domingo, 28 de agosto de 2022

INDEPENDÊNCIA: O PRÍNCIPE REGENTE



Em abril de 1821, D. João VI partiu. Seu filho D. Pedro ficou como Regente. Talvez ele já percebesse que vários caldeirões cozinhavam interesses opostos e poderosos e que iria caber a ele a missão de prevenir que o caldo entornado pela ebulição do momento lançasse o Brasil num caos imprevisível e e irreparável.

Para já, duas forças antagônicas se preparavam para o confronto. Em Portugal, a Revolução do Porto, o mesmo movimento que definira o retorno do Rei a Lisboa, havia iniciado o processo de implantação de uma monarquia constitucionalista. O mesmo programa tratava da situação econômica do reino, exigindo que as benesses concedidas por D. João à ex-colônia fossem revogadas. Com efeito, a abertura dos portos havia propiciado aos agricultores brasileiros colocarem seus produtos no mercado europeu, via Inglaterra, e permitia a entrada, livres de entraves de importação, de mercadorias cujo consumo já entrara no quotidiano das gentes daqui. A continuação dessa situação, que implicava a perda de uma significativa receita de impostos, era inadmissível para os portugueses da nova Constituinte.

Em termos políticos, a proposta era rendilhar o território brasileiro, criando várias províncias diretamente subordinadas à coroa portuguesa e retirar todo o poder central do Rio de Janeiro. E, é claro, exigir o retorno imediato de D. Pedro a Lisboa.

Aqui, o movimento era inverso. Acostumados ao novo status de sede de um império, os brasileiros não conseguiam aceitar um retrocesso. A revogação das práticas de livre comércio iria reduzir drasticamente o lucro dos fazendeiros; a fragmentação da unidade política do país iria diminuir imensamente a importância da corte carioca, onde todo o jogo do poder era feito. Inicialmente, a independência nem estava em pauta. O que se pretendia era preservar o instituto político do Reino Unido e promover a participação de deputados brasileiros na Assembleia Constituinte portuguesa. O Partido Brasileiro, então criado, chegou a diplomar 70 representantes, dos quais 49 chegaram a ir a Lisboa. Mas, o esforço foi inútil. Nenhuma das suas reivindicações foi aceita.

No centro destas duas irreconciliáveis correntes estava D. Pedro. Se, de um lado, ele reconhecia suas obrigações como herdeiro do trono português, do outro se sentia cada vez mais envolvido pela crescente insatisfação dos líderes brasileiros com a insensibilidade de Portugal às propostas de manutenção do status quo. Afinal, o Príncipe vivia no Rio e seus ouvidos estavam mais perto das vozes que o defendiam.

O tempo era outro fator. A ideia de fragmentação do território brasileiro encontrava eco em várias regiões, como na Bahia e, principalmente, em Pernambuco, que olhavam com inveja e desconfiança a preponderância política da corte fluminense. O exemplo da divisão da América Espanhola em várias nações era próximo e a ameaça à integridade do Brasil era real e iminente.

No meio desse torvelinho, duas figuras começaram a protagonizar seu decisivo papel como influenciadores de D. Pedro, além da lembrança das palavras de seu pai, que o aconselhara a se antecipar, e liderar, qualquer movimentação imparável em direção à emancipação brasileira. Uma era José Bonifácio de Andrada e Silva. Nesse início do século XIX, Bonifácio personificava como ninguém no país a imagem do sábio conselheiro, homem de ciência e que acumulara uma indisputada fama de experiente administrador durante os 30 anos que vivera na Europa.

A outra era D. Leopoldina. Princesa austríaca, cunhada de Napoleão Bonaparte e mulher de D. Pedro desde 1817, Leopoldina tivera uma esmeradíssima e eclética educação, coisa que os Habsburgo tinham como regra desde que seu avô, Leopoldo II, instituíra  a praxe de tornar os seus descendentes aptos a governar, inspirados pelo desejo de fazer o povo feliz. Além disso, Leopoldina, desde o momento em que pôs os pés no Brasil, decidiu adotar a nova pátria como sua e o povo como seu. Quando Portugal deu início às providências para sufocar os anseios brasileiros e determinar o retorno do casal a Lisboa, a lealdade da Princesa já havia escolhido seu caminho.

O grande ponto de inflexão ocorreu em janeiro de 1822. O nível de pressão chegara a um limite intolerável; as paredes de um torno pareciam fechar-se sobre D. Pedro. Quando, em nove daquele mês, por influência quase que direta de Leopoldina, ele decidiu ficar no Brasil, as pontes estavam queimadas. Não haveria mais retorno.

Daí para a frente, até agosto, a ideia da independência dominou todos os meios políticos brasileiros. Mas, ainda havia dissenções. E foi para apaziguá-las que, no dia 13, D. Pedro viajou em comitiva para São Paulo, não sem antes, numa evidente prova de confiança na sabedoria de sua mulher, nomear, por decreto, Leopoldina como Regente. Em 2 de setembro, a Princesa reuniu o Conselho de Estado. Na reunião, decidiu-se que era impossível aguardar pelo retorno do Príncipe para o grande e definitivo passo. Aprovou-se, assim, enviar duas missivas a D. Pedro. Uma, escrita por José Bonifácio; outra por D. Leopoldina. Ambas diziam que a hora havia chegado. Ao final da sua carta, a Princesa escreveu: O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça.

O correio com as duas cartas encontrou D. Pedro e sua comitiva, no dia 7, numa parada para descanso às margens do riacho Ipiranga, a poucas horas da capital da província.

Oswaldo Pereira
Agosto 2022


terça-feira, 23 de agosto de 2022

BOND 60 (30): A VIEW TO A KILL (PARTE II)

 


Com A View To A Kill, Michael G. Wilson, que havia trabalhado nos roteiros dos três filmes anteriores com o veterano Richard Maibaum, tornou-se coprodutor, juntamente com seu padrasto Albert “Cubby” Broccoli, da franquia. Wilson começara suas atividades na EON com apenas 20 anos, em 1962 e, lembrando um pouco a mania de Alfred Hitchcock, apareceu como figurante não creditado na maioria dos filmes da série. Além disso, foi o responsável por atenuar as ideias mais extravagantes de seu colega Maibaum. No script original de A View To A Kill, Maibaum imaginava que Zorin, no seu plano para destruir o Vale do Silício, iria manipular o cometa de Halley (!) e precipitá-lo sobre a California. Wilson conseguiu dissuadi-lo...

As filmagens começaram em agosto de 1984 com um orçamento de US$ 30 milhões (viria retornar aos cofres da EON cerca de cinco vezes esse valor) e a produção estreou em maio do ano seguinte no Palace of Fine Arts, em São Francisco.  Ascot, o Castelo de Chantilly, a Torre Eiffel e, predominantemente, São Francisco (talvez a cidade que mais foi utilizada como cenário da história do cinema), além dos estúdios Pinewwod na Inglaterra foram os palcos das cenas.

Tanya Roberts, que aparecera como Sheena, A Rainha das Selvas um ano antes, foi a escolha para fazer a Bond girl principal, a geóloga Stacey Sutton. Contudo, o papel feminino mais impactante seria vivido pela exótica Grace Jones, como May Day, a poderosa assistente de Zorin. David Bowie e Sting foram convidados para representar o vilão, mas declinaram. O papel acabou indo para o já consagrado ator Christopher Walken, famoso por seu icônico trabalho em The Deer Hunter. Mais um integrante do seriado The Avengers (Honor Blackman e Diana Rigg já haviam participado de outros Bonds), Patrick MacNee, foi escalado como o malogrado Geoffrey Tibbet. Uma curiosidade: um ainda desconhecido Dolph Lundgren que, então namorado de Grace Jones, andava pelo set, acabou sendo convidado pelo diretor John Glen para figurar numa cena como um anônimo militar soviético.



TANYA ROBERTS (STACEY SUTTON)
CHRISTOPHER WALKEN (ZORIN) & GRACE JONES (MAY DAY)


John Barry continuou na batuta da trilha sonora e, em parceria com a banda inglesa Duran Duran, compôs a música título, que chegou ao topo da Billboard Hot 100. Neste LINK.


A View To A Kill marcou a última aparição na série de Lois Maxwell como Moneypenny. E a última de Roger Moore. Com 57 anos (Sean Connery deixara a franquia com 41), estava por demais evidente o envelhecimento do personagem, causa inclusive das mais recorrentes críticas ao filme. O próprio ator, que comunicou sua desistência seis meses após o lançamento da película, acentuou posteriormente seu desconforto em atuar, classificando como seu pior momento como Bond e que ficara mortificado quando descobrira que ele era mais velho do que a mãe da atriz Tanya Roberts.

O terceiro Bond chegava ao fim de sua carreira. Estava aberta a temporada de procura de um novo ator.

(continua)

Oswaldo Pereira
Agosto 2022

domingo, 21 de agosto de 2022

BOND 60 (29): A VIEW TO A KILL (PARTE I)

 


Depois de seguir os enredos dos livros de Ian Fleming nas produções iniciais, a série agora se utilizava praticamente só do título e do nome de seu principal personagem. Não foi diferente com a décima-quarta produção da franquia. From A View To a Kill é um conto do autor inglês cuja trama, que trata da participação de James Bond no esclarecimento do assassinato de um mensageiro dos serviços secretos britânicos, nada tem a ver com o filme.

A pré-sequência mostra Bond na Sibéria, recuperando um microchip do cadáver do agente 003, morto pelos russos. Na sequência principal, Q verifica que o chip é  idêntico a outro fabricado pelas indústrias Zorin. Temendo que possa haver uma conexão entre o industrial e os soviéticos, Bond se desloca até o tradicional hipódromo de Ascot, onde Zorin e seu séquito acompanham a vitória de um cavalo seu na principal corrida da tarde. Após o páreo, Bond encontra-se com Sir Godfrey Tibbet, um treinador de cavalos e agente do MI6. Tibbet confirma as suspeitas de que o animal poderia estar dopado com esteroides.

MONEYPENNY, BOND, TIBBET e M


Sabendo que Zorin patrocinará um grande leilão equestre na França, Bond vai a Paris e contata Achille Aubergine, um detetive francês que também investiga as atividades da empresa. Enquanto jantam no restaurante da Torre Eiffel, Aubergine é morto por May Day, a exótica assistente e guarda pessoal de Zorin. Bond se lança na perseguição da assassina pelas estruturas da Torre e pelas ruas de Paris (é uma das cenas mais famosas do filme. Se quiser vê-la, é só clicar neste  LINK).

Bond e Tibbet se dirigem então ao palácio onde Zorin organiza o leilão e, disfarçados como um potencial comprador e seu criado, acabam por descobrir um laboratório secreto, onde excitadores de adrenalina estão sendo produzidos. Os dois, entretanto, são apanhados e desmascarados. Tibbet é morto por May Day e Bond sofre uma tentativa de afogamento, mas, é claro, escapa.

As cenas seguintes revelam que Zorin é, na realidade, um experimento realizado pelos soviéticos, com a participação de um geneticista alemão e ex-nazista, que modelou o seu crescimento desde menino com o uso de esteroides, objetivando criar um ser super dotado a serviço dos russos.  Acontece que Zorin parece ter ideias próprias... Uma dessas ideias é apresentada por ele, logo a seguir, a um grupo de investidores: inundar o Vale do Silício, na Califórnia e dominar o mercado mundial de microchips.

Como as empresas Zorin possuem plataformas de petróleo e atividades de mineração na Califórnia, 007 parte para São Francisco. Tentando infiltrar-se à noite na plataforma, Bond encontra uma velha conhecida sua, a agente russa Pola Ivanova. Os soviéticos também estão desconfiados de Zorin e a missão de Ivanova é também espioná-lo. Após um romântico banho numa tina ofurô com a espiã, Bond consegue apossar-se da fita onde Ivanova gravara conversas reveladoras de Zorin. Em seguida, o agente britânico se aproxima de Stacey Sutton, uma garota que Bond vira no leilão de cavalos recebendo um cheque de Zorin. Stacey é uma geóloga americana e jovem herdeira de uma companhia de petróleo. Com sua ajuda, Bond consegue infiltrar-se na mina de carvão de Zorin e lá os dois verificam que grande quantidade de explosivos está sendo acumulada para provocar uma ruptura na falha de Santo André e deflagar a catastrófica inundação do Vale do Silício.

Antes de detonar a grande explosão, Zorin provoca uma inundação secundária na mina no intuito de eliminar a maioria de seus cúmplices. Bond e Stacey são apanhados pelo fluxo de água, mas a garota consegue sair para a superfície.  Certos de que todos os que estavam na mina estão mortos e que a bomba relógio colocada no meio das cargas explosivas irá ser ativada na hora programada, Zorin, o geneticista alemão e seu capanga chefe Mortimer levantam voo num dirigível.

Ainda dentro da mina, Bond enfrenta May Day mas, quando esta percebe que Zorin a havia deixado para trás, une-se ao agente na tarefa de impedir a gigantesca explosão. Nesse meio tempo, Zorin consegue raptar Stacey, e prendê-la dentro do dirigível, mas Bond, saindo finalmente da mina, pendura-se numa corda do aparelho e é levado pelos ares. Zorin manobra para forçar a queda de Bond, mas, ao chegar à estrutura superior da Golden Gate Bridge, 007 laça a corda num dos pilares da ponte e ancora o dirigível. Zorin sai da cabine para enfrenta-lo. Na luta, o vilão cai para a morte. Enquanto isto, Stacey consegue escapar e chegar até onde está Bond. Mortimer ainda tenta atirar uma carga de dinamite nos dois. Cortando a corda que prendia o dirigível à ponte, Bond faz com que o brusco movimento faça com que o capanga se desequilibre e deixe cair o explosivo dentro da cabine.

O filme termina com o general soviético Gogol em visita ao MI6, oferecendo da Ordem de Lênin a Bond. Mas ele não está presente. Um robô fabricado por Q descobre-o na casa de Stacey, onde os dois tomam uma ducha juntos...

(continua)

Oswaldo Pereira
Agosto 2022

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

INDEPENDÊNCIA: A PARTIDA DO REI

 


Meus poucos, mas abnegados e pacientes, leitores brindaram-me com um surpreendente e expressivo interesse em minha recente postagem sobre o bicentenário da nossa independência. Correndo o risco de parecer repetitivo, animei-me a aproveitar mais o tema e tentar entender o que foram estes últimos 200 anos de um país que, segundo Tom Jobim, não é para principiantes.  

Primeiramente, faz-se importante perceber o que era o mundo ocidental (já que o Oriente muito pouco tem a ver com o que se passava do lado de cá) em 1822. A Europa estava saindo do furacão napoleônico; Waterloo pusera um ponto final numa era de profundas perturbações há apenas sete anos. Ainda havia muita ferida para lamber, muita reencenação no teatro do velho mundo, muita fronteira para ser redefinida, muitas casas reais fragilizadas procurando manter-se acima da linha do desgaste. Para usar uma surrada frase, o continente europeu nunca mais seria o mesmo.

Portugal, evidentemente, não poderia ter ficado imune.  A própria rivalidade entre franceses e ingleses havia jogado o império português em rota de colisão com Bonaparte. O destino apontava como inevitável a mesma sina de outras vítimas do expansionismo da França napoleônica: a entrega da coroa a algum irmão ou marechal de Napoleão. Mas, aí aconteceu o inédito. D. João VI foi para o Brasil.

Até então, nenhum rei colonizador havia posto seus pés em suas colônias. A chegada da corte portuguesa e sua permanência no Brasil, mesmo após a derrota final de Napoleão, foram fatores mais que decisivos para a história comum luso-brasileira. Com o fogo da emancipação se alastrando pela América Latina, em grande parte alimentado pela independência dos Estados Unidos menos de cinquenta anos antes, era inevitável que a mesma chama se acendesse por aqui.

Em 1820, Portugal estava em ebulição. A ausência prolongada de seu rei criara um redemoinho de interesses e uma quase revolução havia defenestrado o Marechal Beresford, o regente nomeado por D. João para chefiar seu governo. Paralelamente, o absolutismo agonizava em toda a Europa; para as casas coroadas, tinha início o processo de corrosão que, eventualmente, iria destruí-las no início do século XX. Enfim, D. João VI tinha de voltar.

Essa percepção acabou por criar aqui várias correntes antagônicas, que iam desde aqueles que defendiam a permanência da corte no Rio de Janeiro aos que queriam vê-la partir. Todas, entretanto, tinham origem na profunda insegurança com relação ao futuro do país. E todas comungavam do mesmo pensamento: não seria mais admissível o Brasil voltar à condição de colônia.

Tente imaginar o espírito do rei português ao se preparar para partir. Ia ao encontro de pressões terríveis, de uma corte hostil e ressentida do longo abandono, de ventos estranhos que sopravam no continente. E deixava para trás uma nação em gestação. Sagaz como era (já escrevi vários textos sobre a fascinante personalidade de D. João VI), ele já intuíra – o processo de independência era imparável. E essa sagacidade ficou evidente no que fez, antes de embarcar. Contrariando toda e qualquer regra da cartilha do absolutismo colonizador europeu, ele instruiu seu filho, o Príncipe Pedro, a, na hora certa, cooptar o movimento e liderar o processo, antes que algum aventureiro (em suas supostas palavras) o fizesse.

Assim, em abril de 1821, enquanto as âncoras do navio com seu nome eram recolhidas e a viagem de regresso de D. João VI tinha início, começava o capítulo final da participação do Brasil no Reino Unido de Portugal e Algarves. D. Pedro, por decreto do pai, ficava para trás como regente e com sua missão. Daí, até setembro do ano seguinte, a escalada da emancipação brasileira seguiria seu destino.

Oswaldo Pereira
Agosto 2022

 

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

UMA PENA...

 


Em 1922, o Rio de Janeiro preparou-se para a festa. Desde 1916, um detalhado planejamento foi sendo desenvolvido, não só na então capital da República, mas em quase todas as grandes e médias cidades do país. Como centro político e cultural, o Rio liderou a extensa programação festiva. Além das várias solenidades cívico-religiosas, desfiles militares e festejos populares, uma grande exposição internacional dominou a cena. Nada menos de que 25 prédios foram construídos na área da recente demolição do Morro do Castelo. Seu propósito era abrigar as mostras das 13 nações convidadas, um caleidoscópio de novidades nas áreas da indústria e do comércio, das artes e do progresso tecnológico. Vários pavilhões nacionais também procuravam mostrar ao mundo o que o país tinha de melhor.









PRÉDIOS CONSTRUÍDOS PARA A EXPOSIÇÃO RIO, 1922



Foi um estrondoso sucesso. Houve dias em que mais de 14 mil visitantes percorram o enorme local. Isto e toda uma sequência de eventos serviram para promover um ambiente de genuíno orgulho. Não era para menos. O Brasil comemorava o seu primeiro centenário.

Cem anos são passados. E, triste e desencantado, eu vejo que nada do fervor de 1922 revive hoje. O ano do bicentenário vai passando amortecido, sem fanfarras nem girândolas, sem grandes eventos e sem celebrações. Alguns dirão que o momento crucial em que estamos e a polarização política impedem que se pense muito em festa. Mentira. O ano de 1922 foi muito mais conturbado. Houve revoltas, como os 18 do Forte, embates entre as classes, panfletos incendiários entre Governo e militares, o nascimento do Tenentismo. Até a área cultural estava em chamas, com a realização da Semana de Arte Moderna em São Paulo.

Então, por que? O que nos embota, nos impõe este ar blasé, destacado do sentimento de justo ufanismo pela nossa pátria? Será que a imagem histórica está-se apagando neste país de memória curta? Por que uma data de tão enorme significado passa batido e ignorado pela imprensa? Onde estão os desfiles escolares, as recriações teatrais, sei lá, um filme sobre o tema, um convite nacional para comemorar em uníssono o momento?

Muitos dos prédios construídos para a Exposição Internacional do Centenário da Independência estão até hoje de pé, no Rio de Janeiro, como o Museu da Imagem e do Som e o Museu Histórico Nacional. São marcos deixados de uma época em que algumas coisas ainda valiam, ainda faziam sentido, como o culto a um intangível patrimônio – a identidade nacional.

O que ficará deste bicentenário?

Oswaldo Pereira
Agosto 2022

 

terça-feira, 9 de agosto de 2022

BOND 60 (28): OCTOPUSSY (PARTE II)

 


Bond também descobre que Octopussy é dona de uma rede de espetáculos circenses, através da qual Khan opera seu contrabando de joias, juntamente com Orlov. Ciente de que uma apresentação desse circo está programada para acontecer numa base americana situada na Alemanha Oriental, Bond para lá parte. Após várias peripécias, o agente inglês verifica que Orlov plantou um artefato nuclear numa instalação do circo, para ser detonado durante o espetáculo. O fato iria fazer os governos da Europa Ocidental pensarem tratar-se de um acidente nuclear e convencê-los a promover um desarmamento das forças da OTAN, o que facilitaria ainda mais os planos bélicos do general russo.

Como não podia deixar de ser, 007 encontra a bomba e a desativa, a 1 segundo da explosão (!); Orlov tenta fugir, mas é morto pelos guardas. Em seguida, Bond e Octopussy retornam à India atrás de Kamal Khan e com a ajuda das mulheres que formam a guarda pessoal dela, atacam a mansão do príncipe afegão. Ele e seu capanga Gobinda, entretanto, conseguem dominar Octopussy e fugir em seu avião particular. Bond persegue o aparelho a cavalo e acaba se agarrando à asa, enquanto o avião decola. Segue-se uma incrível cena de ação, com 007 do lado de fora da aeronave (!!), segurando-se como pode e lutando contra Gobinda (se quiser ver esta arriscada filmagem, clique neste  LINK  ). 

Após vencer o adversário e desabilitar um dos motores, Bond entra na cabine e encontra-se com Octopussy. Enquanto o avião perde altitude, os dois saltam do aparelho no momento em que este faz um rasante no topo de uma colina (!!!), segundos antes de se despenhar e explodir. Refeitos, eles terminam o filme curtindo as delícias do palácio de Octopussy.

Octopussy teve sua première em junho de 1983, com a presença dos príncipes Charles e Diana, e foi lançado pela MGM, que havia absorvido a United Artists, distribuidora dos filmes da EON. Embora faturando menos do que a produção anterior, For Your Eyes Only, conseguiu ainda arrecadar US$ 180 milhões (contra um custo de US$ 27 milhões), muito mais do que Never Say Never Again, o Bond fora da franquia (e que não vai fazer parte desta resenha), estreado meses antes.

As filmagens não haviam tido início quando Roger Moore, mais uma vez, comunicou a “Cubby” Broccoli que iria desistir do papel. A procura do substituto envolveu novamente Timothy Dalton, que, novamente, recusou. A escolha recaiu em James Brolin. Entretanto, o lançamento de Never Say Never Again, com Sean Connery como Bond, abalou Broccoli e o diretor John Glen, que decidiram não arriscar o emprego de um novo ator. O jeito foi convencer Moore.

Faye Dunaway pediu alto para representar Octopussy. Barbara Carrera preferiu atuar ao lado de Connery em Never Say Never Again. A produção acabou por convidar a sueca Maud Adams, que trabalhara em The Man With The Golden Gun, uma repetição reprovada por muitos aficionados da série. A EON já havia lançado mão desse expediente em outras ocasiões (como utilizando o ator Charles Gray em papéis diferentes em Diamonds Are Forever e You Only Live Twice) mas, escalar a mesma atriz para duas aparições como uma Bond Girl proeminente foi um pouco demais.

Outra sueca, Kristina Wayborn, fez Magda, a assistente de Kamal Khan. Louis Jourdan, o veterano ator francês, foi uma acertada escolha para fazer o criminoso príncipe, personificando um impecável e convincente vilão. Já Steven Berkoff, como General Orlov, faz uma atuação decididamente over e até caricata. O britânico Robert Brown, que havia aparecido como um almirante em The Spy Who Loved Me (outra repetição), assumiu como M, no lugar do falecido Bernard Lee. Lois Maxwell (“Moneypenny”) e Desmond Llewellyn (“Q”), apesar da passagem do tempo, continuaram em seus lugares. Uma curiosidade: como uma das cenas se passa no politburo soviético, o ator Paul Hardwick foi selecionado, dada a sua semelhança física com Leonid Brezhnev. Só que Brezhnev foi defenestrado pouco antes da estreia do filme, e a cena ficou de certo modo anacrônica.

LOUIS JOURDAN COMO KAMAL KHAN


John Barry retornou para compor a trilha sonora e, com o letrista Tim Rice, a música-título (bela, por sinal) All Time High, cantada por Rita Coolidge.

Apesar de contar com alguns elogios da crítica na época de seu lançamento, Octopussy representou um retrocesso. Enquanto For Your Eyes Only dera a impressão de uma retomada do estilo mais seco e down to business dos primeiros capítulos da franquia, o filme peca por situações incongruentes e inverossímeis, além do uso de um humor descambando para (como dizia o Barão de Itararé) o perigoso terreno da galhofa. James Bond pendurado num cipó a la Tarzan  (na cena em que ele escapa do palácio de Kamal Khan)??!!  Façam-me o favor...

(continua)

Oswaldo Pereira
Agosto 2022

sábado, 6 de agosto de 2022

BOND 60 (27): OCTOPUSSY (PARTE I)

 


Octopussy é um conto de Ian Fleming com poucas páginas, publicado (postumamente) juntamente com outro conto seu, The Living Daylights, e nada tem a ver com o enredo do filme, criado pelo escritor inglês George MacDonald Fraser e pelos roteiristas Richard Maibaum e Michael G. Wilson. Na verdade, os três basearam uma parte da história em uma outra short story de Fleming, Property of a Lady.

Mais uma vez, a pré-sequência não mantem qualquer relação com o resto. Bond está em Cuba onde, disfarçado de militar cubano, penetra numa base de mísseis e tenta colocar uma carga de explosivo dentro de um hangar. Entretanto, ele é apanhado e desmascarado. Enquanto é levado prisioneiro, sua assistente, uma voluptuosa morena, distrai a atenção dos guardas e Bond escapa. Em seu trailer disfarçado de transportador de cavalos, 007 embarca num mini avião de asas retráteis e levanta voo. Um míssil é lançado em sua direção, mas, manobrando o aparelho com incrível destreza, ele o dirige para dentro do hangar, enquanto os militares tentam impedir, fechando os portões. Na cola do avião, o míssil também entra. Bond consegue sair. O míssil, não.

A "DISTRAÇÃO" DOS GUARDAS


Depois dos títulos iniciais, mais um trabalho com a marca registrada de Maurice Binder (com a costumeira profusão de silhuetas de corpos femininos), a ação principal tem início em Berlim Oriental, com um homem vestido de palhaço fugindo de dois perseguidores armados com facas. Apesar de ferido mortalmente, ele consegue chegar até à casa do embaixador inglês e entregar um ovo Fabergé. O homem é o agente 009 e o Fabergé é falso.

Como o ovo verdadeiro está sendo leiloado em Londres, o fato levanta suspeitas no MI6. Bond é então designado para descobrir quem é o vendedor. Paralelamente, o filme revela que, por trás de tudo, está um general soviético sedento de guerra chamado Orlov, que desejar invadir a Europa Ocidental, partindo do princípio de que a OTAN estava enfraquecida (o que dizer dos dias de hoje...)

Para financiar seus planos, Orlov rouba as joias do Tesouro Nacional russo e as coloca à venda, pondo em seu lugar peças falsas. No entanto, como a cópia do ovo Fabergé havia sido interceptada por 009 antes de morrer, Orlov tem de recuperar o verdadeiro no leilão. Para arrematar a peça a qualquer preço, ele envia Kamal Khan, um príncipe afegão de reputação duvidosa. Bond está presente no leilão e, além de forçar Khan a pagar um altíssimo valor pela joia, consegue, ao pedir para examinar o ovo, trocar o verdadeiro pelo falso.

Instruído pelo MI6 e com um microfone colocado dentro do Fabergé por Q, Bond parte para a Índia ao encontro de Khan. Confrontando o príncipe num jogo de gamão (uma cena que você poderá ver neste   LINK   ), 007 mostra que está com a joia autêntica. Em seguida, ele se aproxima de Magda, a assistente de Khan e os dois dormem juntos. Durante a noite, como Bond havia previsto, ela rouba o ovo. No mesmo momento, o agente é nocauteado por Gobinda, o capanga de Khan, e levado para a mansão do príncipe.

Lá, Bond consegue evadir-se do quarto onde se estava prisioneiro e presencia um encontro entre Khan e Orlov e, através do microfone instalado por Q no Fabergé, descobre que o general russo está preparando um ato terrorista, a ser perpetrado na Alemanha Oriental. Fugindo da mansão, Bond penetra nos domínios (uma ilha povoada só por mulheres) de uma mulher rica e poderosa associada a Khan em vários negócios, chamada Octopussy. Ao se encontrarem, Bond descobre que há uma ligação entre os dois: ela é filha de um major britânico que, anos antes, 007 havia preso por traição e a quem dera a chance de se suicidar antes de ser levado a julgamento e à desonra. Octopussy lhe é grata por isso e os dois tornam-se aliados.

OCTOPUSSY


(continua)

Oswaldo Pereira
Agosto 2022

terça-feira, 2 de agosto de 2022

SONHO

 


Tintas e cores
Flores
Deusas e faunos
Um rio que corre
Manso e sem pressa
É essa,
Sim, a curva é essa
É aqui

Deixem-me estar
Depois de tanto cansaço
Nesse regaço
Aqui cheguei
E sei...

Que o amanhã é agora
O ontem também
Imagine um tempo que não caminha
E você terá
Você será
Habitante desse pedaço
Um dia de mil anos
Sem começo e sem fim
Sem planos

Poentes e auroras num instante,
Horas de um segundo
Relógios sem sentido nem ponteiros
Fúteis calendários
Dromedários de um passado que não existe

Não fique triste, minha amiga
Estamos inteiros
Só eu e você e quem me siga
Nas terras deste novo mundo

Vamos deixar para trás todo o provável
E imutável. Aqui
Não há distâncias
Tudo é perto
Tudo é certo

Não espere mais
Prá que esperar?
É tão fácil aqui chegar
Vem
Eu lhe proponho

Basta um sonho...

Oswaldo Pereira
Agosto 2022