Um retângulo
em pé com uma área de 92 mil km² e muita, muita história para contar. Há mais
de mil anos que ele aqui está, onde a terra acaba e o mar começa. Segundo o
sábio professor José Hermano Saraiva, exatamente por não terem mais aonde ir,
os povos que aqui chegaram tiveram de abandonar sua rotina de nômades e
inventar outras formas de sobreviver. Como a agricultura, por exemplo, nos
férteis campos do futuro Alentejo; ou a criação de animais, ao redor das
cabanas que os fixaram e os fizeram esquecer a vida errante em busca de comida.
E aí, mais
marés de gente foram chegando. Como as outras marés, as verdadeiras, marcavam
nas praias o limite final, houve luta. Sem caminho para a fuga, os perdedores
foram sendo assimilados, dando forma ao caldeirão genético da raça (ou anti-raça, ainda nos dizeres do saudoso
professor) lusitana. E assim foi, passando pelo neolítico, pela chegada dos
barcos fenícios, da lenda de Ulisses nas velas gregas; pelas legiões de Roma,
pelos celtas e visigodos, até que a centelha da nacionalidade brilhasse no fio
da espada de D. Afonso Henriques e seus dez séculos de identidade começassem.
O legado de
guerras, devoções, sofrimentos e glórias está presente em castelos e estátuas,
pergaminhos e quadros, passado, presente e lições para o futuro.
Desta vez,
entrei pelo meio do retângulo, num corredor largo que vai do litoral de Aveiro
até às profundezas da Guarda, com o Rio Douro ao norte, o Tejo ao sul e o Dão
pelo centro – um mosaico que recebe o nome genérico de Beiras.
Começando pelo
leste, onde a Espanha fica a dois passos para o oriente, corre o Zêzere, por
entre vales intrincados e albufeiras, momentâneamente apaziguado pela Barragem
do Cabril. Subindo pelas encostas dos vales que margeiam o rio, dissimuladas
entre os pinhais, estão as aldeias de xisto, vilas austeras de pedra e
silêncio, aqui e ali um vaso de sardinheiras adocicando a rudeza de uma vida
simples, ciosa de sua intimidade e sua força. Maiores e abertas ao turismo,
estão as duas Pedrógãos, a Grande e a Pequena, preservadas em seu tempo, em
suas igrejas de quinhentos anos, em suas ruas vazias abertas ao sol de verão.
CASAL DE SÃO SIMÃO |
PEDRÓGÃO GRANDE |
Verão? Pois é a época das festas, das feiras, como a de Vila de Rei, apregoando “Mel, Enchidos e Queijos”, numa sucessão de barraquinhas oferecendo delícias, cheiros e sabores, docinhos de nomes sugestivos como maminhas de noviça, bocados de abade, que derretem a mais ferrenha dieta.
Adicionar legenda |
De repente,
chega-se a Viseu. Nascida no entroncamento de duas estradas romanas, ganhou seu
nome na expressão encantada de um cavaleiro medieval vindo do oeste que, ao
vê-la, exclamou: que viso (vejo) eu?
Hoje, é a primeira em qualidade de vida do país e centro de excelência em
termos de ensino superior. Foral (equivalente hoje a Concelho) desde 1123,
recolheu durante seu quase milênio de existência os pedaços de história que o
olhar atento descobre em cada esquina e atingem seu ápice no Adro da Sé. Além
da visita à catedral e à igreja da Misericórdia, obrigatório é o ingresso no
Museu Grão Vasco, um tesouro do patrimônio histórico português e lugar de
repouso das obras do pintor quinhentista Vasco Fernandes.
VISEU - ADRO DA SÉ |
ÚLTIMA CEIA (DETALHE) - MUSEU GRÃO VASCO |
Ao lado, fica Penalva do Castelo, jóia do vale do Dão, antes conhecida como Vila Nova do Santo Sepulcro, pois sede foi da Ordem Militar e Canônica nascida em Jerusalém. O que já é de bom tamanho para aquilatar sua importância e predicado. Aí viveram os fidalgos das casas senhoriais de Menezes, Magalhães Coutinho, Albuquerque. Seus vestígios e suas mansões ainda perduram, algumas transformadas em pousadas de charme, como a magnífica Casa de Ínsua.
No litoral, está Aveiro. E sua Ria. Para quem não sabe, esta Ria é um emaranhado de canais que o mar estende, como dedos nervosos e longos, por entre salinas e pontes, emprestando um ar de Veneza atlântica à cidade, barcos moliceiros fazendo o papel de gôndolas. Santa Joana, a princesa que virou freira, aqui viveu e morreu, no século XV, num convento transformado em fantástico museu. Flor de sal e barricas de ovos moles, o doce conventual por excelência, são itens imprescindíveis dentro da bagagem dos turistas que, com muito pesar, partem com saudade.
RIA DE AVEIRO |
CLAUSTRO DO CONVENTO DE SANTA JOANA |
Isto é só um pouco do meio de Portugal, este país que não cessa de surpreender.
Oswaldo
Pereira
Agosto 2013
Que paixão............
ResponderExcluirQUE VONTADE DE VOLTAR PARA REVER PORTUGAL. VPARECE A ÚLTIMA CEIA E GOTARIA DE SABER POR QUEM FOI PINTADA. É QUE A FIGURA AO LADO DE JESUS ARECE FEMININA.
ResponderExcluirMUITO BOM O RELATO DESTE PORTUGAL QUE NOS MOSTRA TANTAS DIVERSIDADES EM TÃO PEQUENO ESPAÇO.
Cleusa,
ExcluirEsta Última Ceia é de Vasco Fernandes. E a figura ao lado de Jesus é, definitivamente, feminina. Vasco segue o exemplo de Da Vinci, que também colocou uma mulher ao lado de Jesus na sua Ceia, embora a Igreja a interprete como sendo São João Apóstolo. Todo o Museu é um deslumbramento. Não deixe de visitá-lo quando vier a Portugal.