Quando meu pai nasceu, na primeira década do
século passado, coisas como honra, honestidade e dever eram sentimentos tão
fortes e arraigados que sua presença parecia fisicamente real. A perda ou o abandono de qualquer deles, mais
do que a punição imposta pelas leis, significava o anátema da sociedade, o
desprezo dos pares, a vergonha de toda uma família. Penas criminais ou
ostracismo eram o destino. Às vezes, o suicídio.
Quando eu nasci, nos anos 1940, as noções de
ilícito continuavam claras, mas o peso do repúdio social já não era assim tão grave,
o julgamento popular não possuía mais seu caráter demolidor. Já existiam
políticos sorridentes que apregoavam o “rouba, mas faz” e obtinham sucesso nas
urnas. Certos da leniência de um eleitorado ou de seu rol de amigos, indivíduos
assumiam o risco de seus atos ilegais, mas sabiam que, se apanhados, não
escapariam das malhas da justiça.
Quando meus filhos nasceram, há quarenta anos, o
poder coator da justiça havia perdido sua força. Sabia-se do ilícito, mas o
abrandamento da legislação penal, a morosidade dos tribunais e um arcabouço de
filigranas jurídicas habilmente manuseadas pelos advogados tornavam uma
condenação, ou sua execução, um evento cada vez mais distante e improvável.
Instituições nacionais como o jeitinho
e as múltiplas isenções às sentenças condenatórias deterioravam rapidamente o
conceito de punibilidade e castigo.
Agora que nasceram meus netos, eu vejo estarrecido
que o próprio conceito do ilícito está prestes a morrer. Ilegal, e daí? seria por si só um perigoso lema, uma brincadeira retórica
destrutiva, se não fosse aquilo que na realidade é, uma filosofia comportamental perniciosa, cuja disseminação pode
comprometer a existência mesma da ordem sócio-política. O que realmente
atemoriza é o fato dessa disseminação ter sua fonte de alimento no danoso exemplo
com que os homens públicos deste país nos brindam diariamente. Um dilúvio de desmandos que cai em cascata pelos patamares
da vida nacional, escorrendo pelos desvãos do nosso cotidiano, da obra
superfaturada, da propina nas concorrências, na fraude de aposentadorias
indevidas, na “cola” em exames escolares, na cervejinha do guarda, na compra de ingresso ao cambista. E na
passividade com que se verifica o desaparecimento dos honestos, a partida dos
honrados, o adeus dos bons, quando se vê o presidente da Suprema Corte desta Nação
renunciar precocemente ao cargo, intimidado por ameaças e ter sua saída saudada
por associações de políticos e juristas. Que sombrio recado para os juízes que
ainda tentam brandir a chama da lei, as testemunhas que poderiam acusar um
corrupto, o cidadão, enfim, que ainda tentava acreditar.
Triste. Muito triste...
Oswaldo
Pereira
Junho
2014
Triste mesmo...
ResponderExcluirTriste mesmo ver que a honra não é mais respeitada, considerada ! E muito dificil de ver tudo isso sem se sentir desamparado, perdido mesmo ! DESOLADOR !!!
ResponderExcluirFi²
Meu caro Oswaldo, também aqui, no outro lado do Atlântico, vivemos a mesma situação!
ResponderExcluirTriste. Muito triste... mas tenhamos esperança!
Abr.
Caro amigo Osvaldo, infelizmente tudo que você afirma acontece no Brasil de hoje. Se continuar assim, não faço a menor ideia de como será com nossos netos e bisnetos. Grande abraço do Thomaz.
ResponderExcluirÉ mesmo Oswaldo
ResponderExcluirVão-se os princípios e agente não vê saída, pelo menos para um futuro próximo. E o pior é o sentimento de incapacidade diante de tanta desordem. Há que se ter esperança, sim, mas com que fundamento se os fundamentos que poderiam ser os construtores de uma saída do poço cada dia se desmoronam mais.
Abraço
É a nossa verdade, Oswaldo. É o resultado da falta , durante anos, da educação escolar, da educação vinda dos pais e da educação dos políticos. Sinto, com as atitudes que continuam acontecendo em todos os setores da vida, que será muito difícil consertar o estrago causado. E existia a frase que " o exemplo vem de cima". E veja o exemplo que temos, só roubos do dinheiro público e dos pequenos em suas casas e nas ruas. É a máquina de roubo público que dá o exemplo, a população está gritando e pedindo a justiça. Mas, os que tentam fazer a justiça são, muitas vezes, xingados pelos que querem a continuação do que aí está.Peçamos que Deus nos ajude e que cada um de nós faça o possível e o impossível para abrir os olhos dos que nos rodeam.
ResponderExcluirAbraço, Cleusa.