quarta-feira, 28 de maio de 2014

PAPO DE BAR - ALBUM DE FIGURINHAS











«Bira?! Ué, não foi almoçar?»












«Nada, amigão. Faltam só 72 figurinhas para completar o meu álbum e eu vim aqui na “Bolsa” para ver se acho no troca-troca»







«Bolsa? É assim que vocês estão chamando este bando de marmanjos brincando de cromos coloridos? Não me diga que estão também jogando as duplicatas no bafo

«Claro que não! Bafo é coisa de crianças. Aqui o negócio é sério, cara»

«Sério?! Não me faças rir... Parecem uns adolescentes... Inacreditável...»

«Deixa de bancar o snob, prá variar. E você deve estar morando em Marte para desconhecer a febre do Álbum da Copa. Sabe quantas pessoas, só no Brasil, estão fazendo a coleção? Mais de oito milhões, amizade. OITO milhões! Tem gente gastando muita grana para completar a coleção rapidamente. E saiba que um álbum completo desses pode valer uma fortuna no futuro. Dizem que o da Copa de 1982 está sendo oferecido por 17.000 reais na Internet»

«Não há dúvida. A brasileirada enlouqueceu... Com tanta coisa acontecendo no país e vocês pensando em figurinhas. Ora, faça-me o favor... »

«Pois fique sabendo que o que está acontecendo neste país, agora e daqui a pouco, é a Copa. Não adianta mais bater o pé, reclamar e ficar berrando “não vai ter Copa”. É claro que vai. Perdeu, playboy. Não tem volta. Se não queriam, deviam ter reclamado antes, negado o voto a quem aí está. É assim que se protesta, meu caro, não colando adesivos no ônibus da Seleção, antagonizando quem quer a festa, mostrando as mazelas nas ruas»

«Pelo contrário.  Agora é que é a hora de reclamar, aproveitar o spotlight dos jogos e escancarar a insatisfação com a bandalheira que impera por aí. Mostrar ao mundo a nossa indignação, o nosso repúdio à maneira com que a classe política vem desmandando com o nosso dinheirinho, a vergonha pelos atrasos nas obras. Tudo feito às pressas e mal. Estádios ainda com tapumes, infraestrutura de transportes e comunicação inacabada, aeroportos de quinta categoria...»

«Que nada. O mundo não está nem minimamente interessado nas nossas desventuras politicas. Os outros países já têm problemas de sobra com que se preocuparem. E quem vier já sabe que temos nosso jeito de ser. A própria dimensão do evento já faz dele um desafio jamais enfrentado pelas outras sedes. Somos um continente, brother. O padrão FIFA pode servir para a Alemanha, a Suiça, a Dinamarca. Aqui tem de ser diferente. Temos mais é que tentar fazer bonito, dentro e fora do campo»

«Não. Não aceito. Sou contra esta palhaçada. Não vou nem ver os jogos na televisão...»

«Vai sim, cara. Na hora do vamovê, em que a bola estiver no centro do gramado, a galera cantando o Hino, o silêncio nas ruas... Não há quem resista. Vais botar a tua camisa amarela como todo brasileiro. É uma catarse de que ninguém escapa...»

«Esse é que é o meu medo. A catarse. Tudo para debaixo do tapete. Se o Brasil ganhar, o perigo da absolvição total dos pecados, a falsa sensação de que tudo está bem de novo, que somos uma nação privilegiada, que Deus é brasileiro, etecetera e tal...»

«Não creio que vá ser assim. Não somos mais tão ingênuos. Tão logo termine a Copa, as eleições estarão à porta. O debate político nos acordará para a realidade, mesmo se ganharmos. Se perdermos, a conscientização começará antes. E aí, sim, é a hora de protestar. Na cabine de voto. Viu o que aconteceu na Europa? Bastou a extrema-direita mandar o recado pelas urnas de que o ovo da serpente pode ainda estar no ninho, e os governantes começaram a pensar melhor seus programas econômico-sociais. O susto fez a turma levantar seus traseiros da poltrona e ir trabalhar»

 «Você sabe que não é assim que a bola rola por aqui. O nível de cidadania lá é outro. A nossa classe política não tem cores tão delineadas, vive mais à base do conchavo e dos interesses de suas bancadas, seja lá o que isto quer dizer. Bem, não adianta discutir. Vá lá trocar suas figurinhas... Até...»

«Tchau, amigão. E não se esqueça de comprar a camisa da Seleção...»


Oswaldo Pereira
Maio 2014

2 comentários:

  1. Muito bom, Oswaldo, mas posso dizer para você que não gostaria de estar aqui durante a Copa. Ninguém sabe o que poderá acontecer, Tudo neste país está imprevisível. Confudem as coisas. Penso que não deveríamos permitir a Copa por tudo que sabemos mas, agora tem que se aceitar, ela está aí. Pedir a Deus que tudo corra bem. Não sei de onde tirar "cidadania do povo e dos políticos e não há tempo para educá-los. Devemos nos esforçar para, sentindo nossa realidade, nos comportarmos bem com nosso voto. Abraço, Cleusa.

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  2. Oswaldo, não querendo ser antipatriótico, mas diante de tudo que se viu e que se vê acho que seria muito bom que 1950 se repetisse. Já imaginou o que uma vitória brasileira causará de eufotia e esquecimento dos problemas e mazelas?

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