Nunca se saberá ao certo. Se for verdade que todas as mais
geniais invenções nasceram de algo que deu errado, fica-se imaginando qual
sequencia de atos falhos determinou que o homem esmagasse as primeiras uvas,
deixasse o líquido fermentar, e decidisse bebê-lo.
Qualquer que tenha sido o motivo, acaso, descuido ou sorte, essa
feliz coincidência, que deve ter ocorrido por volta de 7000 a.C. à sombra do
Cáucaso, mudou dramaticamente a maneira de a humanidade tratar duas de suas
funções mais básicas – beber e comer.
Atravessando a Ásia
Menor, levada pela marcha da civilização, a prática aprimorou-se e foi
conquistando mesas e hábitos, dos mais simples aos mais sofisticados, dos mais
profanos aos mais sagrados. Deu origem a, pelo menos, um deus mitológico, regou
vários rituais, tornou-se indispensável em todas as celebrações, das bacanálias
à Última Ceia.
Hoje, seja na mais modesta tasca ou no mais real dos salons, colorindo copos de vidro ou cálices
de cristal com cores que vão do suave amarelo ao carmim rútilo, todo vinho tem
sempre sua história para contar.
Porque, das planícies de onde nasceu até estes primórdios do
terceiro milênio, o processo descoberto talvez sem querer passou por muitos
aperfeiçoamentos. Atualmente, é uma arte, cujos artífices procuram o melhor
casamento entre cepa, solo e sol, e fazer com que dele surja a verdadeira voz
do terroir, a inquestionável alma do
vinhedo. E, é só o começo.
A partir daí, o caráter final do líquido que vai ser aprisionado
nas garrafas e entregue a um consumidor, cujo ávido paladar pode estar do outro
lado do mundo, vai ser produto de várias escolhas. Ele poderá ser um varietal
egoísta em sua individualidade, ou um concerto de castas e famílias de uvas, em
combinações incalculáveis. Poderá estagiar por períodos diversos em contato com
madeiras de outros países. Dependendo dos caprichos do tempo, talvez nem tenha
nome em anos maus. Viajará muito ou pouco, bem ou mal. Será guardado com
carinho e preceito ou abandonado à sua sorte.
Estas são as histórias que ele contará, a você, no momento em
que tirar a rolha, deixar que ele respire o novo ar; no ponto em que ele vazar voluptuosamente
para dentro do seu copo; no instante em que você sentir seu perfume, examinar
sua cor; na hora em que ele tocar os seus lábios.
E, se o que ele tiver para contar o fizer sorrir, feche os olhos
e agradeça a todos os seus deuses pela dádiva.
Fevereiro 2013
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