quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O PROFESSOR DE INGLÊS


Com dezesseis anos, fui passar uma temporada nos Estados Unidos, na casa de uns amigos de meus pais. Ir para lá era o sonho dourado de grande parte dos adolescentes brasileiros de então. O país era a fonte de todas as novidades, terra do rock, de Hollywood, das blue jeans e dos teen agers. Tudo o que nos era instilado diariamente pelos discos, pelos filmes, pelas revistas, vendendo os maneirismos que se tornavam moda obrigatória nas reuniões, nas festas, nas praias.

Lembro-me que enchi o saco em casa, repetindo o pedido com a obstinação que a adolescência empresta a tudo e,  depois de meses cumprindo metas de desempenho escolar e de comportamento doméstico, como penhor pela satisfação do meu desejo, os velhos cederam.  Uma passagem de ida e volta, mil dólares no bolso, o endereço da família para onde ia, um telegrama informando-a da minha chegada e lá fui eu, para  vinte e duas horas de voo até Nova Iorque num Super-G Constellation da Varig, com escalas em Belém e Ciudad Trujillo. A grande preocupação da turma aqui era se eu conseguiria fazer-me entender nos trâmites da imigração até encontrar-me com os meus anfitriões. Mas eu já falava um razoável inglês. Tivera um excelente professor.

O professor era alto, magro, negro e nascera no Alabama. Seu infalível método era provocar a repetição contínua de frases que sua pronúncia absolutamente perfeita me ensinava durante várias horas diárias de aula. Eram histórias que eu tinha de guardar na memória, expressões idiomáticas usadas no linguajar corrente americano, conjugações verbais gramaticalmente precisas, que eu ouvia e replicava até encontrar o tom e a inflexão corretos. O aprendizado começara mais de um ano antes e, ao descer no La Guardia Airport, surpreendi até o meu entrevistador na imigração com a minha fluência. Mesmo depois de retornar ao Brasil, continuei com as aulas por muito tempo, sempre aperfeiçoando meu desempenho do idioma.

O mais interessante disto tudo é que esse meu professor nunca tomou conhecimento da minha existência e só estivemos juntos no mesmo lugar uma vez. Eu, nas arquibancadas do Maracanãzinho, com outras 20.000 pessoas. Ele, no centro do palco, tocando seu piano e cantando.

Seu nome era Nat “King” Cole.

Nathaniel Adams Coles, filho de um pastor e de uma professora de piano, já era um pianista de jazz famoso em 1937, aos 18 anos. Gravara um disco no ano anterior e estabelecera-se em Chicago, onde a cena musical negra fervia e os músicos mais famosos se outorgavam nomes aristocráticos (como Duque Duke Ellington e Conde Count Basie). Nat não fez por menos.

Em 1938, integrou uma companhia musical que foi para Los Angeles. Depois de algumas apresentações, um dos músicos sumiu com o dinheiro e outros tiveram de enfrentar as agruras da Grande Depressão. Nat acabou montando um trio com o guitarrista Oscar Moore e o baixista Larry Prince e foram tocar a 5 dólares por noite.

Até que, em 1940, um freguês bêbado insistiu para que cantasse. Muito a contragosto, argumentando que era apenas um pianista, mas pressionado pelo dono do bar, para quem o cliente tinha sempre razão, ele cantou Sweet Lorraine.

Daí para a frente, até morrer prematuramente em 1965, foram milhares de gravações e centenas de álbuns, shows, filmes. Foi o primeiro artista  negro a ter um programa seu na TV americana. Só a sua gravação da composição de Mel Torme, Christmas Song, vendeu 40 milhões de cópias, sendo a música de Natal mais tocada no mundo, depois de Noite Feliz.

Reconhecido por seu inconfundível estilo vocal, Nat “King” Cole foi considerado, inclusive por Frank Sinatra, como o cantor com o tom mais verdadeiro e a respiração mais perfeita.

Além da exatidão com que pronunciava as palavras que compunham as letras das canções e mais canções que me ensinaram a falar inglês. As melhores aulas que já tive.

 

Oswaldo Pereira
Agosto 2013

7 comentários:

  1. Espetacular, meu amigo!!!

    Quando você disse que ele nunca soube de sua existência e que o encontrou no Maracanazinho, não estava entendendo nada..

    Quando veio o nome, me arrepiei.

    Parabéns pelo excelente post..

    E pelo impagável professor

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  2. Sensacional!!!
    Você certamente deve saber que ele foi meu professor também...

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  3. Caro Osvaldo, muito bom seu post. Voltei no tempo, com muita saudade: as horas de dança no Democrata Clube, garotas bonitas para flertar e musicas inesqueciveis. Como esquecer "There goes my hearth", "Tenderly" e "Stardust"? Na época que você viajou eu frequentava muito a casa do seu tio Zé Prado e os primos comentavam sua aventura. Em que ano Nat "King" Cole se apresentou no Maracanazinho? Não me lembro e não consegui achar nenhum registro desta apresentação. Continue com histórias, que são ótimas. Mariana, minha filha mais velha quer receber seus posts. Grande abraço do amigo Thomaz

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    1. Caro Thomaz,
      A inesquecível apresentação do Nat "King" Cole para um Maracanãzinho lotado foi em abril de 1959. E interessante você citar "There Goes My Heart" - foi sempre uma das minhas favoritas, ao lado de "A Blossom Fell". Velhos tempos, grandes tempos...

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  4. Grande Oswaldo
    Que viagem no tempo.
    Grande abraço
    Zé Correa

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  5. Agora que estou lendo as suas "palavras escritas" (estava viajando e tudo atrasou). Comecei por esse texto muito especial ! Foi "un souvenir incroyable pour des milliers de raisons" !!!!! Cada um tem a sua musica favorita, falando de NKC, mas as minhas sempre foram "Unforgettable e A Blossom Fell", que é de arrepiar ... ambas inesqueciveis ...

    Quem quiser cantar ...

    A Blossom Fell

    from The World Of Nat King Cole

    A blossom fell from off a tree
    It settled softly on the lips you turned to me
    The gypsies say and I know why
    A falling blossom only touches lips that lie

    A blossom fell and very soon
    I saw you kissing someone new beneath the moon
    I thought you loved me, you said you loved me
    We planned together, to dream forever
    The dream has ended, for true love died
    The night a blossom fell and touched two lips that lied

    A blossom fell and very soon
    I saw you kissing someone new beneath the moon
    I thought you loved me, you said you loved me
    We planned together, to dream forever
    The dream has ended, for true love died
    The night a blossom fell and touched two lips that lied


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    1. Obrigado por esta linda letra. Numa resposta que dei ao comentário do meu amigo Thomaz, acima, também citei esta maravilhosa canção como uma das minhas favoritas. Saudades...

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