Pois
é. Mais uma vez, foi só uma profecia. Furada. Como todas as outras, cometas
assassinos, asteroides apocalípticos, ano 2000, maldições, pestes, holocausto
nuclear, terremotos e tsunamis. Desta vez, já meio escaldada, a maioria desdenhou,
deu uma de esclarecida.
“Eu? Claro que
não, gata. Acha que eu sou otário?”
“Que é isso,
chefe. Já sou crescidinha para acreditar nesta baboseira.”
Mas,
e na hora em que, na véspera, o relógio se aproximou solene da meia-noite, será
que todo mundo segurou as pontas com a mesma galhardia? Mais alguns minutos, e
o dia 21 iria começar. E se os sacanas dos maias estivessem certos? E se, desta
vez, a coisa fosse para valer, o mundo desintegrando-se numa bola de fogo, os
céus enchendo-se de fuligem atômica, a grande onda engolindo prédios, ruas,
vidas...
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Ela acorda. Estende
o braço para o lado, mas a outra metade da cama está vazia.
«Zé?...»
Nada. Ela vê a barra
iluminada da fresta como uma régua de luz na escuridão.
«Zé?... O que cê tá fazendo aí no banheiro?..»
Silêncio. Ela
levanta-se, tropeça no chinelo.
«Merda!..»
Vai até a porta. Força o trinco. Está trancada.
Bate duas vezes, devagar.
«Zé...tá tudo
bem?...»
Um barulho no trinco. Ela empurra mais um pouco. Dá um grito.
«ZÉ!...»
O marido está nu, sentado no ladrilho do chão em posição de lotus, velas em profusão em cima do
lavatório, da privada, do cesto de roupa, um pau de incenso queimando num
pequeno copo azulado. Ela grita novamente.
«ZÉ! O que é isso?! Tá
querendo botar fogo na casa?»
Ele volta o rosto para a porta. Está trêmulo, com os olhos
cheios d´água.
«Ai amor... é quase meia-noite... amanhã é 21... vai acabar,
meu Deus, vai acabar...», soluça.
Ela não quer acreditar no que vê.
«Zé... você surtou?... Hoje mesmo lá no bar você se pavoneou
para os seus amigos dizendo que isso de acreditar no fim do mundo era coisa de
viado. Até chamou o Manoel de babaca quando ele tentou argumentar que os
maias...»
«É... eu sei...mas bateu agora uma tremenda paura. E se os caras estiverem
certos?...vamos morrer todos... ah! meus santos Cosme e Damião, meu São Jorge,
valei-me pelo amor de Deus». Lágrimas escorrem pelo rosto contraído. Ela se
exaspera.
«Zé, para com isso, cara! Que coisa idiota. Apaga estas
velas antes que aconteça um desastre. Está enchendo o quarto com esse cheiro de
igreja, cacete». Tenta puxá-lo pelo braço. Ele resiste.
«Não, me deixa ficar aqui. Tenho de rezar, pedir perdão
pelos meus pecados. Não vê que amanhã é o Dia do Juízo Final?». Ela fica
olhando para ele, abanando a cabeça.
«OK, se você quer ficar aí em vez de dormir como todo mundo
normal, fica. Que ridículo...»
Bate a porta com raiva. “Não vou mais conseguir ir para a
cama com esse maluco aí no banheiro...”, pensa, contrariada.
Vai caminhando até a sala. No escuro, o relógio digital da
aparelhagem de som informa que são 23:55. Caminha até a janela. Do sexto andar
onde mora, ainda consegue ver, entre dois prédios, um pouco da praia e da
imensa noite, pairando sobre o silêncio que vem das ruas. Era como se o tempo
tivesse parado. Ela olha de novo para o relógio. 23:59. De repente, uma estrela
cadente risca o céu escuro.
Ela volta correndo para o banheiro. Abre a porta num
rompante.
«Zé...ZÉ...chega um pouco prá lá e acende mais duas velas, meu amor...»
Oswaldo Pereira
Fevereiro 2013
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