que nos visitaram e mandou uma rica mensagem de simpatia mundo afora, cujos dividendos em termos de maior interesse turístico estrangeiro deverão ser contabilizados no futuro.

Mas, para nós brasileiros, ficou um gostinho mais do que amargo. Era a Copa em casa, a revanche de 1950, a reafirmação do nosso talento futebolístico, a nossa grande vitória. A torcida estava pronta, cantando o Hino a plenos pulmões, a esperança num sorriso tão grande quanto o próprio país. O revés foi brutal, doeu e vai deixar marcas que nos incomodarão por um largo tempo, juntamente com a conta que ficou para pagar, os elefantes brancos dos estádios milionários que não gerarão receita, o espetáculo triste de campeonatos nacionais e estaduais medíocres, da conversa fiada do “vamos mudar, vamos investir na melhoria do esporte, etecetera e tal...”, dita por homens que não farão nada, até porque o buraco é mais embaixo e está inserido na corrupção endêmica que nos assola.

Por qualquer prisma estatístico, a seleção foi muito mal. Errou 80% dos passes decisivos, finalizou menos e sofreu mais gols do que em todas as outras Copas. E nunca, nestes 100 anos de existência, levou uma goleada tão humilhante. Se estivéssemos no Japão dos samurais, a Comissão Técnica teria de cometer hara kiri, para redimir sua honra. Se a CBF fosse uma empresa privada, seriam todos sumariamente demitidos. Se Luís Felipe Scolari quisesse ser honesto e assumisse realmente a responsabilidade pelo fracasso, já deveria ter entregado o cargo e devolvido a grana que recebeu como treinador do time. Nunca mostramos tamanha incompetência técnica e tática.

Só nos resta desinflar esta nossa excessiva entrega ao futebol. Chega de tanta bajulação, tanta babação, tanta tietagem. E, finalmente, chega de conceder títulos indevidos. Felipão nunca foi pentacampeão. Ele ganhou, como técnico, o título do Mundial em 2002 e isto o faz apenas campeão daquele ano. Da mesma forma, Bebeto e Romário NÃO são tetracampeões. O Brasil é. Eles não.

Aliás, pensando bem, nem o Brasil é. Nem PENTA, nem TETRA. E nem TRI. Raciocinem comigo. Quando se fala em tri campeonatos, no futebol carioca, por exemplo, recorda-se a campanha do Flamengo em 1953, 1954 e 1955 e, mais recentemente, em 2007, 2008 e 2009; do Vasco em 1992, 1993 e 1994 e do Fluminense em 1983, 1984 e 1985.  Ou o do São Paulo no Brasileirão em 2006, 2007 e 2008.  O adjetivo é devido porque os títulos foram em sequência. Essa bobagem de chamar o Brasil de TRI começou na Copa de 70. O país havia sido, de pleno direito, BI CAMPEÃO em 1962, pois vencera o certame anterior, em 1958. Esperava-se que vencesse também em 1966, mas todos sabem que a atuação brasileira foi fraquíssima (saiu ainda na Fase de Grupos). Quando voltou a ganhar no México, o famoso jeitinho brasileiro resolveu subverter a realidade e celebrou indevidamente um TRI fajuto. Então, vamos combinar. Nunca teve TRI e, claro, nem TETRA, nem PENTA. E nem terá HEXA, a não ser que a seleção canarinha vença TODOS os campeonatos mundiais entre 2018 e 2038...


Oswaldo Pereira

Julho 2014

quinta-feira, 10 de julho de 2014

COPA DAS COPAS






Precipitei-me. No último post, acreditei que esta Copa seria marcada pela atuação dos fantásticos goleiros que deslumbraram o mundo com suas incríveis defesas. Erro meu. O Mundial de 2014, cada vez mais a Copa das Copas, será lembrado para sempre por outra coisa.

Como já escrevi algumas vezes neste blog, eu vivi o Campeonato de Futebol de 1950. Hoje, 64 anos depois, sinto ainda, como se hoje fosse, a decepção do Maracanazo. Ficou gravada na alma, não só minha, mas de todos os brasileiros que habitavam este planeta no dia, a derrota. Tanto é verdade que, toda vez que um Campeonato Mundial acontece, as emissoras de televisão nacionais trazem de volta às telas as velhas imagens em preto e branco, tremidas pelo tempo, de Ghiggia se aproximando do gol do Brasil, da bola escura estufando a rede, de Barbosa lentamente se reerguendo do chão. Mesmo depois de todas as conquistas posteriores, de cinco vitoriosas e inesquecíveis campanhas, de seleções que encantaram as gerações subsequentes, o espectro daquele longínquo 16 de julho sempre voltou a assombrar. Uma Copa perdida em casa, deixada escapar-se aos 34 minutos do segundo tempo. E olhe que foi só 2 a 1...

O que aconteceu terça-feira passada no Mineirão suplantará para a eternidade a lembrança doída de 1950. E não será pelo fato de termos perdido. Uma derrota “normal” para a Alemanha, um placar apertado, numa prorrogação ou nos pênaltis teria um impacto desagradável para nós, sim, mas seria algo moderado, “aceitável”, até compreensível. Entraria, claro, para a História, mas com fatalismo, como um verbete de fácil assimilação nas enciclopédias do esporte. O problema foi COMO aconteceu. O espantoso diferencial foi o desaparecimento de um time em campo, a falência total de um suposto esquema tático, o escuro psicológico que envolveu os brasileiros no gramado, principalmente nos fatídicos seis minutos em que a Alemanha ampliou a goleada.

Outra recordação que ficou de 1950 foi o silêncio de um Maracanã de 200.000 pessoas.  De terça-feira, ficará a visão da torcida atônita e depois aos prantos, dos olhos aterrorizados dos jogadores, da perplexidade que atingiu a todos como um tsunami cruel e inesperado.

Para mim, o que marcará esta Copa será a imagem indelével do menino de óculos, segurando um copo de refrigerante, o choro solto saindo desamparado e incontrolável, o estilhaçar de uma ilusão infantil. Deve ter a mesma idade que eu tinha em 1950. Por isso, eu sei como é...


Oswaldo Pereira

Julho 2014

domingo, 6 de julho de 2014

GOLEIROS







Os primeiros “guarda-metas” que vi em ação foi em um jogo na Gávea (para os modernos, “Gávea” era o nome do antigo estádio do Flamengo, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas). Era a última partida do Campeonato Carioca de 1944, um Flamengo e América só para cumprir tabela, pois o título já era do rubro-negro. No gol do América, Batatais encerrava uma carreira gloriosa, que o levara a defender a Seleção Brasileira na Copa de 1938. No do Flamengo, outra lenda, o mineiro Luís Borracha.
Vi muitos guarda-metas, depois apelidados de guarda-redes, e atualmente simplificados para goleiros, e sua figura solitária sempre me fascinou.  Seu uniforme era diferente dos demais, era o único a quem se permitia usar as mãos num esporte de pés, sua liberdade de ação estava constrangida ao quadrado de cal que delimitava a Grande Área. Se a bola não rondasse por ali, era abandonado à própria solidão. Nem nas comemorações dos gols de seu time ele era chamado, vibrando sozinho em sua “prisão” regulamentar. Quando os campos ainda não tinham o padrão atual de manutenção, debaixo das traves havia um semicírculo sem grama. O motivo era evitar que a relva, às vezes molhada da chuva, pudesse trazer escorregões fatais, mas a frase onde goleiro pisa não nasce grama, magistralmente criada por Don Rossé Cavaca (o jornalista e humorista José Martins de Araújo Filho), definiu a sina de maldição que ronda o arqueiro (outro apelido em desuso) desde a concepção do futebol.

Apesar de tudo isto, em criança e adolescente, sempre preferi jogar no gol. É claro que esta profunda decisão era também inspirada pelo fato de que, nas outras posições, bem... De qualquer modo, cheguei a ter uns fugazes momentos de brilho, na praia de Copacabana, onde guarneci, com atléticas defesas, metas improvisadas com montinhos de areia em muitas sessões de linha de passe, hoje mais conhecida como altinho. Eram três passes e uma finalização...

Assim, até hoje nutro uma especial admiração pela vocação de herói trágico, que se equilibra entre os extremos de salvador da pátria ou escória da humanidade. Vi Carbajal, Costa Pereira, Banks, Yashin, Higuita, Chilavert, Zoff, Kahn. Vi Barbosa, Castilho, Gilmar Neves, Manga, Taffarel. Ainda vejo Ceni. E Czech. Todos ícones, capazes, em seu tempo, de segurar o mundo inteiro debaixo dos paus. E de, também, comer a poeira do desastre, uma falha imperdoável na agonia de um segundo tempo...

Tudo isto é para dizer que, em minha opinião, a Copa FIFA 2014 passará à História como a Copa dos Goleiros. Zagueiros, laterais, meio-campistas e atacantes que me perdoem, mas o que ficará nas retinas e nos documentários serão as soberbas, quase sobrenaturais atuações de santos milagreiros como Júlio Cesar (Brasil), Guillermo Ochoa (México), Claudio Bravo (Chile), David Ospina (Colômbia), Keylor Navas (Costa Rica), Hugo Lloris (França), Vincent Enyeama (Nigeria), Rais M’Bolhi (Argélia), Manuel Neuer (Alemanha), Thibaut Courtois (Bélgica) e, quebrando um recorde que vinha desde o Mundial de 1978, o americano Tim Howard, com inacreditáveis 16 defesas portentosas num só jogo. Evidente é que este fulgor não vem de graça. Os candidatos à posição, atualmente, são homens com estatura de jogador de basquete. Só para comparar, o belga Courtois mede 1,99m; Barbosa tinha 1,70m. Some-se uma envergadura de quase 2 metros, mais agilidade e reflexos treinados por intermináveis horas, e temos as “muralhas” de hoje. E o requinte da seleção holandesa, que tem uma “muralha” destas que só entra para defender pênaltis.

Deus salve os “guarda-metas’!


Oswaldo Pereira

Julho 2014