domingo, 28 de julho de 2013

ILHAS


 
 
Uma tela em branco.

Uma página vazia.

Um momento sem história, sem luz. Um minuto que passa sem propósito, sem adicionar nada. Perdido, apenas, no vácuo do tempo. Sessenta segundos que se esvaem sem um ruido, sem um bater de asas, um arrepio de brisa. Mas, neste mesmo intervalo de eternidade, do outro lado do mundo quantas corações deixaram de bater, quantos bebês viram a luz do dia pela primeira vez, quantas mães choraram, quantas riram.

Um minuto que a mim nada disse, nada trouxe, nada levou. E, a outros, deu o acorde que faltava para uma sinfonia, a palavra de amor tão procurada, o ás que fechou o straight flush; a outros mais, o adeus derradeiro, o rosto que se perdeu na rua de um horizonte que não voltará mais, o último sorriso, a lágrima final.

Um minuto que foi nada e foi tudo. Foi igual e diferente, banal e decisivo, um piscar de olhos e uma vida. No minuto em que eu nasci, alguém apenas acendeu um cigarro, olhou para o poente, suspirou no tédio de uma tarde vazia.

Somos colecionadores de minutos desiguais, cada um guardando marcas desencontradas nos escaninhos de nossas memórias em compassos trocados, feridas e bálsamos em ritmos alternados. Enquanto eu apenas flutuo no nada, alguém algures encontra sua órbita e seu destino. Na hora em que eu viro uma esquina crucial, você simplesmente poderá estar contemplando o futuro.

Somos ilhas. John Donne disse que não, mas eu discordo. Todos nós temos nossas praias cativas, florestas de nossa individualidade, montanhas e lagoas que só nós sabemos como, quando e porque se formaram. Mesmo se, às vezes, temos vocação para arquipélagos. Estendemos pontes, enviamos barcos. Abrimos nossos portos, franqueamos nosso cais. Mas, o tesouro enterrado onde guardamos nossos minutos permanecerá num lugar não assinalado, conhecido apenas e para sempre só por nós, na geografia pessoal de nossas trilhas e atalhos. Até...

Até que encontramos um dia o amor verdadeiro. Aquele certo, predestinado, obstinado. Aquele por que o mar ao nosso redor queda chão e dócil. Aquele por que nos transformamos em penínsulas, em istmos, em continentes. Aquele por que desenhamos o mapa que mostra onde está o baú dos nossos sonhos e o entregamos no delírio de uma noite morna e estrelada.

Assim, e só assim, deixamos de ser ilhas. Acertamos nossos relógios e nossos minutos numa hora comum, num tempo uníssono, numa cadência paralela.

Durará uma vida ou um verão. Ninguém sabe. Mas, poucos ou muitos, serão os minutos dourados, aqueles compartilhados, na cama ou no facebook, na praia comum de nossas terras unidas, no céu de um mesmo hemisfério.

E, se um dia voltarmos a ser ilhas, que entesouremos esses minutos com carinho e os enterremos onde nós, só nós, saibamos onde...


Oswaldo Pereira
Julho 2013

 

 

 

 

3 comentários:

  1. Cada um tem sim e cada um sente e vive o seu minuto.

    Bela crônica.

    Abraço,
    Cleusa.

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  2. ADOREI sua crônica ! E ai eu penso : ninguém é dono de ninguém e tem uma coisa que se você quiser ninguém, ninguém mesmo pode compartilhar : o seu PENSAMENTO !!!

    E tão bom sabermos que ele é nosso, SOMENTE nosso e de mais ninguém, mesmo que você pense em alguém ...

    O nosso pensamento é nossa ilha, bem protegida !

    Fi²

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  3. Oi Oswaldo
    Você está certo. O amor é a ponte par o outro. Amar significa partilhar.
    Grande abraço.
    Zé Correa

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