A
paisagem ali estava. A mesma, ano após ano, virgem, intocada. Ninguém a ferira
ou a acariciara durante as vezes sem conta em que ele, a intervalos regulares,
passava para vê-la.
A cordilheira
azulada ao fundo, o ondular das colinas de mesmo verde agreste, as árvores de
sempre, envelhecendo aferradas ao solo eterno, matinalmente agitadas do vento
norte, a serpente castanha do caminho de terra volteando a campina até
perder-se de vista. Toda vez se perguntava “por que não o fizeram reto?” já que
não subia nem descia e nem obstáculo algum lhe tolhia o destino. Talvez não levasse a parte alguma. Nunca vira
uma só alma palmilhá-lo, nem vindo nem indo. Também nunca se dispusera a
percorrê-lo.
Até hoje.
Hoje
uma estranha urgência bulia-lhe o peito. Estranha porque o fazia sentir-se
irrequieto, que era o avesso de seu humor normal, de costume ensimesmado e
avarento de ilusões. Havia começado de repente, esta urgência, este sobressalto
que lhe dizia baixinho “vai...a vida foge...anda...”
“Um pé
à frente do outro...”, pensou, “ o que pode haver de tão arriscado nisto?...”
E assim
ele começou.
Jamais andara por caminhos como aquele. Seus percursos na vida
tinham sido cuidadosamente planejados, seguros e precisos, sem os acasos das
curvas nem a dúvida das rotundas. O destino aparecia-lhe sempre à frente,
desprovido de alarmes, domesticado pela vontade.
Olhou à
frente. Respirou fundo. O ar que encheu-lhe os pulmões soube ligeiramente a
funcho e manjerico. O perfume aumentou-lhe o alvoroço. E começou a andar.
Aos
poucos, foi-se acostumando à rudeza das pequenas pedras que se misturavam à
poeira do chão, uma que outra espetando-lhe o pé. Depois de algum tempo, já
sentia prazer no caminhar resoluto, desfrutando o ar fino da manhã quase a
pino, um sol gentil de primavera aquecendo-o com doçura.
Mas, o
que na realidade o intrigara desde que dera os primeiros passos era o contínuo
cambiar da paisagem, antes tão familiar. À medida que os volteios da estrada
iam sendo percorridos, a perspectiva remexia os ângulos, revelava nuances
inéditos que sua imobilidade anterior negava.
Assim,
insuspeitados campos de flores passaram a surpreendê-lo, bosques aconchegados
em pequenos regatos surgiam num aceno. Até a serra azul agora mostrava-lhe sua
verdura pujante.
Pela
primeira vez na vida, não sabia para onde estava indo. Mas ia, sem resistências
maiores, ligeiramente inebriado pelo sabor do vento em seu rosto, pelas cores
que salpicavam a campina. Ia, sim. E era bom ir.
À
frente, houve chuva. Houve também sudoeste seco, escaldante como um simum do
deserto. Geadas cristalizaram a relva das margens e depois derreteram-se como
lágrimas que a brisa borrifou em seu rosto. Viveu as estações e os desatinos do
tempo. Quando o céu se zangava, sentia um arrependimento ligeiro, logo afastado
pelas estrelas que brilhavam limpas pela tempestade
Ao fim
do caminho, nem precisou olhar para trás. Chegara. Nem pensou no que teria sido
se tivesse permanecido no ponto de partida, na segurança da paisagem imutável,
do amanhã assegurado por um pacto de submissão à sorte.
Estava
queimado de sol, curtido de vento, rijo de tanto andar. Olhou em torno. Eram as
margens de uma lagoa azulada, cercada de palmas, um oásis que se espreguiçava
ao poente.
Sentou-se,
cansado mas feliz. E escreveu na areia.
“HÁ
SEMPRE UM CAMINHO. SIGA-O, ANTES QUE DESAPAREÇA NO ONTEM. E, SE LER ESTA
MENSAGEM, TERÁ AQUI CHEGADO E DESCOBERTO QUE A VIDA NÃO É PARA SER VISTA DE LONGE...”
Oswaldo
Pereira
Julho
2013
Grande Oswaldo
ResponderExcluirTenho lido sempre seus textos que admiro muito, mas esse de hoje está especialmente bonito.
Zé Correa