Com dezesseis anos, fui passar uma temporada nos Estados Unidos, na casa de
uns amigos de meus pais. Ir para lá era o sonho dourado de grande parte dos
adolescentes brasileiros de então. O país era a fonte de todas as novidades,
terra do rock, de Hollywood, das blue jeans e dos teen agers. Tudo o que nos era instilado diariamente pelos discos,
pelos filmes, pelas revistas, vendendo os maneirismos que se tornavam moda
obrigatória nas reuniões, nas festas, nas praias.
Lembro-me que enchi o saco em
casa, repetindo o pedido com a obstinação que a adolescência empresta a tudo
e, depois de meses cumprindo metas de
desempenho escolar e de comportamento doméstico, como penhor pela satisfação do
meu desejo, os velhos cederam. Uma passagem de ida e volta, mil dólares no
bolso, o endereço da família para onde ia, um telegrama informando-a da minha
chegada e lá fui eu, para vinte e duas
horas de voo até Nova Iorque num Super-G Constellation da Varig, com escalas em
Belém e Ciudad Trujillo. A grande preocupação da turma aqui era se eu
conseguiria fazer-me entender nos trâmites da imigração até encontrar-me com os
meus anfitriões. Mas eu já falava um razoável inglês. Tivera um excelente
professor.
O professor era alto, magro, negro e nascera no Alabama. Seu infalível
método era provocar a repetição contínua de frases que sua pronúncia
absolutamente perfeita me ensinava durante várias horas diárias de aula. Eram
histórias que eu tinha de guardar na memória, expressões idiomáticas usadas no
linguajar corrente americano, conjugações verbais gramaticalmente precisas, que
eu ouvia e replicava até encontrar o tom e a inflexão corretos. O aprendizado
começara mais de um ano antes e, ao descer no La Guardia Airport, surpreendi até o meu entrevistador na imigração
com a minha fluência. Mesmo depois de retornar ao Brasil, continuei com as
aulas por muito tempo, sempre aperfeiçoando meu desempenho do idioma.
O mais interessante disto tudo é que esse meu professor nunca tomou
conhecimento da minha existência e só estivemos juntos no mesmo lugar uma vez.
Eu, nas arquibancadas do Maracanãzinho, com outras 20.000 pessoas. Ele, no
centro do palco, tocando seu piano e cantando.
Seu nome era Nat “King” Cole.
Nathaniel Adams Coles, filho de um pastor e de uma professora de piano, já
era um pianista de jazz famoso em 1937, aos 18 anos. Gravara um disco no ano
anterior e estabelecera-se em Chicago, onde a cena musical negra fervia e os
músicos mais famosos se outorgavam nomes aristocráticos (como Duque Duke Ellington e Conde Count Basie). Nat não fez por menos.
Em 1938, integrou uma companhia musical que foi para Los Angeles. Depois de
algumas apresentações, um dos músicos sumiu com o dinheiro e outros tiveram de
enfrentar as agruras da Grande Depressão. Nat acabou montando um trio com o
guitarrista Oscar Moore e o baixista Larry Prince e foram tocar a 5 dólares por
noite.
Até que, em 1940, um freguês bêbado insistiu para que cantasse. Muito a
contragosto, argumentando que era apenas um pianista, mas pressionado pelo dono
do bar, para quem o cliente tinha sempre razão, ele cantou Sweet Lorraine.
Daí para a frente, até morrer prematuramente em 1965, foram milhares de
gravações e centenas de álbuns, shows, filmes. Foi o primeiro artista negro a ter um programa seu na TV americana.
Só a sua gravação da composição de Mel Torme, Christmas
Song, vendeu 40 milhões de cópias, sendo a música de Natal mais tocada no
mundo, depois de Noite Feliz.
Reconhecido por seu inconfundível estilo vocal, Nat “King” Cole foi
considerado, inclusive por Frank Sinatra, como o cantor com o tom mais
verdadeiro e a respiração mais perfeita.
Além da exatidão com que pronunciava as palavras que compunham as letras das
canções e mais canções que me ensinaram a falar inglês. As melhores aulas que
já tive.
Oswaldo Pereira
Agosto 2013
Espetacular, meu amigo!!!
ResponderExcluirQuando você disse que ele nunca soube de sua existência e que o encontrou no Maracanazinho, não estava entendendo nada..
Quando veio o nome, me arrepiei.
Parabéns pelo excelente post..
E pelo impagável professor
Sensacional!!!
ResponderExcluirVocê certamente deve saber que ele foi meu professor também...
Caro Osvaldo, muito bom seu post. Voltei no tempo, com muita saudade: as horas de dança no Democrata Clube, garotas bonitas para flertar e musicas inesqueciveis. Como esquecer "There goes my hearth", "Tenderly" e "Stardust"? Na época que você viajou eu frequentava muito a casa do seu tio Zé Prado e os primos comentavam sua aventura. Em que ano Nat "King" Cole se apresentou no Maracanazinho? Não me lembro e não consegui achar nenhum registro desta apresentação. Continue com histórias, que são ótimas. Mariana, minha filha mais velha quer receber seus posts. Grande abraço do amigo Thomaz
ResponderExcluirCaro Thomaz,
ExcluirA inesquecível apresentação do Nat "King" Cole para um Maracanãzinho lotado foi em abril de 1959. E interessante você citar "There Goes My Heart" - foi sempre uma das minhas favoritas, ao lado de "A Blossom Fell". Velhos tempos, grandes tempos...
Grande Oswaldo
ResponderExcluirQue viagem no tempo.
Grande abraço
Zé Correa
Agora que estou lendo as suas "palavras escritas" (estava viajando e tudo atrasou). Comecei por esse texto muito especial ! Foi "un souvenir incroyable pour des milliers de raisons" !!!!! Cada um tem a sua musica favorita, falando de NKC, mas as minhas sempre foram "Unforgettable e A Blossom Fell", que é de arrepiar ... ambas inesqueciveis ...
ResponderExcluirQuem quiser cantar ...
A Blossom Fell
from The World Of Nat King Cole
A blossom fell from off a tree
It settled softly on the lips you turned to me
The gypsies say and I know why
A falling blossom only touches lips that lie
A blossom fell and very soon
I saw you kissing someone new beneath the moon
I thought you loved me, you said you loved me
We planned together, to dream forever
The dream has ended, for true love died
The night a blossom fell and touched two lips that lied
A blossom fell and very soon
I saw you kissing someone new beneath the moon
I thought you loved me, you said you loved me
We planned together, to dream forever
The dream has ended, for true love died
The night a blossom fell and touched two lips that lied
Obrigado por esta linda letra. Numa resposta que dei ao comentário do meu amigo Thomaz, acima, também citei esta maravilhosa canção como uma das minhas favoritas. Saudades...
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