Na véspera do dia seis de junho de 1944, o general
americano Dwight Eisenhower precisou ter uma conversa sigilosa com o Rei George VI. O
objetivo era solicitar ao soberano inglês que ordenasse ao Primeiro Ministro
britânico desistir de sua ideia fixa: embarcar num dos navios que seguiriam
dali a horas para a costa da Normandia e participar ativamente do desembarque.
Assim era ele. Ousado, polêmico, controverso. Durante
os setenta anos em que participou ativamente da cena histórica de seu país e do
mundo, Winston Leonard Spencer Churchill esbanjou estas qualidades, para a adoração e a repulsa, a desconfiança e o fervor,
a crítica e a admiração de seu povo e o reconhecimento final como símbolo de
uma era no momento em que, num dos mais emblemáticos e concorridos funerais da
crônica britânica, foi sepultado no cemitério da Igreja de St. Martin, em
Bladon, Oxfordshire, há 50 anos.
Sob todos os aspectos pessoais ou sociais, Winston
Churchill soube viver intensamente sua época, uma das mais intrigantes do Reino
da Inglaterra, durante a qual o “império onde o sol nunca se punha” enfrentou
tempestades políticas nunca antes vistas, com a fragmentação de suas
possessões, vendavais internos desencadeados pelas lutas dos direitos
trabalhistas, o voto feminino, declínio econômico, uma abdicação real, para não
falar em vários conflitos coloniais e duas guerras mundiais.
Nascido na aristocracia, filho de um carismático
político e de uma socialite americana,
o pequeno Winston pouco via os pais, sendo criado na tradição dos colégios
internos e das nannies empertigadas. Bebê
prematuro, mau aluno, rebelde, e com um defeito labial que lhe impunha um s estranho e sibilante, virou um menino introspectivo que detestava matemática
e possuía uma vasta coleção de soldadinhos de chumbo. Aos dezessete anos,
felizmente para ele e para a História, resolveu ingressar na prestigiada escola
militar de Sandhurst. Teve de fazer o exame três vezes, até passar. E sua vida
mudou.
Rapidamente desenvolvendo um desejo nato de viver no
centro da ação, conseguiu, usando o prestígio do seu nome de família, estar
presente em quase todas as campanhas bélicas do exército britânico na virada do
século. Foi para Cuba, para a África e para a Índia, como soldado e como
correspondente de guerra, atividade-embrião de sua futura carreira de escritor.
Em 1899, em seu segundo livro “The River War”, sobre a
guerra no Sudão, ele escreve um premonitório parágrafo. “Individual Moslems may show splendid qualities. But
the influence of the religion paralyses the social development of those who
follow it. No
stronger retrograde force exists in the world.” (Individualmente,
os muçulmanos podem mostrar esplêndidas qualidades. Mas a influência da
religião paralisa o desenvolvimento social de quem a segue. Não há, no mundo, força
retrógrada mais poderosa).
O livro fez sucesso, seus feitos no campo de batalha
lhe trouxeram medalhas e citações. Ganhou prestígio e popularidade,
ingredientes mais do que necessários para encaminhá-lo a seguir à sua grande
vocação: a Política. De 1900 até à Primeira Guerra Mundial ocupou várias pastas
no Gabinete do Governo Conservador no poder, desde Secretário do Interior até
Ministro das Finanças. Quando começaram as batalhas, foi nomeado Ministro da
Marinha, mas o desastre da campanha nos Dardanelos, sob seu comando, onde
milhares de neozelandeses foram massacrados, determinou sua exoneração. Para
não ficar parado, voltou ao serviço militar, comandando um batalhão na Frente
Ocidental.
Do final da Grande Guerra até à queda dos Conservadores
em 1929, Churchill continuou tendo parte ativa na administração pública do
Reino e, como sempre, tomando posições polêmicas em questões cruciais como a
independência da Irlanda, o regime bolchevique na Rússia, as violentas greves
internas e a autonomia da Índia.
Com a perda de mandato de seu partido, afastou-se da
vida pública e foi dedicar-se a seus escritos, suas pinturas e suas viagens.
Quando aparecia em algum púlpito, procurava alertar sobre a expansão socialista, o
crescimento do nazismo e o rearmamento da Alemanha. Frequentemente, para
ouvidos desatentos, fartos de ouvir falar em conflitos e avessos a notícias
desagradáveis.
Tudo muda em maio de 1940. As tropas germânicas chegam
às portas de Paris, um resto de exército inglês consegue escapar de Dunquerque
e as Ilhas estão à mercê de uma invasão. E aí todos se lembram das previsões de
Winston. Nomeado Primeiro Ministro aos 65 anos, Churchill torna-se, mais do que
um líder, um símbolo. E a história dos próximos cinco anos, nos quais com sua
energia indomável, seu pragmatismo estratégico e sua retórica eletrizante ele
reverteu a maré, vocês já conhecem sobejamente.
Silenciados os canhões, ele perdeu as eleições em 1945.
Os fleumáticos ingleses davam seu recado. Imbatível chefe nos anos de luta,
Winston Churchill não servia para a paz. Mas sua atuação não terminara. Virou
suas baterias contra a União Soviética, investiu contra a independência
indiana, escreveu obras definitivas sobre a Guerra e o Império. Foi reeleito
Primeiro Ministro em 1951 e continuou colorindo a cena mundial com sua verve
até partir definitivamente para o ostracismo voluntário em 1955.
Nobel de Literatura, maçom, pintor de aquarelas. Os
dedos em forma de “V”, os charutos feitos sob medida e que depois passaram a
ter seu nome, o doce abandono com que ingeria generosas doses de uísque com
soda. Os ditos e os discursos, as frases, as famosas frases que mexeram com as
entranhas de um povo, o “sangue, suor e lágrimas”, o “nunca nos renderemos”, o
“nunca tantos deveram tanto a tão poucos”. Noutro viés, o holocausto fumegante
de Dresden, os insultos a Gandhi, a hecatombe de Gallipoli.
Ousado, polêmico, controverso. Assim foi Churchill.
Oswaldo
Pereira
Fevereiro
2015
Espetáculo!!
ResponderExcluirAdorei especialmente o'o doce abandono com que ingeria generosas doses de uísque com soda'.
Vou divulgar!!
Parabéns
Obrigado, caro Homerix. O nosso "buldogue" era mesmo bom de copo. Só não conseguia superar o "tio Josef", que era como ele chamava o Stalin, nos "shots" de vodka...
ExcluirCompicado publicar. Entrei no gmail e quando voltei o texto apagou. Tinha lá uma das tiradas geniais que repito aqui."Success is the ability to go from one failure to another with no loss of enthusiasm"
ResponderExcluirGrande frase. E tem aquele diálogo com Lady Astor, que o odiava. Ela disse: "Winston, se você fosse meu marido, eu colocaria veneno no seu chá". Ele respondeu: "Nancy, se eu fosse seu marido, eu beberia o chá..."
ExcluirTenho enorme admiração por ele e muitos livros que nos mostram até sua forte personalidade.
ResponderExcluir