sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

PRECIOSA CONCISÃO



É tempo de Abraham Lincoln. Toda vez que Steven Spielberg escolhe um tema, o assunto ganha proeminência mundial. Dinossauros revividos, extraterrestres desgarrados, Oskar Schindler, o soldado Ryan, e até o cartoon Tintin, invadem a mídia impulsionados pelo sucesso das suas produções cinematográficas.

Não que o Presidente americano precise disto para melhorar sua estória. É uma das figuras mais emblemáticas de seu país, dirigindo-o durante o seu mais crucial período, levando-o ao precipício de uma sangrenta guerra civil para, de lá, extrair uma nação amadurecida pelo sofrimento e disposta a defender os princípios pelos quais havia sido criada.

Como sempre, o filme (Lincoln) é um blockbuster, milhões de dólares de trabalho esmerado, elenco de primeira e com doze indicações para o Oscar. Como acho que conheço os humores da Academy, depois de uns bons quarenta anos assistindo religiosamente à cerimônia de premiação, desconfio que três, pelo menos, são “barbada”: melhor filme, melhor ator (Daniel Day-Lewis) e melhor roteiro (do “cobra” Tony Kushner).

Entretanto, por concentrar a narrativa nos últimos quatro meses de vida do personagem-título, o filme aborda apenas de passagem (logo no início, alguns soldados que dialogam com o Presidente citam algumas frases) uma das mais extraordinárias manifestações intelectuais de Lincoln – o discurso que ele proferiu no dia 19 de novembro de 1863, em Gettysburg, na cerimônia de consagração do local onde estavam sepultados os milhares de soldados mortos na célebre batalha.

Fora uma programação longa, com orações, música sacra, várias intervenções. Só o pronunciamento do senador Edward Everett, que precedeu a fala do Presidente, levara mais de duas horas. As pessoas ainda se ajeitavam na multidão, procurando um ângulo melhor para ver Lincoln, quando ele levantou-se e, em pouco mais de dois minutos, leu o seu discurso e sentou-se. O estranhamento foi geral. Teria ele esquecido o resto? Sentira-se mal? Ele próprio, horas mais tarde, no trem que o levava de volta a Washington, tinha a sensação de que o seu speech fora um fiasco.

Mas quando, nos dias seguintes, os jornais publicaram o sucinto texto, as pessoas descobriram o enorme significado das suas palavras, que a preciosa concisão de Lincoln havia condensado em menos de uma página.

É a mais curta mensagem oficial de um Presidente de todas as épocas e de qualquer país. Mas, é uma das mais conhecidas da História e uma das mais inspiradoras de todos os tempos. 

Aí vão ela e a sua tradução.

 Four score and seven years ago our fathers brought forth on this continent a new nation conceived in liberty and dedicated to the proposition that all men are created equal.
Now we are engaged in a great civil war, testing whether that nation, or any nation so conceived and so dedicated, can long endure.  We are met on a great battlefield of that war.  We have come to dedicate a portion of that field, as a final resting place for those who here gave their lives that that nation might live.  It is altogether fitting and proper that we should do this.  But, in a larger sense, we can not dedicate, we can not consecrate, we can not hallow, this ground.  The brave men, living and dead, who struggled here, have consecrated it, far above our poor power to add or detract.  The world will little note, nor long remember what we say here, but it can never forget what they did here.  It is for us the living, rather, to be dedicated here to the unfinished work which they who fought here have thus far so nobly advanced.  It is rather for us to be here dedicated to the great task remaining before us – that from these honored dead we take increased devotion to that cause for which they gave us that last full measure of devotion – that we here highly resolve that these dead shall not have died in vain – that this nation, under God, shall have a new birth of freedom – and that the Government of the people, by the people, for the people shall not perish from the earth.”  

Há oitenta e sete anos, nossos pais criaram neste continente uma nova nação, concebida em liberdade e dedicada ao princípio de que todos os homens são criados iguais.
Hoje, estamos engajados numa grande guerra civil, verificando se essa nação, ou qualquer nação assim concebida e assim dedicada, pode perdurar por muito tempo. Estamos aqui reunidos num grande campo de batalha desta guerra. Nós viemos para consagrar uma porção deste campo como lugar de repouso àqueles que aqui deram suas vidas para que aquela nação pudesse subsisitir. É inteiramente adequado e apropriado que assim o façamos. Mas, num sentido mais amplo, nós não podemos dedicar, não podemos consagrar, não podemos santificar este chão. Os bravos homens, vivos ou mortos, que aqui lutaram, o consagraram muito acima do nosso pobre poder de somar ou subtrair. O mundo pouco notará, nem se recordará por muito tempo, do que aqui dissermos, mas jamais se esquecerá do que eles aqui fizeram. Na verdade, nós, os vivos, é que temos que nos dedicar à inacabada missão que aqueles que aqui combateram tão nobremente iniciaram. É para nós os vivos, na verdade, a missão de nos dedicarmos à imensa tarefa que temos pela frente – que destes honrados mortos nós herdemos a imensa devoção à causa pela qual eles nos deram a sua última e total medida de devoção – que aqui decidamos firmemente que eles não morreram em vão – que esta nação, sob Deus, tenha um novo nascimento de liberdade – e que o Governo do povo, pelo povo, para o povo não desapareça da Terra.
Genial, não?

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2013

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Caro Oswaldo, como disse em meu post sobre o filme, Lincoln é meu ídolo desde a mais tenra infância, quando fiquei chocado com o assassinato de Kennedy (lembro-me até hoje daquele dia, quando não tinha nem completado 5 anos), e soube de um outro presidente americano que havia sido assassinado por ter libertado os negros da escravidão... Pouco estudei sobre ele, mas era uma admiração à distância!! Spielberg nos propiciou conhecer um pouco mais de sua faceta política. Minha filha Renata (você precisa ter o livro dela) está lendo agora o livro no qual o filme foi baseado, ela também fã número 1 do Father Abraham (como cantam no filme) e está cada vez mais apaixonada!! Grande post!! Não conhecia esse discurso!! Grande abraço!!

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  3. Sempre leio e releio.....continua com o dom de se expressar de uma forma clara e concisa nos levando naturalmente a ficar envolvidos no tema sem conseguir parar de ler

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  4. Delicioso e indispensável este texto. Aguardo ansiosamente e orgulhosamente os novos "posts"

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