terça-feira, 23 de agosto de 2016

RIO DE JANOURO



Sou carioca. Sempre tive orgulho nisto. Quando estou fora do país, gosto de ver a expressão das pessoas ao responder à pergunta de onde você é? À frase sou do Rio de Janeiro, os rostos se iluminam, uma imagem quente de praias e palmeiras parece brincar em seu olhar, o sorriso se abre num aaah! de aprovação fagueira.

Uma mística de paraíso, uma brisa suave que vem do mar, a garota que ondula a caminho dele, o mosaico sinuoso de Copacabana, o eco dos tamborins, o Cristo suspenso numa noite clara. É isto que elas sentem, toda vez que ouvem o nome da minha cidade.

Em tempos recentes, no entanto, o nosso colorido foi esmaecendo. No preto e branco da realidade, as imagens se estilhaçaram num caleidoscópio de figuras sombrias, e a cidade-sonho se perdeu na bruma de seus problemas.

Se os temos? É claro que sim. E são muitos. O Rio tem características próprias que complicam ainda mais os percalços comuns a toda megacidade. A beleza natural que o faz deslumbrante, o espetáculo portentoso dos bairros se esgueirando entre o mar e as montanhas, as grandes florestas urbanas, o salpicado de lagoas e colinas, e a sua grande extensão aumentam exponencialmente os problemas de saneamento, mobilidade e segurança.

Administrações descuidadas, para se dizer o mínimo, ao longo de décadas, contribuíram para piorar o quadro. E a imprensa, nacional e estrangeira, completou o desserviço, municiando as manchetes e os âncoras de todo o mundo só com o que havia de mais daninho em matéria de press release.

A lente de aumento da proximidade das Olimpíadas fez a propaganda negativa virar paranoia. Uma tempestade perfeita, que carregava nuvens de mosquitos assassinos, insalubridade das águas, inferno nas ruas e calamidade financeira, foi sendo anunciada, à medida que os Jogos se aproximavam.

E aí a coisa passou dos limites. Teve muita gente torcendo contra, muita Cassandra de araque vaticinando catástrofes, muita aposta no desastre. Aqui e lá fora, jornais tendenciosos, colunistas emproados, ispertos cheios de si, atletas se recusando a vir, talk show hosts metidos a engraçados, dirigentes esportivos de nariz em pé, e outros palhaços, debocharam, advertiram, diminuíram, acusaram, fizeram pouco.

E agora, meus caros queridos? E agora que a linda festa acaba neste dia de chuva e vendaval, e eu aqui neste Maracanã imerso em luzes e sorrisos, dançando ao som de um samba eterno, vejo gente de todo o mundo reverenciar os Jogos perfeitos, os Jogos que venceram a zika e o mau agouro, a sombra dos atentados e da violência, o pessimismo, a cara torcida, o veneno da inveja.

Agora é a minha hora. Minha hora de mandar um recado no estilo mais carioquês de que eu sou capaz.

Alô, galera do Washington Post, New York Times, Guardian e congêneres. Vão lá no arquivo e catem as páginas em que disseram que uma catástrofe se aproximava. Cortem-nas em pequenos pedaços e os engulam devagar. Se quiserem, passem um pouquinho de peanut butter para dar gosto. Eu deixo.

Alô, Hope Solo, goleira do time americano. Tire aquela roupa de escafandrista do armário. Vista-a, vá até a cozinha e coloque no forno o “frango” enorme que você aceitou no jogo com a Colômbia. Deixe assar bem. Mas, não passe peanut butter. Eu não deixo.

Alô, Ryan Lochte, mistura de Mr. Bean com os Três Patetas. Raspe este cabelo platinado, compre um caderno de caligrafia e escreva dez mil vezes – Brazil is NOT a banana republic. Depois, mostre para os outros seus amigos. Mande-os escrever mesma coisa. Em português.

Alô Renaud Lavillenie. Compre um DVD das Olimpíadas de 1936. Veja e reveja. Se achar alguma semelhança entre o Estádio Olímpico de Berlim e o Engenhão em festa, ganha um ingresso grátis para assistir a um Flamengo e Vasco. No meio da torcida cruzmaltina, tente gritar “Mengooo!”. Vai ver que vaia é refresco.

Alô, tchurma que evitou vir ao Rio, com medo do apocalipse. Tirem uns selfies e usem o photo shop para montar uma cena com a Arena de Copacabana atrás. Depois, postem no Face escrevendo em baixo Eu Fui!. Em seguida, enfiem a cara no travesseiro e chorem. Podem deixar. Eu não conto para ninguém.

Por fim, alô meu Rio de Janeiro. Meu berço esplêndido. Medalha de ouro para você. E, para mim, a ventura de ter ido às arenas e aos estádios, às ruas e aos bulevares, de ter visto rios de gente feliz, cascatas de sorrisos, olhos brilhantes de alegria e êxtase, cânticos, vaias, aplausos, lágrimas e celebrações. Vi, vivi e vou guardar para sempre no fundo da lembrança este seu momento de glória.

Oswaldo Pereira
Agosto 2016


12 comentários:

  1. Emoção pura..........estava junto o tempo todo e esperando isto para estampar na cara das invejas, principalmente nacionais.....aquelas que põem ideologias acima da pátria.........

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    1. Foi ótimo curtir tudo isto com você, que ama este Rio com esta mesma intensidade...

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  2. Muito bom, e parabéns caro amigo: disse tudo aquilo que o carioca gostaria de dizer. Grande abraço

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    1. Obrigado, caro Thomaz. Seu que você também ama este Rio medalha de ouro...

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  3. Não participei fisicamente, mas acompanhei os acontecimentos... perfeito... emocionante.. lindo...alma lavada...

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    1. E o primeiro evento olímpico a que assisti foi aí em São Pedro: a passagem da tocha. Um ótimo começo...

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  4. Grande Oswaldo
    Não vaticinei desgraça mas temi pelo sucesso pelas mesmas razões que voce conhece. Foram porém dias em que me emocionei e fico extremamente feliz com o resultado positivo desse evento maravilhoso.
    Grane abraço
    Zé Correa

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  5. Ola Oswaldo
    Foi demais Um espetáculo que não esperava que fosse assim de colorido e entusiasmo pese a chuva . que não atrapalhou. Pura emoção O maracanã nunca esteve tão grandioso.
    O recado para os grandes jornais que vaticinaram o fracasso foi bem apropriado.
    Parabéns Oswaldo
    Emilio Telleria
    Parabens

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    1. Obrigado, caro Almirante, você que é um carioca de coração.

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  6. Tal como bem escreveu, aconteceu uma histórica e bonita festa e, de facto, uma grande lição...
    Forte abraço de PARABÉNS!

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    1. Obrigado, Zé. Estamos de malas prontas. Devemos chegar aí no dia 1. Grande abraço.

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