terça-feira, 30 de agosto de 2016

ÚLTIMO ATO



Não deu nem tempo para respirar. Como uma lua de mel que termina mais cedo, estávamos ainda embalados pelos sons finais de uma linda cerimônia de encerramento, deitados no berço esplêndido do maravilhoso sucesso dos Jogos quando fomos rudemente acordados.

Um despertador sem cerimônia nos trouxe de volta ao aqui e agora real da nossa situação política e, em vez de saltos, corridas, medalhas e superações, a tela da TV invadiu as nossas salas com o espetáculo do capítulo final do processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Há meses, havíamos assistido ao circo do Congresso e constatado nossa incúria cívica, nosso desinteresse como eleitores, nosso distanciamento cômodo do dever de voto. Naquele momento, entre assustados, constrangidos e repugnados, vimos que tipo de gente tínhamos colocado no centro do poder, a que histriônico grupo de pândegos havíamos entregado a tarefa de fazer e aprovar leis, as mesmas leis que regem nosso dia-a-dia, nosso futuro e o de nossos filhos, nosso destino como nação e como sociedade.

Hoje, depois de cumprir seu longo rito processual, o julgamento chega ao fim. No momento em que escrevo, ainda não se chegou ao veredito, previsto para as primeiras horas de amanhã. Apesar das previsões indicarem o afastamento definitivo de Dilma, tudo é possível em Pindorama.

Mas, dá pelo menos para reconhecer que o Senado, e os senadores da República, apresentaram uma atitude mais próxima da liturgia do cargo. Às cenas de destempero, tristemente presentes no início das sessões, sucedeu-se um comportamento mais condizente, e todos os participantes do julgamento estão tendo amplo, irrestrito e respeitado espaço para dizer de sua justiça. Inclusive a própria Presidente.

Era para ser o seu grande momento. O púlpito, melhor dizendo, o palco, seria sua derradeira trincheira, de onde ela poderia contrapor os argumentos legais para refutar o indiciamento e as acusações de crimes de responsabilidade fiscal. Afinal, é disto, formalmente, que trata o processo de afastamento. Era a hora de mostrar habilidade argumentativa, refutar com um contraditório lógico e juridicamente embasado as imputações, reverter os prognósticos adversos com um firme, e coerente, libelo de defesa.

Mas Dilma foi, mais uma vez, Dilma.

No seu discurso de abertura, insistiu na insustentável tese do “golpe”. Como acreditar neste surrado mote, quando ela própria ali estava, fazendo parte do rito processual?  Quando o presidente da sessão era o mais alto magistrado do país? Quando todos os passos regimentais previstos na Constituição haviam sido rigorosamente cumpridos, todas as vozes e testemunhos disciplinarmente apresentados? A esta altura, ela mesma já deveria ter descoberto a inutilidade desse mantra repetido ad nauseam.

Adicionalmente, continuou a creditar todo o processo a uma vingança pessoal de Eduardo Cunha e a tratar Michel Temer como um usurpador. Temer é o vice-presidente, constitucionalmente designado a substituir o titular do cargo. Foi escolhido por Dilma para fazer parte de sua chapa não uma, mas duas vezes, e teve os mesmos milhões de votos que ela tanto se compraz em dizer que recebeu. E é no mínimo infantil querer imputar a Cunha o poder de afastá-la da Presidência.

Assim, repetindo a ladainha que tem sido seu script desde que saiu do Governo, sua esperada oração ficou com gosto de mais do mesmo.

Durante a sabatina, a coisa não melhorou. Sua bancada usou o tempo das perguntas para fazer elogios à sua biografia. Às perguntas dos favoráveis ao impeachment, ela esquivou-se das respostas. Em nenhum momento, Dilma contrapôs objetivamente as acusações.

Fico pensando. Se ela viesse ontem ao Senado disposta a reconhecer seus erros, tentar justificá-los com um certo arrependimento, propor um novo pacto de governabilidade, talvez tivesse uma chance de virar o jogo. Mas, para isto, seria preciso que Dilma fosse uma pessoa razoável.

Mas ela não é...


Oswaldo Pereira
Agosto 2016

  



2 comentários:

  1. Só que estamos em ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS e, ao mesmo tempo que ela é Alice, é também nessa simbiose a Rainha de Copas. Não sei o que o Lewis Carrol tomou quando delirou essa estória. Mas que definiu um País que não é das maravilhas com a Rainha de Copas, fê-lo. Mas como era sonho Alice acordou. Ela a mesma na pele da Rainha de Copas, foi destituída! E foram todos para a praia .

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    1. O Lewis Carroll deve ter mesmo cheirado uma erva "braba" quando escreveu seu livro... Mas, nem com LSD na cuca ele imaginaria o Brasil de hoje...

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