domingo, 23 de dezembro de 2018

NATAL 2018






FELIZ NATAL PARA TODOS!

AOS MEUS ABNEGADOS LEITORES, DESEJO UM NATAL CHEIO DE PAZ & AMOR

E, PARA NÃO PERDER A TRADIÇÃO, AÍ VAI MAIS UM

 CONTO DE NATAL 




“24 de dezembro. Oito da noite. Uma vila no norte da Estragônia Setentrional.

«Não acredito, não acredito, NÃO ACREDITO!!»
O pai e a mãe entreolham-se. E depois, olham para o filho, sete anos, na mais completa contestação. O pai tenta argumentar.
«Mas, filho, é claro que ele existe. Quem é que você acha que coloca os seus presentes ao pé da árvore, na noite de Natal, enquanto você dorme? E quem...»
O filho não o deixa terminar.
«Ora, papai, não me faça de bobo. Na escola, os meus colegas já me contaram tudo. Fizeram até troça de mim. Quem coloca os presentes são os pais!»
A mãe ainda tenta.
«Mas...»
«Que mais que nada. Vocês me enganaram!»
E vai correndo para o seu quarto, batendo a porta atrás de si.

O silêncio da consternação abate-se sobre a pequena sala. Até as luzes do pinheiro comprado há dias parecem abrandar sua intensidade colorida. A mãe pergunta.
«E agora? Sem ele crer nesta nossa encenação, a Noite perde o sentido...» Seus olhos estão úmidos. O pai procura racionalizar.
«Bem... Mais cedo ou mais tarde, ele iria mesmo descobrir que Papai Noel não existe. Acontece com todo o mundo, faz parte das dores do crescimento.» A mulher retruca.
«Pare já com este seu cinismo costumeiro! Se ia acontecer mais cedo ou mais tarde, por que não mais tarde? Por que perdermos mais esta magia? Nosso filho sonhando com o bom velhinho trazendo os seus presentes, a inocência de seu olhar, a alegria em seu coração menino...»
«Ora, vamos mas é parar com este drama. As coisas são assim mesmo. As pessoas crescem. Amadurecem. Perdem algumas fantasias, perdem...» A mulher está irada.
«Cale-se! Vá já mas é resolver este problema. Sem aparecer um Papai Noel aqui em casa, não vai haver ceia, ouviu bem?»
«Resolver?! Mas, como? São oito da noite. Está tudo fechado nesta vila. Está escuro e frio lá fora...» A mulher vira-lhe as costas.
«Não me interessa! Vire-se!»

Cinco minutos depois, ele já está do lado de fora da porta, o pesado capote com a gola levantada, o vento gelado quase arrancando seu gorro, as mãos enluvadas nos bolsos. Ninguém nas ruas. Para complicar, há uma névoa espessa. Ele quase não enxerga um palmo à frente do nariz. Mas, ele sabe que tem de tentar achar uma solução. Seu amor de pai cutuca-lhe o coração. E ele começa a caminhar sobre a neve.

Passado um quarto de hora, ele se sente perdido. O fog ficou mais grosso. Sabe que andou em direção à praça principal da vila, mas agora não tem mais certeza. Aos poucos, começa a enxergar um clarão alaranjado, muitos metros à frente. Vai chegando. E, então, ele vê.

Segurando um candeeiro, um homem alto e gordo está encostado num muro, como que à espera de alguma coisa. Com cautela, ele saúda.
«Olá... Como vai?»
O homem solta uma larga risada. Prestando mais atenção, ele nota que o desconhecido está vestido com calças largas e bufantes, um casaco curto com golas de pele e um barrete na cabeça. Vermelhos. As botas negras apoiam-se firmes na neve.
Ele arregala os olhos, enquanto o outro lhe pergunta, entre mais risadas.
«Surpreso?»
Ele sente-se um pouco inseguro.
«É... Desculpe, mas quem é você? E o que faz aqui?... Posso tentar chamar alguém e...»
O homem afasta-se do muro. Parece amistoso.
«É claro que você sabe quem eu sou. E o que estou fazendo aqui, agora.»
Ele procura resistir à sensação estranha que o invade lentamente.
«Não... Não sei...»
«Ora, vamos. Com esta indumentária, esta risada que mais parece um urso com soluços. E nesta noite? O que você acha?»
Ele se refaz um pouco.
«OK, qual é a pegadinha?»
O outro fita-o nos olhos.
«Pegadinha?! Não há nenhuma pegadinha, amigo. Sou eu mesmo. O próprio. Papai Noel, em pessoa.»
Ele começa a rir.
«Ora, cara. pensando que eu sou trouxa? Papai Noel não existe.»
Nova risada cavernosa.
«Não existo? Espere um momento...»
O homem endireita o torso e solta um curto assobio. Da escuridão, saem três renas. Estão com os chifres enfeitados e têm o olhar doce. Ele levanta o braço, num gesto de apresentação
«Prancer, Dancer e Vixen.»
«Bem... E daí? Às vezes, aparecem umas renas lá nas montanhas... Estas podem ter vindo da...»
O outro torna a assobiar. Mais uma rena aparece. Só que esta tem o nariz de um encarnado brilhante.
«E este é Rudolph... Venha»
Levantando o candeeiro, o homem dirige-se para o final da pequena rua. Uma sombra larga vai sendo clareada e revelando suas formas. É um imenso trenó, de desenho elaborado e festivo, com um enorme compartimento na parte de trás. Está atulhado de sacos vermelhos de vários tamanhos. Ao chegar perto, o homem aciona um botão e o trenó ilumina-se. São milhares de luzinhas de todas as cores, piscando incessantemente.
«E então?...»
Ele está desnorteado. Embora parte de seu cérebro lute contra, a magia do momento quer sucumbir seu ceticismo. Por que alguém estaria aqui, nesta noite agreste, fingindo ser Papai Noel? Quais as chances de isto acontecer numa vila perdida na Estragônia Setentrional?
O homem fala com voz alegre.
«Você me perguntou o que eu estava fazendo aqui. Pois estava esperando seu filho adormecer para lhe levar os presentes. Está na hora. Vamos.»

Cinco minutos depois, o trenó está parando na frente da porta. A vinda foi tranquila, parecia que as renas sabiam de cor o caminho, mesmo através da neblina. Com cuidado, eles entram na casa.

Os olhos da mulher brilham, banhados em lágrimas de cristalina emoção. «Como você conseguiu?...» Ele leva os dedos aos lábios. «Shhh... Depois eu explico.» Com a mão, indica o quarto do menino. «Por aqui, Papai Noel...»
Os três entram. Enquanto os embrulhos são colocados ao pé da cama, o menino acorda. Olha com intensidade para a figura que despeja seu saco encarnado. Depois, com um pouco de contrariedade, resmunga.
«Ora, papai, não adianta tentar me enganar. É você vestido de novo de...»
O pai sai da sombra.
«Eu estou aqui, filho.»
O rosto do menino transforma-se num súbito encantamento.
«Papai Noel... Você existe...»

Enquanto o menino fica no quarto desempenhando-se da alegre rotina de abrir os presentes, os outros três dirigem-se para a porta de saída. O pai, ainda profundamente emocionado, fala.
«Obrigado, Papai Noel. Não sei como lhe agradecer.»
O outro solta um sorriso curto.
«Agradecer?!» Leva a mão ao bolso superior do casaco e tira um cartão. Nele, está escrito:

JOÃO DA SILVA
Personal Papai Noel

«São 250 dólares.»
O pai entra em choque.
«Mas, como assim?... Você então não é o...»
O outro olha, intrigado.
«Espera aí... Não acredito... Você pensou MESMO que eu era o Papai Noel de verdade?»

Oswaldo Pereira
Dezembro 2018

domingo, 16 de dezembro de 2018

INVERSÃO DE VALORES



Deu no GLOBO:

As lixeiras laranjinhas da COMLURB têm sumido das ruas da cidade. Repórteres do GLOBO percorreram 1,5 quilômetro da orla de Ipanema e encontraram apenas uma.
A COMLURB alega que parte foi furtada ou vandalizada. Diz também que algumas foram recolhidas para manutenção e serão repostas para o revéllion, as férias escolares e o carnaval.
Melhor pedir aos cidadãos que só descartem lixo em épocas de festas ou férias escolares.

Esta última frase é um exemplo típico da posição da mídia brasileira com relação a culpabilidades e responsabilidades. Quer dizer, uma parte da população quebra, estraga, rouba e destrói um bem público e o pequeno editorial empurra toda a culpa em cima da COMLURB. Isto, para mim, é uma tremenda inversão de valores.

E isso vem de longe. O posicionamento jornalístico (e estamos falando aqui de todas as formas de jornalismo, noticioso e editorial, falado, escrito e televisivo) brasileiro segue a linha da santificação do malfeitor, da glorificação do bandido, da glamurasização do ladrão romântico. Um episódio icônico foi o tratamento dado a um dos assaltantes do trem pagador britânico, o inglês Ronald Biggs, que aqui viveu foragido durante quase três décadas, bajulado pelos informativos nacionais com status de grande celebridade. Só voltou ao seu país no fim da vida, doente. E lá esperava-o a pena e a prisão pelo crime contra a sociedade que havia cometido.

Continuando, não quero aqui dizer que a nossa Polícia Militar seja isenta de problemas. Dentro da corporação, há, sabidamente, elementos tão mal-intencionados como os criminosos que ela tem como dever perseguir e prender. (Como parênteses, quero revelar que, nas duas únicas vezes nas quais tive contato pessoal em situação de emergência com policiais militares, uma delas num momento de muita tensão durante um assalto ao prédio onde moro, o seu comportamento foi de extrema competência e profissionalismo.) Sua atuação, entretanto, nos sangrentos confrontos, que se tornaram o dia-a-dia de muitas comunidades nos grandes centros, revela, às vezes, o despreparo de seus soldados e oficiais e a truculência de seus métodos.

E, quase sempre, é só este lado negativo que a nossa imprensa se compraz em divulgar, como se os pecados cometidos pela PM servissem de absolvição para as ações dos bandidos.

Se queremos viver em segurança, é preciso entender que o crime é uma ruptura da ordem. Nos países em que vivi fora do Brasil, a sociedade percebe e aceita a noção de que, ao se propor iniciar um comportamento que ponha em perigo ou traga intranquilidade aos cidadãos, o indivíduo é responsável pela reação das forças de preservação da Lei, que, afinal, são pagas por aqueles próprios cidadãos.

Assim, culpar somente a coitada da COMLURB pela escassez de latas de lixo é isentar de responsabilidades aqueles que as depredam e roubam. É contra eles que o pequeno editorial do GLOBO devia ter-se voltado.

Oswaldo Pereira
Dezembro 2018

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

BIOGRAFIAS





Semana passada, morreu um dos mais conhecidos diretores de cinema europeus, o italiano Bernardo Bertolucci. Da mesma privilegiada safra que revolucionou a arte de fazer filmes, Bertolucci pode ser equiparado sem reservas a Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Franco Zefirelli e Sergio Leone. Entre as décadas de 1950 e 1980, só para ficar na Itália, eles fizeram o diabo, reescrevendo o manual de como contar estórias através da telona, mudando o ritmo, espantando conceitos, revirando de pernas para o ar as regras da métrica adotada, desde os anos 30, por Hollywood.

Foram várias as homenagens, como não podia deixar de ser, a um mago da sua estirpe. Cenas de suas premiações anteriores, extratos de suas filmagens, mensagens de atores, críticos e colegas diretores inundaram os noticiários, mundo afora.

Em todas as suas alusões biográficas a Bertolucci, entretanto, a mídia internacional considerou como momento indispensável, como instante fulcral de uma carreira que teve exemplos de extrema maestria em 1900, O Céu Que Nos Protege, Beleza Roubada, La Luna e o premiadíssimo O Último Imperador, a tristemente famosa “cena da manteiga” de O Último Tango em Paris, em que Marlon Brando e Maria Schneider encenam um episódio de sexo anal. Presente em quase todas as citações à obra do grande cineasta, deixa a sensação de que, às vezes, a imagem para a posteridade de uma pessoa pública é construída a partir de um momento menor, um descuido inconsequente que se sobrepõe ao verdadeiro valor de uma obra extensa e meritória.

Se assim podem ser as biografias, eternizando talvez apenas dez por cento de uma vida de grandes conquistas, deixando para a poeira do esquecimento os outros noventa, fico pensando nos cuidados que alguém, colocado num pedestal que lhe assegura um lugar nos livros da História, deve ter para que o futuro o registre favoravelmente. E, aí, pensei em Michel Temer.

Como Presidente do Brasil, Temer certamente será uma rubrica nos alfarrábios pátrios. Daqui a centenas de anos, seu nome estará na lista de governantes brasileiros, como hoje encontramos os nomes de Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Prudente de Morais, Hermes da Fonseca, homens que fincaram sua marca no solo político nacional. Todos têm seus verbetes nos compêndios bibliográficos. Qual será o verbete de Michel Temer? Será que ele se preocupa com isto?

Bem, pelos seus últimos atos, no ocaso de um governo inodoro, insípido e inoperante, parece que não. Ao aprovar um aumento inoportuno para os juízes do Supremo Tribunal Federal, cujo efeito em cascata onerará o orçamento da União em R$6 bilhões nos próximos anos, ceifando ainda mais o combalido estado de nossas infraestruturas na Saúde, na Educação e na Segurança, ele põe um ponto final vergonhoso em sua medíocre crônica pessoal.

E ao adicionar o post scriptum de um indulto de Natal que, praticamente, livra das garras da justiça algumas levas de corruptos, ele demonstra seu desapego quanto à imagem que deixará para o porvir. Em vez de rematar sua vida pública com honra, ele prefere o toma lá dá cá que o poderá proteger de ações penais que lhe deverão ser imputadas.

Um nojo.

Oswaldo Pereira
Dezembro 2018

terça-feira, 27 de novembro de 2018

LER SARAMAGO





Memorial do Convento estava na minha lista de resoluções há muito. Um livro indispensável no currículo de leituras, quase uma obrigação para quem quer intitular-se uma pessoa lida. Resolvi, então, preencher essa imperdoável lacuna.

Mas, para ler Saramago é preciso uma preparação séria, um tomar de fôlego antes de mergulhar nas suas páginas e nadar debaixo da superfície de seus intermináveis parágrafos, de seus diálogos emendados, banhar-se na cachoeira de palavras buscadas nos confins de um complicado dicionário. É preciso fé e vontade. E é preciso, sobretudo, perseverança.

Como já lera O Evangelho Segundo Jesus Cristo e A Jangada de Pedra, julgava-me apto a enfrentar o desafio, até porque ambos me haviam revelado o intrigante estilo do velho mestre, o inesperado intercalar de páginas áridas com oásis literários de extrema beleza, a deliciosa surpresa de encontrar de repente, no virar de uma folha, aninhada no seio de longas frases descoloridas, uma cintilante imagem, burilada com o toque inconfundível do gênio.

Além disso, estivera dias antes no Palácio de Mafra, a icônica obra setecentista de D. João V, cuja construção, que levou vinte anos, é o tema central do Memorial. Estava, assim, motivado para embarcar em mais um Saramago. Um livro de 400 páginas sobre a construção de um convento no início do século XVIII? Bem, seria o que Deus quisesse...

É um acostumar que leva umas vinte páginas. Como um afinar de instrumentos antes de uma grande sinfonia. As primeiras trocas de tintas numa paleta de Van Gogh. As marteladas iniciais de Michelangelo no mármore frio. E, não mais que de repente, a magia começa a trabalhar. Baltazar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas deixam de ser argila e ganham a vida que nos fará enveredar pelas montanhas do oeste português, palmilhar as ruas de uma Lisboa cortesã e miserável, subir aos céus na Passarola do padre Bartolomeu de Gusmão (sim, aquele nosso padre voador) e sentir a monumental obra arquitetônica crescendo mercê do trabalho e do sacrifício de um caudal de gente arrebanhada aos milhares pela necessidade ou pelo sonho. Todo o seu drama está lá, cru e poético, lírico e brutal.

É Saramago em todo o seu esplendor de ser Saramago. Sua cadência, sua linguagem, seu gênio. Para descrevê-lo só me ocorre um adjetivo. Incomparável.

Oswaldo Pereira
Novembro 2018

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

POR QUE BOLSONARO?




Há dias, um francês amigo meu, que mora em Estrasburgo, mandou-me um e-mail pedindo que eu respondesse a duas perguntas: Por que Bolsonaro? e O que será do Brasil agora?

Disse-lhe no e-mail de retorno que, para atender a este pedido, não haveria espaço num simples correio eletrônico e que o melhor seria conversarmos sobre o assunto pessoalmente, se possível com uma taça de um bom vinho da Alsácia na mão. Lembrei-me, mas não lhe repassei, de uma frase do Tom Jobim. O Brasil não é para principiantes.

Lembrei-me também que mantenho este modesto blog e que, venturosamente, possuo raros mas abnegados leitores em vários países e que para eles teria a oportunidade, senão a obrigação, de oferecer-lhes a minha visão sobre o conturbado presente do meu país.

Antes disso, gostaria de mostrar minhas qualificações para tal tarefa. Tenho, com alguns interregnos em que morei no exterior, 78 anos de Brasil. Nasci na ditadura de Getúlio Vargas, assisti à sua deposição no vento democrático que soprou no mundo inteiro ao término da Segunda Guerra Mundial, à sua reeleição quatro anos depois, ao afundamento de seu Governo no “mar de lama” denunciado por Carlos Lacerda, ao seu trágico suicídio, ao surgimento da estrela de Kubitschek, aos “50 anos em 5”, à construção de Brasília, custeada com o esvaziamento dos cofres das Caixas de Previdência e com  o início da grande espiral inflacionária. Vi a chegada do paladino Jânio Quadros e de sua vassoura, com a qual prometia varrer a corrupção. Vi também sua inesperada renúncia, creditada por ele próprio à ação de “forças ocultas”. Vi a posse de seu vice, João Goulart, garantida pelo Exército, o mesmo que, em resposta ao clamor de milhões de brasileiros, o destituiria três anos depois, no momento em que seu Governo apoiava os movimentos esquerdistas que haviam se infiltrado nos campos e nas fábricas e até nas fileiras castrenses. Vivi sob o Regime Militar, o sonho do Brasil Grande, o crescimento galopante do PIB, a Economia em pleno emprego, enquanto ouvia à boca pequena histórias de perseguição, repressão e tortura. Presenciei a saída voluntária dos generais, abrindo o país para sua redemocratização, a esperança, logo decepada pela doença, de Tancredo Neves, as trapalhadas de Sarney, o aparecimento meteórico de outro Dom Sebastião, o “caçador de marajás” Fernando Collor. Sofri mais uma decepção quando a República de Alagoas se revelou um clube fechado de roubalheiras bilionárias, com o impeachment inevitável. Um Dom Sebastião improvável acabou sendo Fernando Henrique Cardoso, com seu socialismo moreno e seu Plano Real. Até chegarmos a Lula. Como vocês podem avaliar, posso ser tudo, menos um principiante em matéria de Brasil.

O primeiro mandato de Luis Inácio Lula da Silva foi empolgante. Definindo como sua única prioridade tirar 40 milhões de brasileiros do abismo da fome, seu Governo iniciou a criação de vários programas de auxílio aos pobres extremos como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, entre vários outros projetos assistenciais a fundo perdido. Eu, que não havia votado em Lula e que pertencia ao grupo social que iria pagar a conta, isto é, a Classe Média, não pude deixar de aplaudir. Um sacrifício fiscal a mais para salvar compatriotas da miséria? Por que não?

Quatro anos depois, a coisa começava a desandar. O propósito inicial de inclusão de milhões nas classes C e D e, a partir daí, criar as condições básicas de educação, saúde e emprego para que esses milhões pudessem elevar-se acima do assistencialismo, não acontecera. Pior. Para garantir a reeleição, o Governo e seu partido majoritário, o PT, passaram a usar a esmola distribuída pelos diversos programas como chantagem eleitoral. Disseminando a ideia de que a escolha de outro candidato significaria o fim da assistência e a volta da penúria, transformaram em reféns dezenas de milhões de eleitores.

Por esta altura, e com a criação do Foro de São Paulo, a esquerda latino-americana rejubilava-se com sua liderança política em países como Venezuela, Equador, Bolívia e Brasil. E projetava perpetuar-se no poder. Se acharem que estou exagerando, basta ir ao YouTube e testemunhar os entusiasmados e beligerantes discursos de José Dirceu, Evo Morales, Hugo Chavez. E de Lula.

Impedido constitucionalmente de concorrer a mais uma reeleição, Lula tirou do bolso uma figura que cumpriria o mandato tampão e garantiria sua volta ao Poder quatro anos depois. Dilma Rousseff. E esta figura, dada sua inépcia, incompetência, estúpida arrogância e despreparo acabou por se transformar na mais desastrosa governante da história brasileira. Pelo menos, destes últimos 78 anos em que vivi e vi. E quando Lula se preparava para voltar, a criatura virou-se contra o criador e, dando mais uma prova de sua infinita falta de noção, resolver candidatar-se à reeleição.

Por essa altura, sinais de que o grande projeto de inclusão social dos mais pobres não passara de um embuste, e de que a classe média chegava ao limite de aguentar o peso esmagador de impostos sem contrapartida começavam a aparecer. O quadro agora era de exclusão, com os degraus mais baixos das faixas C e D afundando-se abaixo da linha da pobreza.  

Para manter sua hegemonia e assegurar que suas propostas políticas fossem aprovadas num Congresso já então à venda, o PT abriu sua temporada de compra de apoio e de sustentação do seu projeto de poder a qualquer preço. E o preço foi alto. As folhas de pagamento do Petrolão e do Mensalão começaram a atingir valores estratosféricos. Desvio de verbas, sucateamento de infraestruturas, saque aos cofres de empresas estatais, como a Petrobrás, foram as fontes usadas para financiar o regabofe.

As consequências, como não podia deixar de ser, foram cruéis. Com o dinheiro dos impostos indo para o propinoduto da corrupção desenfreada, o panorama social passou a revelar uma educação em frangalhos, uma saúde pública destruída, estradas deterioradas e a segurança das grandes cidades reduzida a praticamente zero. Quando a Operação Lava-Jato começou a revelar a extensão quase incompreensível do conluio criminoso do Governo com grandes empreiteiros e políticos a soldo, as reações de repúdio dominaram o país.

E aí deu-se a polarização. Com o PT empenhado cada vez mais em reter o comando político e mobilizando suas lideranças para uma guerra de ameaças e radicalizações, em direção diametralmente oposta grandes fatias da população brasileira foram adotando o mesmo estilo de discurso inflamado contra o Governo. E procurando um líder que incorporasse o profundo sentimento de revolta contra tudo o que o PT significava.

Jair Bolsonaro era um político de pouco poder de fogo partidário. Seu partido era um dos muitos nanicos, com representação marginal no Congresso e sem apoio popular. Mas Bolsonaro tinha um discurso forte, deselegante e truculento às vezes, extremado na maioria delas e isto o tinha permitido reeleger-se deputado federal durante 30 anos por uma minoria identificada com sua filosofia. Graças a isto, ele sempre ficou à margem das grandes negociatas e dos obscenos favores transacionados numa Câmara e num Senado de vendilhões e desonestos de toda sorte. Assim “purificado”, e à medida que o repúdio e a aversão contra o PT iam tendendo para o limite, seu discurso passou a coincidir com a esperança dos que se desesperavam com um Brasil ao saque e em descaminho.

E aqui é preciso entender que Bolsonaro não é um projeto da Direita brasileira. Estas cores partidárias e filosóficas há muito deixaram de existir no cenário político. O que prevalece hoje é o confronto entre a desonestidade e o patriotismo, entre aqueles para quem o Brasil é meramente um pântano de propinas e os que têm esperança num país com futuro. As referências de Bolsonaro a Deus e à Pátria (Brasil acima de tudo, Deus acima de todos), ridicularizadas pela mídia internacional como piegas e retrógradas, acabaram por ecoar fundo num povo massacrado por anos de assédio criminoso às reservas da Nação.

Bem, tudo isso deve chegar para explicar o Por que Bolsonaro?

Agora, que futuro nos espera, isto eu só posso especular. Bolsonaro vai-se deparar com um país dividido social e politicamente, um Congresso à mercê de grandes interesses, um Brasil que necessita urgentemente de reformas para sair do atoleiro institucional em que se encontra, com suas infraestruturas básicas na Saúde, na Educação e na Segurança esfaceladas. Lidar com tudo isto e com a ferrenha oposição que o PT e uma mídia hostil vão desencadear e proporcionar a recuperação de valores de que tanto precisamos  representam uma gigantesca missão. Se cumpri-la, Jair Bolsonaro poderá tornar-se na grande figura da história pátria deste século.


Oswaldo Pereira
Novembro 2018






sábado, 10 de novembro de 2018

ELEIÇÕES INTERCALARES





As eleições de “meio termo” (midterm elections), nos Estados Unidos, são um teste à atuação da Presidência. Como ocorrem dois anos após a posse de um primeiro ou de segundo mandato, funcionam como um exercício de avaliação ao trabalho da administração governamental e, ao renovar a Câmara de Representantes, parte do Senado e muitos dos Governos estaduais, fornecem significativas indicações para o futuro do morador da Casa Branca.

Desde William Taft, em 1910, quando o calendário político passou a consagrar a prática, até Barack Obama, essas eleições intercalares têm trazido alguns dissabores para os Presidentes, frequentemente mexendo no equilíbrio do bipartidarismo americano e revertendo o domínio deste ou daquele partido sobre o Congresso. Ocorrem muito tempo depois da lua de mel que os presidentes eleitos ou reeleitos gozam nos primeiros meses no ofício e servem como uma advertência, uma indicação do humor dos eleitores e, principalmente, como uma prévia do que poderá acontecer dali a dois anos, quando das novas eleições presidenciais.

Com Donald Trump, não podia ser mesmo diferente. O seu estilo truculento não deixa muita margem para composições e, na base do ame-o ou deixe-o, a manifestação do eleitorado polarizou-se numa divisão profunda entre Republicanos e Democratas. A imprensa chamou o resultado de mixed result, ou seja, um emaranhado de perdas e ganhos que poderá, ou não, ter efeito na atuação de Trump.

Para já, o término da hegemonia republicana na Câmara, que durava doze anos, vai dificultar o jeito “locomotiva” do Presidente. Muitos representantes democratas já anunciam que lhe vão “cortar as asas” e tentar conduzi-lo a uma postura política menos arrogante. Alguns até intuem que um processo de impeachment poderia fluir mais facilmente numa assembleia com maioria democrata.

Por outro lado, Trump consolidou sua posição no Senado, o que lhe abre as portas para nomear a Suprema Corte mais conservadora da história recente americana, criando uma salvaguarda para possíveis maquinações da oposição.

Vai ser um jogo de xadrez complicado, tendo em um dos lados do tabuleiro um jogador impaciente, frenético, mas, ao mesmo tempo, sagaz e avesso a derrotas.

De qualquer maneira, o sentimento é que os Democratas, até aqui ainda humilhados pelo insucesso de Hillary Clinton, voltaram a sonhar com daqui a mais dois anos. Vai ser no mínimo emocionante observar a cena política americana nestes próximos tempos.

Oswaldo Pereira
Novembro 2018

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

ANOTAÇÕES DO JAPÃO




A Idade Média, no Japão, terminou em meados do século XIX. Antes disso, o país vivera 200 anos sob o mando dos shoguns, fechado para o mundo, preservando sua cultura e o código de honra dos samurais. Mais para trás, os primeiros ocidentais a aparecer haviam sido os portugueses, à espera de incluir aquelas ilhas de pescadores em sua rota de comércio. Ao tentarem implantar a cruz do cristianismo num povo profundamente enraizado nos princípios de suas crenças ancestrais, os portugueses cometeram um erro. Foram rechaçados. A experiência gerou o isolacionismo. Só em 1866, quando o Imperador Meiji iniciou sua reforma, abolindo o shogunato e o regime feudal, o Japão abriu-se para o mundo. E isto explica muita coisa.

A primeira grande percepção de quem chega é cultural. É um Oriente quase paradoxal, em que hábitos ocidentais estão apenas na superfície, nos ternos escuros dos executivos, nos vestidos de grife das mulheres, na profusão intoxicante de celulares e grande magazines de eletrônica, nos imensos edifícios empresariais feericamente iluminados, nos trens a 300 quilômetros por hora.

Debaixo desta pátina de modernidade está um Japão austero, hierárquico, ritualístico e religioso. É o Japão de uma paisagem repetida de casas cinzentas, de templos e santuários em permanentes celebrações silenciosas, de relacionamentos secos e sem efusão, de uma dedicação quase visceral à limpeza, à ordem e ao respeito. A família está na base de uma sociedade altamente competitiva, onde a formação e a disponibilidade para trabalhar acima e além do razoável são indispensáveis. O bushido, o código de honra dos samurais, ainda está muito presente na alma japonesa. A autodisciplina e a exigência pessoal de cumprir à risca os propósitos de sucesso na escola, no trabalho e na vida familiar geram uma pressão às vezes insuportável. São 30.000 suicídios por ano.

TÓQUIO (GINZA) À NOITE

Para quem vem passear, entretanto, é uma viagem, no sentido mais delicioso da palavra. Uma experiência que toca com nitidez e força os sentidos. Os intrigantes sabores dos sashimis, do sakê e dos doces de chá verde, o som reverencial de um gongo num templo budista, a energia de uma manhã  fria e sem nuvens no sopé do Monte Fuji, a deslumbrante profusão outonal de incríveis matizes nas folhas dos plátanos nos Alpes Japoneses, a poderosa mensagem de Paz nos jardins de Hiroshima, a majestade  do grande Tori vermelho flutuando na preamar da ilha de Myiagima, o Grande Buda de Nara, as geikos do bairro Gion em Quioto, o formigueiro humano no cruzamento de Shibuyia e as luzes de Ginza em Tóquio ficarão para sempre na minha memória.
ILHA DE MYIAGIMA

MONTE FUJI, COMO EU O VI...

Um enigma e um sonho. Assim é o Japão.

Oswaldo Pereira
Novembro 2018

sábado, 20 de outubro de 2018

DESTINOS CERTOS: OS PASSADIÇOS DO PAIVA




Como todo país inteligente, Portugal tem investido pesado em turismo. Aproveitando o declínio e a insegurança de outros destinos turísticos, como Tunísia, Egito e Turquia, por exemplo, antes sonho de consumo dos europeus nórdicos, e marqueteando com extrema habilidade seu clima temperado, a sua prodigiosa História e a excelência de sua infraestrutura hoteleira, Portugal está na moda. Em 2018, a expectativa é de mais de 24 milhões de visitantes.

E basta andar por aqui para constatar esta verdade. Do Terreiro do Paço às praias do Algarve, dos vales do Minho às planuras do Alentejo, turistas de todas as categorias se regalam com intermináveis dias de sol, pratos regionais de revirar os olhos, vinhos soberbos na melhor relação custo/benefício deste lado do Mundo e paisagens ainda pristinas se alongando por entre pedaços de um rico e majestoso passado.

Mercê de um excelente sistema de autoestradas, que fazem ainda menores as distâncias já reduzidas de um país geograficamente pequeno, a descoberta das inúmeras sutilezas de seu território resulta numa tarefa fácil, tranquila e extremamente prazerosa. Ciente disto, o Governo português vem, desde a virada deste século, disponibilizando recursos às administrações municipais, além de crédito e vantagens fiscais a empreendedores privados, para recuperação e manutenção de sítios naturais e históricos de interesse e potencial turísticos. E, acredite, são muitos. Com quase 900 anos de existência, fora seu período pré-independência, que remonta ao tempo dos fenícios, e abençoado com dezenas de regiões de climas diversos, Portugal é sempre uma novidade.

Um exemplo.

A mais ou menos 30 quilômetros da cidade do Porto, existe uma belíssima região em cujo território corre um sinuoso rio, esgueirando-se por entre encostas escarpadas, formando em seu caminho ora furiosas corredeiras, ora remansos de profunda calma. Conhecida como a Garganta do Paiva, é o cenário onde o rio do mesmo nome oferece paisagens deslumbrantes, até há pouco conhecida apenas por tenazes montanhistas e empedernidos aficionados do rafting.
Em junho de 2015, ciente das possibilidades turísticas do lugar, o Governo português fez construir um passadiço, ou seja, um extenso caminho em madeira ao longo da margem esquerda do Paiva.  Margeando o fluxo d’água por mais de 8 quilômetros, iniciando com uma subida de 400 metros e mais de mil degraus, esse passadiço propicia um passeio inesquecível, no qual, a cada curva, o visitante se depara com uma natureza ainda em estado puro, em que cabras montesas equilibram-se nas pedras, árvores fornecem sombras acolhedoras, a vista se perde nos encantos do vale acentuado e um silêncio reverencial parece tudo rodear.

Em junho de 2016, entretanto, um incêndio, insuflado em grande parte pelo denso eucaliptal que cobria as encostas, destruiu 1.200 metros do percurso. Felizmente, em rápida ação, as autoridades portuguesas repararam o dano, reconstruído a parte afetada e cuidando para que árvores autóctones substituíssem os eucaliptos.

E os Passadiços lá estão, novamente em todo o seu esplendor, como pude constatar há dias, numa abençoada manhã de verão tardio.

Oswaldo Pereira
Outubro 2018





terça-feira, 9 de outubro de 2018

ELEIÇÕES 2018




Descontando os 20,3% de abstenção, quase 120 milhões de brasileiros foram votar. Um colégio eleitoral respeitável que, pelo menos, indica um apego salutar ao que chamamos de Democracia. Ainda que o sistema triture este apego em suas lâminas corrompidas, ainda que uma boa maioria dos eleitos lambuzem esses votos na lama do pântano da Administração Pública, ainda assim, o povo verte sua dose de esperança cada vez que o Brasil o chama às urnas.

Nos quase 200 anos de independência que compõem a nossa História, vimos, com lapsos de tempo, cumprindo este compromisso com certa assiduidade, de maneira às vezes defeituosa, às vezes tutelada, às vezes até com um certo enfado. Por desinformação ou por interesse curto, muitas vezes desincumbimo-nos deste direito como se fosse uma obrigação chata. Mas, sempre fomos.

Em tempos recentes, as evidências de generalizada malversação do sofrido dinheiro que nos é tirado como imposto, da suja praça de vendilhões em que se transformaram Congressos e Assembleias, da untuosa arrogância, ungida pela certeza da impunidade, da maioria dos nossos políticos, da desfaçatez com que, em corredores do poder e na calada de uma noite perene, aprovavam regras e leis em seu próprio interesse fizeram minguar a confiança no processo. Democrático? Bem...

Mas, continuamos sempre a ir, numa doida perseverança, numa visão teimosa de Dom Sebastião, a pé, sob chuva ou sol, colocar nossa gota de esperança no oceano do futuro da Nação.
Desta vez, não foi diferente. Ou foi?

A partir dos resultados já divulgados, dá para sentir que alguma coisa mudou. Um suave sopro de conscientização, uma leve brisa de responsabilidade parece ter bafejado o eleitor tenaz, mas cansado. Prá começo de conversa, o eixo formador de opinião mudou de lugar. A TV, e seu famigerado Horário Político, uma palhaçada de frases feitas e promessas vazias, foram soterradas pelas novas vias de comunicação. Hoje, o eleitor faz seu próprio programa de informação política pelas redes sociais. Já não resta dúvida que o WhatsApp foi o grande influenciador destas últimas eleições.
Como resultado, essa maior conscientização operou alguns milagres. Currais eleitorais foram desmontados. Nomes e dinastias, dizimados. Romero Jucá, Roberto Requião, Edison Lobão, Eunício Oliveira, Lindberg Faria, cardeais intocáveis por décadas foram defenestrados. Os Sarneys banidos em seu próprio latifúndio. E a “presidenta” Dilma finalmente repudiada.

A mesma coisa aconteceu com legendas e partidos. O PSDB perdeu 4 cadeiras no Senado e 14 na Câmara. O MDB, 7 e 18, respectivamente. Embora mantendo sua hegemonia no Nordeste, o PT tem agora menos 6 senadores. Por outro lado, o nanico partido de Jair Bolsonaro, o PSL, saiu de 2 para 51 lugares na Câmara Alta.  E, é claro, a quase vitória dele no primeiro turno (46% dos votos válidos) indica que alguma coisa mudou. Entende-se que a inelegibilidade de Lula revirou o mapa eleitoral. Acho, entretanto, que foi a desastrosa, corrupta e desonesta administração do PT, nestes 14 anos, que dispararam a enorme rejeição que explodiu no meio mais eficiente de convencimento que temos hoje. O celular.

Oswaldo Pereira
Outubro 2018


quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O ATENTADO



Atentados políticos não são raros. A partir da Antiguidade Clássica, assassinatos, ou tentativas de, permearam a evolução de várias sociedades, alguns decisivos na mudança do curso de sua História, outros trazendo até consequências planetárias. Desde quando os senadores romanos abateram Júlio César, a polarização política tem sido a grande inspiradora de atos extremados, cujo objetivo é fazer calar uma voz, extirpar um pensamento ou eliminar uma filosofia pela força, quando o desespero da falta de argumentos ou de sensatez obscurece a razão.

Independentemente, entretanto, de qualquer motivação, o atentado, além de ser um crime, é uma forma truculenta e primária de se expressar uma fé partidária ou um compromisso religioso. É o ponto mais baixo do comportamento humano diante de uma ideia contrária, é a falência da capacidade intelectual de se reagir a ou de contrapor com inteligência uma proposta contrária ou um posicionamento adversário.

Mais do que isto, o atentado, venha de onde vier, se reveste de características inaceitáveis como procedimento social.

Em primeiro lugar, é uma ação covarde. O agente do atentado vale-se sempre da surpresa, apanhando sua vítima indefesa, geralmente desarmada, negando-lhe qualquer possibilidade de reação.

Em segundo lugar, é uma ação estúpida. Na maioria dos casos, o atentado provoca um efeito exatamente contrário ao pretendido pelo atacante, mesmo quando tem como consequência a morte do atacado, cujas ideias recebem a galvanização de seu martírio. Se o alvo sobrevive, sua força multiplica-se pelo seu salvamento.

E, por mais que queiram revestir o ato como ação de um lobo solitário, um atentado é, na grande maioria das vezes, a parte final de um planejamento. Assim foi com Júlio César, vitima de um conluio de patrícios, com o Arquiduque Ferdinando, abatido pela Crna Ruka, a Mão Negra sérvia. John Wilkes Booth fazia parte de um grupo que desejava a continuação da Guerra da Secessão quando alvejou Lincoln. Até hoje, existem fortes suspeitas sobre o assassinato dos Kennedys e de Martin Luther King. Há, quase sempre, uma voz atrás da cortina guiando a mão que empunha a arma.

Assim, eu acho que ainda há muita história para contar sobre Adélio Bispo de Oliveira, o quase assassino de Bolsonaro...


Oswaldo Pereira
Setembro 2018