É tempo de
Abraham Lincoln. Toda vez que Steven Spielberg escolhe um tema, o assunto ganha
proeminência mundial. Dinossauros revividos, extraterrestres desgarrados, Oskar
Schindler, o soldado Ryan, e até o cartoon
Tintin, invadem a mídia impulsionados pelo sucesso das suas produções
cinematográficas.
Não que o
Presidente americano precise disto para melhorar sua estória. É uma das figuras mais emblemáticas de seu país, dirigindo-o
durante o seu mais crucial período, levando-o ao precipício de uma sangrenta
guerra civil para, de lá, extrair uma nação amadurecida pelo sofrimento e
disposta a defender os princípios pelos quais havia sido criada.
Como sempre, o
filme (Lincoln) é um blockbuster, milhões de dólares de
trabalho esmerado, elenco de primeira e com doze indicações para o Oscar. Como
acho que conheço os humores da Academy, depois
de uns bons quarenta anos assistindo religiosamente à cerimônia de premiação, desconfio
que três, pelo menos, são “barbada”: melhor filme, melhor ator (Daniel
Day-Lewis) e melhor roteiro (do “cobra” Tony Kushner).
Entretanto, por
concentrar a narrativa nos últimos quatro meses de vida do personagem-título, o
filme aborda apenas de passagem (logo no
início, alguns soldados que dialogam com o Presidente citam algumas frases)
uma das mais extraordinárias manifestações intelectuais de Lincoln – o discurso
que ele proferiu no dia 19 de novembro de 1863, em Gettysburg, na cerimônia de
consagração do local onde estavam sepultados os milhares de soldados mortos na
célebre batalha.
Fora uma
programação longa, com orações, música sacra, várias intervenções. Só o
pronunciamento do senador Edward Everett, que precedeu a fala do Presidente,
levara mais de duas horas. As pessoas ainda se ajeitavam na multidão, procurando
um ângulo melhor para ver Lincoln, quando ele levantou-se e, em pouco mais de
dois minutos, leu o seu discurso e sentou-se. O estranhamento foi geral. Teria
ele esquecido o resto? Sentira-se mal? Ele próprio, horas mais tarde, no trem
que o levava de volta a Washington, tinha a sensação de que o seu speech fora um fiasco.
Mas quando, nos
dias seguintes, os jornais publicaram o sucinto texto, as pessoas descobriram o
enorme significado das suas palavras, que a preciosa concisão de Lincoln havia
condensado em menos de uma página.
É a mais curta
mensagem oficial de um Presidente de todas as épocas e de qualquer país. Mas, é
uma das mais conhecidas da História e uma das mais inspiradoras de todos os
tempos.
Aí vão ela e a
sua tradução.
“Four score and seven years ago our fathers
brought forth on this continent a new nation conceived in liberty and dedicated
to the proposition that all men are created equal.
Now we are engaged in a great civil war, testing whether that nation, or
any nation so conceived and so dedicated, can long endure. We are met on a great battlefield of that
war. We have come to dedicate a portion
of that field, as a final resting place for those who here gave their lives
that that nation might live. It is
altogether fitting and proper that we should do this. But, in a larger sense, we can not dedicate,
we can not consecrate, we can not hallow, this ground. The brave men, living and dead, who struggled
here, have consecrated it, far above our poor power to add or detract. The world will little note, nor long remember
what we say here, but it can never forget what they did here. It is for us the living, rather, to be
dedicated here to the unfinished work which they who fought here have thus far
so nobly advanced. It is rather for us
to be here dedicated to the great task remaining before us – that from these
honored dead we take increased devotion to that cause for which they gave us
that last full measure of devotion – that we here highly resolve that these
dead shall not have died in vain – that this nation, under God, shall have a
new birth of freedom – and that the Government of the people, by the people,
for the people shall not perish from the earth.”
Há oitenta e sete anos, nossos pais criaram neste
continente uma nova nação, concebida em liberdade e dedicada ao princípio de
que todos os homens são criados iguais.
Hoje, estamos engajados numa grande guerra civil, verificando
se essa nação, ou qualquer nação assim concebida e assim dedicada, pode
perdurar por muito tempo. Estamos aqui reunidos num grande campo de batalha
desta guerra. Nós viemos para consagrar uma porção deste campo como lugar de
repouso àqueles que aqui deram suas vidas para que aquela nação pudesse
subsisitir. É inteiramente adequado e apropriado que assim o façamos. Mas, num
sentido mais amplo, nós não podemos dedicar, não podemos consagrar, não podemos
santificar este chão. Os bravos homens, vivos ou mortos, que aqui lutaram, o
consagraram muito acima do nosso pobre poder de somar ou subtrair. O mundo pouco
notará, nem se recordará por muito tempo, do que aqui dissermos, mas jamais se
esquecerá do que eles aqui fizeram. Na verdade, nós, os vivos, é que temos que
nos dedicar à inacabada missão que aqueles que aqui combateram tão nobremente
iniciaram. É para nós os vivos, na verdade, a missão de nos dedicarmos à imensa
tarefa que temos pela frente – que destes honrados mortos nós herdemos a imensa
devoção à causa pela qual eles nos deram a sua última e total medida de devoção
– que aqui decidamos firmemente que eles não morreram em vão – que esta nação,
sob Deus, tenha um novo nascimento de liberdade – e que o Governo do povo, pelo
povo, para o povo não desapareça da Terra.
Genial, não?
Oswaldo Pereira
Fevereiro 2013
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaro Oswaldo, como disse em meu post sobre o filme, Lincoln é meu ídolo desde a mais tenra infância, quando fiquei chocado com o assassinato de Kennedy (lembro-me até hoje daquele dia, quando não tinha nem completado 5 anos), e soube de um outro presidente americano que havia sido assassinado por ter libertado os negros da escravidão... Pouco estudei sobre ele, mas era uma admiração à distância!! Spielberg nos propiciou conhecer um pouco mais de sua faceta política. Minha filha Renata (você precisa ter o livro dela) está lendo agora o livro no qual o filme foi baseado, ela também fã número 1 do Father Abraham (como cantam no filme) e está cada vez mais apaixonada!! Grande post!! Não conhecia esse discurso!! Grande abraço!!
ResponderExcluirSempre leio e releio.....continua com o dom de se expressar de uma forma clara e concisa nos levando naturalmente a ficar envolvidos no tema sem conseguir parar de ler
ResponderExcluirDelicioso e indispensável este texto. Aguardo ansiosamente e orgulhosamente os novos "posts"
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