terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

EFEITO CHINA

Em 1994, participei, na sede brasileira do Citibank em São Paulo, de um encontro com o Sr. John Reed, à época Presidente do Citicorp e um dos executivos mais influentes do planeta. Éramos uns vinte convidados, cada um representando seu setor, num quadro amplo que reunia praticamente todos os principais componentes das áreas industrial, comercial e financeira do país. A ideia era dar ao administrador do mega banco multinacional uma visão o mais completa possível da situação político-econômica do Brasil.

John Reed era um tipo naturalmente simpático, com uma cara de garoto que camuflava o fato de ter mais de cinquenta anos. Falava algum português, um bom espanhol, pois passara boa parte de sua idade escolar aqui e na Argentina, e, naquela tarde, desempenhou seu papel de anfitrião com maestria, demonstrando um conhecimento aprofundado do que se passava por estas bandas.

Após cada um de nós ter discorrido sobre as atividades de sua área, ele resolveu falar um pouco sobre sua rotina de trabalho, que lhe impunha viajar ao exterior durante quatro meses em cada doze, para visitar os países onde o Citibank estava presente, o que era o mesmo que dizer - o mundo.

E disse-nos ele, que, no ano anterior, fora pela primeira vez à China, onde Citibank acabara de instalar a primeira agência. Dada a importância do evento, considerado pela opinião internacional como um sintoma de que o país se desgrudava da cartilha ortodoxa do comunismo, convidaram-no para uma entrevista com o então primeiro-ministro chinês, Deng Xiaoping.
Foi nessa reunião, logo após serem cumpridas as formalidades iniciais, que Xiaoping surpreendeu Reed com a seguinte pergunta:
“Mr. Reed, o senhor já deve ter percebido que a China marcha para o Capitalismo. Como um dos maiores representantes do Capitalismo mundial, o que o senhor tem para aconselhar-me?”

Totalmente off guard, Reed falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça:
“Senhor Primeiro-Ministro, não deixe que o automóvel tome conta da China.”
Vendo a nossa divertida estranheza com a resposta dada (não tão divertida da parte do representante das montadoras), ele esclareceu:
“Eu só ficava imaginado o tamanho da sucata de pneus se os chineses resolvessem adotar o lema de Henry Ford na década de 1920 – cada americano, um carro”.

Desde esse dia, eu passei a perceber que toda atividade comportamental ganha nova dimensão quando a aplicamos à China. E que tudo o que pensamos para o futuro da Terra não será verdadeiro se não incluirmos o fator chinês na equação.

Todo mundo conhece aquela historinha, presente em quase todos os almanaques “Você sabia?...” de anos atrás, informando que, se todos os chineses subissem num banco de um metro de altura e pulassem para o chão ao mesmo tempo, o impacto faria a Terra deslocar-se de seu eixo. Embora impraticável, dá para pensar.

A China deve ultrapassar brevemente a marca de 1,4 bilhão de habitantes. Quer brincar um pouco com os números? Se apenas 10% da população resolvesse tomar uma garrafa de vinho por semana, a demanda representaria 30% da produção semanal da bebida em todo o mundo. Se decidissem fumar um charuto, não haveria suficiente para todos, mesmo se a fabricação mundial lhes fosse dirigida exclusivamente. É claro que estes sofisticados hábitos estão ainda muito além do dia a dia do cidadão comum, e talvez nem um décimo dos chineses os adquirirá num próximo tempo. Mas, e se?...

Desde 1978, o país cresceu 90 vezes em termos econômicos. Entre 1981 e 2001, a taxa de pobreza da China caiu de 56% para 8%. Hoje, há 800 milhões de telefones celulares e 120 milhões de internautas. Mais de 10 mil PhD´s graduaram-se em 2009 e, no mesmo ano, 121 mil trabalhos científicos foram publicados. Os conservatórios de música formaram, no ano passado, 30 mil alunos em nível de concertista; é provável, portanto, que cada vez mais estaremos aplaudindo pianistas, violinistas e maestros chineses, assim como já hoje verificamos divertidos que desde monitores até meias de lã estamos sempre comprando algo “made in China”.

Por fim, em 2011 foram vendidos naquele país 40 milhões de carros. E, premonitoriamente, nos seus 65 mil quilômetros de estradas morreram 62.000 pessoas. Acho que nem Reed, preocupado com as sucatas de pneu, poderia prever isto. E estamos só começando...
Oswaldo Pereira
Fevereiro 2013

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