A distância ameniza. Deste outro lado do
Atlântico, as notícias começam a ficar rarefeitas, difusas, levadas pela bruma
do oceano. Por mais global que esta aldeia planetária se tenha tornado, um voo
de 10 horas afasta um pouco a realidade. Dilma, Lula, Temer, Cunha e outras
sombras esfumam-se neste pôr do sol sobre o Tejo, as gravatas e os cabelos
alourados de senadores e senadoras submergem neste marulhar tranquilo de uma
praia lusitana. É como o rufar longínquo do trovão de uma tempestade que não
vai cair por aqui.
As artes do escapismo, eu sei. Uma
defesa ao melhor estilo do proverbial avestruz. Enfiar a cabeça neste areal
português, fingir que Cabral ainda não partiu. Imaginar que Pindorama ficou à
margem das descobertas, que índios e papagaios povoam imperturbados as frondosas
florestas em sua idílica comunhão com uma natureza sensual e sempre em festa.
O poente é lento, nesta tarde lusa. Hora
de sonhar. Cabral não foi. Os varões assinalados não passaram pela Taprobana e
tampouco cruzaram o mar. O Brasil lá ficou, deitado em seu berço esplêndido, ao
som e à luz de seu próprio mundo, esperando um futuro que não chegou.
Já imaginaram? O país ainda no seu marco
zero, virgem, indeflorado, seu HD
ainda vazio. Começar de novo, com todos os créditos em aberto, apertar o reset. O que faríamos? Seríamos capazes,
com as cicatrizes dos nossos erros, os remorsos de nossos pecados, a poeira dos
nossos tombos, de reconstruí-lo sem superfaturamentos? De levá-lo por uma
estrada sem recapeamentos? De colocá-lo numa escola sem roubar-lhe a merenda?
De mostrar-lhe a manhã nascendo no horizonte sem destruir seus sonhos?
O poente acaba. O sol mergulhou. O sonho
ainda flutua por instantes. Mas acaba por se esvanecer na escuridão. Não há replays. Infelizmente...
Oswaldo
Pereira
Setembro
2016
Grande sensibilidade para retratar o ocaso em Portugal. Nos dois sentidos de tua crônica. Esta terra onde mal se cultiva a última flor do Lácio tem o mais completo HD do planeta, o Rio, posou nas Olimpíadas com uma beleza de arrancar lágrimas se vista com a música de Tom Jobim a Nazareth. Quaisquer delas. O HD é ótimo, já o software... Falar em Cabral, já se pensou que ao descobrir o Brasil em abril, ele ainda não tinha uma noção muito clara das estações do planeta? Mesmo porque era heresia concebê-lo redondo? Desde que chegou o clima só ficou primaveril neste paraíso, enquanto a Europa, na primavera coincidentemente a Primavera européia fugindo das hibernais temperaturas e por este mês de setembro de 1500 os portugueses deviam estar eufóricos porque daí em diante só aguardavam que viesse o detestável frio europeu. Vai daí que já era tarde para fugir desta canícula tropical que nos faz fugir para as montanhas ou para um inverno tropical do hemisfério norte.
ResponderExcluirSai do Brasil com 30 graus de inverno e cheguei cá com a mesma temperatura, de verão. Como um português quinhentista poderia entender isso? Por esse motivo, muitos quiseram ficar no Brasil. D. João VI que o diga...
ExcluirSeu texto dessa vez está muito poético.Adorei tudo nele colocado,até saindo das críticas e dos motivos aos quais todos nós estamos cansados de saber.Bjs lusitanos Zezé
ResponderExcluirObrigado, Zezé. Mas, como dizia o sábio Millor Fernandes: poesia numa hora destas?...
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