quinta-feira, 29 de setembro de 2022

TEMPESTADE

 


É de sabedoria comum que, nos dias atuais, uma falha solitária não derruba um avião. Só a conjunção de algumas delas pode interromper um voo e causar um desastre. Assim também, incêndios florestais de grande porte só ocorrem se a fórmula 30/30/30 (mais de 30 graus centígrados de temperatura ambiente, menos de 30% de umidade do ar e ventos acima dos 30 nós) for verificada.

Tempestades perfeitas não acontecem por acaso. São obra de um conjunto de coincidências nefastas, cuja sobreposição num mesmo momento desencadeia uma catástrofe ambiental de consequências trágicas.

Isto me veio à cabeça no amanhecer chuvoso deste dia nublado. E, se você parar um pouco para pensar, vai sentir um leve arrepio ao fazer uma lista de algumas coincidências inquietantes que hoje afloram, aqui e ali, em nosso atribulado planeta. Quer conferir a lista?

.na Rússia, temos um presidente acuado, dono de um considerável porrete nuclear, que não gosta muito nem de blefes e nem que mexam no seu quintal;

.na China, há um líder com mais poder do que qualquer antigo Imperador Ming jamais teve, cuja agenda contempla nada menos do que levar seu país ao posto de nação mais poderosa do mundo;

.nos Estados Unidos, o comando está nas mãos de um homem com alguns sinais de senilidade, com problemas incômodos de liderança interna e disposto a compensar tudo isso com uma retórica externa extremamente belicosa;

.na liderança do Mercado Comum Europeu, encontramos uma senhora que gosta de vociferar ameaças de sanções contra os russos, aparentemente sem se importar com o fato de que o seu bumerangue vai retornar com mais força e que o inverno se aproxima do Hemisfério Norte;

.na chefia da OTAN, existe um legítimo falcão militar, deleitado com o aumento de seu arsenal, proporcionado pelos americanos, e ansioso para usar os seus brinquedinhos bélicos;

.na Ucrânia, imersa num conflito cruel e já demasiado longo, a cena é dominada por um ator que se viu de repente como protagonista no maior palco que se podia desejar – o mundo inteiro;

.na Europa, um punhado de dirigentes políticos vê-se tonto e desorientado, sem saber como sair da enrascada em que meteram seus países e como se preparar para um longo período de vacas emagrecidas por suas próprias decisões inconsequentes;

.na Coreia do Norte, já sabemos, um imprevisível herdeiro de uma dinastia de implacáveis ditadores continua se divertindo com seus foguetes e suas ameaças;

.no eternamente instável Oriente Médio, um Irã nuclear pode baralhar o delicado xadrez cujo tabuleiro tem à volta talibãs, xiitas, sunitas, curdos, vários grupos terroristas – e mais Israel;

.na América Latina, uma eleição pode determinar a queda do último baluarte conservador da região, deixando terreno mais que livre para a hegemonia da esquerda social-comunista, com inevitáveis consequências para o balanço político do continente.

Há mais? Deve haver. Mas, eu prefiro parar por aqui. Acho que vai chover. Um boa noite de sono para todos.  Se conseguirem...

Oswaldo Pereira
Setembro 2022

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

BOND 60 (34): LICENCE TO KILL (PARTE II)




Licence To Kill foi o primeiro filme da série a ser filmado inteiramente fora do Reino Unido. Aumento dos impostos na Inglaterra iria fazer com que, ao invés de nos Estúdios da Pinewwod, a produção fosse realizada, além de locais na Florida e na Baja California, no Estúdio Churubusco, no México.

A mudança até ajudou, pois toda a ação envolve os meandros do contrabando de cocaína que, já no final da década de 1980, era a principal preocupação dos órgãos antidroga americanos, com ramificações em vários países da América Latina e participação de políticos importantes, como o Presidente do Panamá, Manuel Noriega, inimigo público número um do FBI. Dizem até que, por causa de seu rosto marcado pela acne, como o do presidente panamenho, o ator Robert Davi foi escolhido para o papel de Franz Sánchez, o principal vilão do filme. Assim também, a fictícia Republica de Isthmus tem tudo a ver com o país da América Central (em tempo: o Panamá É um istmo). E a bandeira tem as mesmas cores do pavilhão da Nicarágua...

Davi foi o responsável pela indicação de Talisa Soto para uma das Bond girls, Lupe, a amante de Sánchez. Carey Lowell fez Pam Bouvier, o outro papel feminino. O filme traz um iniciante Benício del Toro (que iria ganhar o Oscar de Coadjuvante em 2000, por sua atuação em Traffic) como Dario, o assecla de Sánchez.

ROBERT DAVI (SÁNCHEZ) & BENICIO DEL TORO (DARIO)


David Hedison aparece como Felix Leiter dezesseis anos depois de ter feito o mesmo personagem em Live And Let Die. Com 61 anos, sua escalação foi inicialmente posta em dúvida pelo produtor Cubby Broccoli e pelo diretor John Glen, haja vista que saltos de paraquedas faziam parte do script. Uma certa premonição pois, na cena em que Leiter e Bond saltam para chegar à igreja onde se realiza o casamento do agente americano com Della, o equipamento de Hedison deu problema e ele machucou a perna. Ficou mancando durante o resto das filmagens...

Outras participações curiosas foram a de Wayne Newton, cantor e showman americano (intérprete do sucesso Red Roses for a Blue Lady), que insistiu com os produtores para aparecer num Bond (ele é o pastor charlatão Joe Butcher) e a de Pedro Armendariz Jr., filho do ator que interpretara Ali Karim Bey em From Russia With Love.

Por questões de saúde (havia sofrido uma ruptura do esôfago) John Barry não pôde dirigir a parte musical de Licence To Kill. Michael Kamen substituiu-o.  A canção título é de Gladys Knight, que faz uma homenagem a Goldfinger, usando as inesquecíveis fanfarras iniciais do lendário tema. Se desejar ouvir, clique neste  LINK .

Timothy Dalton havia sido contratado para, em princípio, trabalhar em três Bonds. Logo após o lançamento de Licence To Kill, em junho de 1989, a terceira produção com sua presença já estava sendo cogitada. Entretanto, uma longa batalha legal entre a UA e a EON iria postergar as filmagens de mais um filme de 007 até 1993. Quando, finalmente, a questão foi resolvida, Dalton iria, para surpresa de todos, abandonar o papel.

Licence To Kill iria também marcar a despedida de importantes personalidades, cuja imagem estava intimamente ligada à história da franquia. Foi o último filme do diretor John Glen; Robert Brown encarnou M pela última vez e Caroline Bliss, sua última Moneypenny. Lamentavelmente, Maurice Binder, o mago das imagens de abertura de todos os Bonds até então, e Richard Maibaum, o veterano roteirista, também disseram adeus, falecidos ambos em 1991. E Albert “Cubby” Broccoli, que morreria em 1996, não veria o próximo capítulo da saga.

Novamente, o posto estava vago. James Bond Will Return, a frase final, iria parecer uma promessa vaga. Seriam seis anos de intervalo.

(continua)

Oswaldo Pereira

Setembro 2022

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

BOND 60 (33): LICENCE TO KILL (PARTE I)

 


Licence Revoked (Licença Revogada). Este seria o título do décimo sexto filme de James Bond, o primeiro que não utilizaria nenhum nome dos livros de Ian Fleming. Mas, como nos Estados Unidos a expressão poderia ser associada à perda da carteira de motorista, a EON resolveu mudar e, em 1989, lançou Licence To Kill, um roteiro inteiramente escrito por Michael G. Wilson e Richard Maibaum.

A pré-sequência começa com Bond e Felix Leiter, seu amigo da CIA, indo para o casamento deste em Key West. No caminho, entretanto, são interceptados por agentes da DEA (a Agência americana de combate às drogas), que informam Leiter da presença de um dos mais procurados chefões do tráfico, chamado Franz Sanchez, nas Bahamas. Levando Bond como observador, Leiter parte para a captura do bandido. Com a ajuda de 007, o agente da CIA consegue prender Sanchez e os dois finalmente chegam, com algum atraso, à igreja para o enlace. Se desejar ver a cena da captura de Sanchez, clique neste    LINK       .

Sanchez, entretanto, suborna Ed Killifer, um detetive da DEA, e consegue escapar. Sob suas ordens, seu assecla Dario e mais dois comparsas vão até a casa de Leiter e atacam o casal. Felix é levado para um armazém e jogado num fosso onde sofre o ataque de tubarão branco.  Quando Bond toma conhecimento da fuga do traficante, parte imediatamente para a casa de Leiter, onde encontra Della, a noiva, estuprada e morta e Felix gravemente ferido.

Dominado pelo desejo de vingança, Bond parte para ajustar as contas com Sanchez, conseguindo descobrir o armazém de propriedade de Milton Krest, um sócio de Sanchez, onde Leiter fora torturado. Lá, ele acha Killifer, e dá a ele o mesmo tratamento que Feliz recebera nas mãos dos bandidos. Entretanto, o MI6 decidira que Bond deveria abandonar o caso nas mãos dos americanos e seu chefe M o encontra em Key West, onde o ordena a partir para outra missão em Istambul. Bond se rebela e é demitido por M, que revoga sua qualificação como agente com licença para matar.

Agindo agora por conta própria, Bond vai atrás de um carregamento de droga que Milton Krest está levando para Sanchez em seu barco Wavekrest, impede a operação e ainda foge com os cinco milhões de dólares pertencentes ao traficante. Descobrindo, entre os dados arquivados por Leiter num disquete, que a assistente dele, a pilota e agente da DEA Pam Bouvier, está também atrás de Sanchez, Bond vai encontra-la em um bar em Bimini e os dois resolvem unir suas forças (entre outras coisas...)

Por Pam, Bond fica sabendo que Sanchez está em Isthmus, uma republiqueta governada por um generalíssimo corrupto totalmente dominado por Sanchez. Em tempo, o país fictício tem tudo a ver com a Nicarágua, inclusive nas cores da bandeira... Os dois para lá vão, com Bond travestido de um endinheirado assassino profissional e Pam como sua secretária. Usando os cinco milhões de dólares (equivalente hoje a dez vezes mais) para fazer um depósito no Banco de Isthmus, de propriedade de Sanchez, Bond usa a quantia para jogar pesado na mesa de baccara no cassino do traficante e chamar sua atenção, dele e de sua amante, Lupe, que, às escondidas, resolve ajudar Bond para que, em troca, ele a livre das garras do bandido.

Levado à presença do vilão, Bond o convence a contratar seus serviços e aproveita para examinar o local, com vistas a preparar o cenário para matar Sanchez. Sua tentativa, entretanto, é interrompida pelo ataque de agentes antidroga de Hong Kong, que queriam pegar Sanchez vivo. Dominado pelos orientais, Bond é levado prisioneiro para um esconderijo dos agentes. Mas, o local é invadido pelas forças de Sanchez, que eliminam todos os ocupantes. Quando encontra Bond amarrado, Sanchez se convence da sua lealdade e resolve aceita-lo como colaborador.

Usando vários estratagemas, Bond levanta as suspeitas de Sanchez com relação a Krest e, colocando sem que ninguém perceba, os milhões de dólares no Wavekrest, consegue incriminá-lo. Sanchez mata Krest com requintes de crueldade numa câmara de descompressão e Bond vê concretizada, assim, a primeira parte de sua vingança.

Nesse meio tempo, uma grande operação de internacional de comércio de drogas está sendo montada por Sanchez, usando como meio de intermediação para os leilões uma organização pseudo- evangelista liderada por um pastor charlatão. A sede da organização, um imenso templo localizado no deserto, serve de base à distribuição da cocaína, misturada com gasolina para ser indetectável. Sanchez leva um grupo de potenciais compradores do Extremo Oriente ao laboratório para uma demonstração de como a droga pode passar despercebida pelos controles e convida Bond, que agora faz parte do seu círculo íntimo. Lá, entretanto, Bond é desmascarado por Dario, que o vira em companhia de Pam Bouvier em Bimini.

Na luta para escapar, Bond inicia um incêndio no laboratório, mas Dario e Sanchez o dominam e ameaçam jogá-lo no triturador de cocaína. Pam Bouvier, que havia penetrado no templo, chega a tempo de salvá-lo, atirando em Dario. Sanchez consegue fugir num comboio de camiões-tanque que leva a droga. Bond e Bouvier, num monomotor, o perseguem até que, após uma sequência de explosões ao longo de uma estrada, Sanchez e Bond têm o confronto final. Aproveitando que o vilão está com o corpo enxarcado de gasolina, Bond o incendeia usando o isqueiro que ganhara de Felix Leiter no dia do casamento.

O PRESENTE DE LEITER


Tudo termina com Bond sendo readmitido no MI6 e, durante uma festa na suntuosa casa do Presidente de Isthmus, colocado entre a opção de ficar com Lupe ou com Pam, decide por esta última, num romântico final feliz dentro da piscina da mansão.

(continua)

Oswaldo Pereira
Setembro 2022

sábado, 17 de setembro de 2022

O VOTO



De tempos em tempos, assim como nós, também os países chegam a encruzilhadas do destino. São momentos em que parece que a História nos empurra para decisões cruciais, para uma inadiável escolha entre caminhos diametralmente opostos. São acontecimentos que ficarão para os livros, para deleite dos analistas que viverão num amanhã e que, como sempre, irão desenvolver várias teorias e explicações de como e porque uma nação e seu povo enveredaram para um lado e não para o outro. Será assunto para teses, compêndios e, não sei se será porventura o caso, muita polêmica na Web.

Mas, esses analistas estarão olhando pelo retrovisor, para um passado que, para nós, ainda é futuro. Por mais que as pesquisas pretendam nos fazer ver uma realidade que as ruas desmentem, a única coisa que sabemos é que as eleições brasileiras de outubro de 2022 são uma incógnita. E, pelo bem ou pelo mal, uma democrática incógnita.

Democracia, desde que os gregos a inventaram, é a palavra-chave dos anseios políticos da Humanidade. Embora o termo e o conceito tenham nascido na Grécia, na mítica agora, a suposta praça em que todos os cidadãos levantavam suas mãos para apontar seus governantes, a sua VERDADEIRA prática só foi realidade a partir do final do século XVIII. Foi no jovem Estados Unidos da América que seu exercício teve o poder de levar o país o mais próximo possível de um governo do povo, pelo povo e para o povo.

Entendamos bem, entretanto. Democracia não é uma dádiva. E nem uma bênção. Pressupõe uma série de atributos do grupo que a professa. Uma delas, talvez a principal, seja a Educação. Um povo educado tenderá sempre a fazer escolhas mais sábias e, girando num círculo virtuoso, aquelas que propiciarão o aumento e a disseminação de mais educação, e assim por diante. Em meus aborrecidos textos, tenho repetido sempre que, no meu provecto pensar, a Educação tem de preceder a Democracia, sob pena de, num ambiente de baixa civilidade, ser esta um instrumento de opressão e regresso.

Outra necessidade é a vigilância. Não vou aqui repetir a citadíssima frase de Thomas Jefferson, mas, efetivamente, Democracia exige um trabalho incansável de acompanhamento e cobrança. É preciso entender que na base do exercício democrático está o voto. E este nada mais é do que um mandato, uma delegação. Eu, eleitor, delego ao meu candidato representar-me nos diversos níveis da Administração Pública. Se eu não me mantiver atento à atuação de meu mandatário, todo o sentido do voto foi por água abaixo.

Daqui a mais alguns dias, mais de cento e cinquenta milhões de nós iremos às urnas. Não quero entrar aqui na polêmica da confiabilidade do nosso sistema de apuração. É um campo cheio de considerações técnicas que não entendo e, portanto, é-me impossível emitir qualquer opinião. Prefiro acreditar nele, até que alguma prova evidente me mostre o contrário. O que me preocupa mais é o grau de seriedade com que o eleitor brasileiro irá apertar as teclas de sua escolha. Se o fizer com convicção, de acordo com o que seu grau de informação e seu desejo de uma nação feliz e justa, estará praticando o melhor que a Democracia tem a oferecer. Se, ao contrário, usar seu direito apenas como manifestação de mesquinho despeito, de interesses venais contrariados ou, mesmo, de desinteresse, se terá tornado indigno do momento histórico em que vivemos.

Oswaldo Pereira

Setembro 2022

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

MEMÓRIA SELETIVA

 


Nossa memória é seletiva. Por defesa, ou por qualquer outro motivo, ao distanciarmo-nos de algum acontecimento, fato ou experiência, tendemos a enxugar seu lado negativo, amaciar seus defeitos ou prejuízos, colocar uma pátina difusa sobre uma má lembrança. O lado bom sempre perdura mais em nossas recordações.

Estes devaneios, talvez próprios de aposentados sem muito o que fazer, como este que vos aborrece, vieram-me ao ler e ouvir algumas narrativas que tendem a olhar com saudosismos o Século XX. Nestes recentes dias, em que se pranteia a morte de Elizabeth II, um turbilhão de imagens de sua marcante presença nos anos 1900 inspirou muita gente a compará-los com estas primeiras décadas do Terceiro Milênio. E, a mais das vezes, com nítido desfavorecimento ao presente.

Também, não é para menos. Da virada do ano 2000 para cá, muita desgraça acometeu o nosso atribulado mundo. O onze de setembro foi o cartão de visita. Nem bem havíamos guardado as guirlandas e os balões do réveillon dos novos mil anos, e as tremendas imagens das torres desabando nos encheram de horror.

Em sequência, tivemos a renúncia de um Papa, coisa que só acontecera há mais de 400 anos, e que deflagrou uma torrente de vaticínios de mau agouro das cassandras de plantão. Quando outros arautos, estes navegando numa aura cor-de-rosa, previram a chegada de um beatífico período de elevação e bem-aventurança, quem chegou foi o vírus. Uma pandemia que ceifou (até agora) mais de 6 milhões de pessoas, infectou cem vezes mais e confinou quase toda a população do planeta numa quarentena de desesperança e medo.

E agora, no momento em que o mundo começava a novamente respirar sem máscara, a guerra da Ucrânia, com todos os seus ingredientes de crises, conflitos e consequências desastrosas para a economia global, vem azedar o caldo da recuperação. de bom tamanho? E todos suspiram de saudades do formidável Século XX...

Será?

Bem, vamos começar as comparações. Só para medir no taco a taco cronológico, em 1922 já tínhamos amargado o desastre do Titanic, a Primeira Guerra Mundial e a Gripe Espanhola. O naufrágio esfacelara o hubris dos que acreditavam que o século das luzes iria proclamar a vitória do homo sapiens sobre a Natureza. O conflito de 1914-1918 é considerado até hoje como a mais cruel e sanguinária guerra de todos os tempos. E a Pandemia da Espanhola matou mais de 20 milhões.

Se continuarmos para a frente, tivemos a Grande Depressão da década de 1930, mais uma Guerra Mundial, o apocalipse atômico sobre os habitantes de Hiroshima e Nagasaki, genocídios na Armênia, na China, na Rússia, no Cambodia. O Holocausto. A AIDS. No filme The Devil’s Advocate (O Advogado do Diabo), em que Al Pacino magistralmente encarna Satanás na pele de John Milton, um super bem sucedido dono de uma firma de conselheiros legais, há um momento em que ele, divagando sobre a luta pela supremacia do Bem contra o Mal entre ele e Deus, diz: Quem, em sua inteira razão, poderá negar que o Século Vinte foi inteiramente meu?

É claro que o vigésimo primeiro século ainda tem 78 anos pela frente. Pode ser que ainda se recupere e passe à História como um romance de Paz e Amor. Mas, esta análise só poderemos fazer a partir de primeiro de janeiro de 2101...

Oswaldo Pereira
Setembro 2022

domingo, 11 de setembro de 2022

BOND 60 (32): THE LIVING DAYLIGHTS (PARTE II)

 


A mudança de estilo é mais do que evidente.

Essa foi a tônica principal dos comentários e avaliações da crítica, quando o filme foi lançado em junho de 1987, em Londres, com a presença dos príncipes Charles e Diana. E, não foi só o tipo de atuação e o approach empregados por Timothy Dalton em The Living Daylights, em expressivo contraponto ao Bond de Roger Moore. O próprio roteiro define um protagonista mais introspectivo e menos hedonista. A relação entre o agente e Kara Milovy, a principal figura feminina, tende mais para o romance do que para os relacionamentos mais superficiais e sexualmente orientados dos filmes anteriores. É preciso lembrar que, em meados da década de 1980, o flagelo da AIDS estava mudando comportamentos. Promiscuidade era uma palavra a ser evitada.

Richard Maibaum e Michael G. Wilson, mais uma vez, se encarregaram do roteiro, assim como John Glen emplacou a direção de mais um Bond. O filme também marca a ascenção de Barbara Broccoli, a filha de Cubby, na hierarquia da EON, assumindo a coprodução e papel preponderante na escolha do elenco. Foi dela a indicação da inglesa Maryan d’Abo para o papel da violoncelista Kara, uma escalação considerada equivocada pelos aficionados, dada a inexpressividade da atriz britânica. Desmond Llewelyn continuou em seu posto como Q e a inglesa Caroline Bliss assumiu como Moneypenny, no lugar da inesquecível Lois Maxwell.

MARYAN D'ABO (KARA MILOVY)


Embora tendo sido aprovado pelos críticos cinematográficos à época, que consideraram The Living Daylights quase um renascimento da imagem de 007, muitos comentaristas apontaram a fragilidade da interpretação de d’Abo e a inexistência de um grande vilão (nem Joe Don Baker como Brad Whitaker e Jeroen Krabbé como Giorgi Koskov, embora excelentes atores, conseguiram superar as limitações de seus papéis) como pontos negativos. Em termos financeiros, entretanto, o filme foi um sucesso, com uma bilheteria que, até hoje, soma US$ 191 milhões.

The Living Daylights foi a última vez que o maestro John Barry musicou um Bond. Como despedida, ele até aparece no final do filme, regendo a orquestra que acompanha Kara Milovy no seu concerto em Viena. A música título foi uma parceria sua com Pål Waaktaar, do grupo norueguês A-ha, que a interpreta. A trilha, em função da habilidade musical da personagem, inclui vários trechos clássicos.

Mas, mais importante de tudo, Timothy Dalton havia passado no teste. O novo James Bond estava entronizado.

Oswaldo Pereira
Setembro 2022

 

 


quarta-feira, 7 de setembro de 2022

INDEPENDÊNCIA: ÀS MARGENS DO RIACHO...

Sete de setembro, quatro da tarde. A comitiva vinha de Santos.

Era mais uma etapa de um périplo que começara a treze de agosto, dia da partida do Príncipe, que deixara a Corte para apaziguar ânimos na Província de São Paulo. Mas, os ânimos não estavam em paz em lugar algum. Havia uma agitação pressaga, um explodir de conflitos que contrapunha um reino europeu a um país em gestação.

Nos mais de seiscentos quilômetros percorridos por D. Pedro e sua comitiva, nos caminhos e nos lugares de pousada ao longo da estrada, o assunto não fora outro. O empuxo das forças antagônicas, exacerbado desde o momento em que o Príncipe Herdeiro resolvera desobedecer às ordens portuguesas e permanecer no Brasil, caminhava para o seu desfecho.

A comitiva não era grande. Uma guarda de quatorze cavalarianos dos dragões, alguns ajudantes e conselheiros, entre eles o Padre Belchior de Oliveira, a quem o Príncipe tinha em alta estima. Haviam decidido fazer um alto às margens de um riacho, antes de seguir para a capital da Província. Os soldados haviam-se dispersado nas margens para aguar suas montarias e comprar mantimentos numa venda ali perto.

Foi aí que os mensageiros Paulo Bregaro e Antônio Cordeiro encontraram a comitiva. Traziam quatro cartas. De Portugal, vinham duas. Uma das Cortes portuguesas e outra do Rei. Do Rio, as que haviam sido escritas por José Bonifácio e D. Leopoldina. Pressentindo o que estava para escutar, D. Pedro pediu ao padre Belchior que as lesse.

O Príncipe era um homem impulsivo, em nada condizente com seu signo, um libriano explosivo e, se hoje fosse, talvez classificado como bipolar. Com 23 anos, embora temperado pelos deveres do ofício, ainda obedecia aos arroubos da idade. Verdade também seja dita que as pressões que o destino lhe havia imposto nos últimos meses eram um desafio até para o mais cauteloso e comedido governante.

Padre Belchior nem precisou terminar a leitura. O Príncipe arrancou-lhe as cartas portuguesas das mãos, amassou-as e atirou-as ao chão. E agora, Padre?, perguntou. Sua irritação era evidente.  Feria-o principalmente o tom de menosprezo que vinha das Cortes de Lisboa. Chamavam-no de rapazinho. Segundo o relato do próprio Belchior, ele teria continuado. Pois vão ver quem é o “rapazinho”. Não quero mais nada do governo português. Proclamo o Brasil separado de Portugal.

Os soldados da guarda perceberam que algo estava acontecendo e se acercaram. Ainda segundo o Padre, D. Pedro montou e, dirigindo-se aos cavalarianos, repetiu em tons mais exaltados o que dissera antes e, num gesto simbólico, arrancou as fitas azuis e brancas, as cores do reino, de seu chapéu. Os soldados fizeram o mesmo. O momento havia chegado.

Quando a comitiva entrou em São Paulo, a notícia chegara antes. Havia um reboliço pelas ruas principais da cidade, sacadas com panos dependurados, à moda das procissões, acenos, gritos e vivas. O destino do Brasil, e de D. Pedro, estava selado. Dizem que, durante a tarde, ele encomendou a um artífice paulista a confecção de um distintivo com bordas douradas e as palavras “Independência ou Morte” para ser aplicado em seu uniforme.

Começava o Primeiro Império. Mas as notícias levaram dias para serem conhecidas. Na Corte do Rio de Janeiro, só após dois dias; nas outras capitais de províncias, muito mais. Lisboa só soube do acontecido duas semanas depois. E, no novo país continente, nem tudo e nem todos reagiram da mesma forma. A emancipação política ainda iria exigir muita determinação para consolidar-se.

Oswaldo Pereira

Setembro 2022

domingo, 4 de setembro de 2022

BOND 60 (31): THE LIVING DAYLIGHTS (PARTE I)

Com a aposentadoria de Roger Moore, a escolha se encontrava empatada. Sam Neill, Pierce Brosnan e Mel Gibson estavam na disputa, mas, ao final, um ator com larga experiencia em teatro e relevantes papéis no cinema ficou com o papel. Já havia sido convidado anteriormente, por duas vezes, e recusado. Desta vez, entretanto, Timothy Dalton resolveu aceitar – ele seria o quarto James Bond.

Foi uma mudança da água para o vinho. Ou, melhor dizendo, do vinho para a água. O sofisticado estilo flamboyant de Moore seria substituído pela pegada dura, quase ascética de Dalton. Ele próprio declarou depois que, ao aceitar o convite de Cubby Broccoli num telefonema dado do aeroporto de Miami, o fez tendo na cabeça o propósito de aproximar sua atuação o mais perto possível do herói imaginado por Ian Fleming.

TIMOTHY DALTON: O QUARTO BOND


A pré-sequência de The Living Daylights, décimo-quinto da série, mostra o que deveria ser um exercício militar da OTAN, com uma equipe de agentes 00 executando uma missão de treinamento, cujo objetivo era penetrar nas defesas da fortaleza britânica de Gibraltar. Um agente russo infiltrado, no entanto, interfere na operação e elimina dois dos agentes. 007 é o único que consegue escapar e perseguir o invasor, pendurado na cobertura de um jipão numa desabalada corrida pelas estreitas vielas da base. O veículo acaba precipitando-se em direção ao mar e explodindo, mas Bond aciona seu paraquedas sobressalente e acaba aterrissando no iate de uma sedutora mulher.

Depois dos títulos iniciais, mais um trabalho com a marca de Maurice Binder, a ação principal tem início com Bond sendo encarregado de proteger a defecção para o Ocidente do general da KGB Giorgi Koskov e eliminar um sniper que iria tentar impedir sua fuga. Bond, posicionado para a missão, acaba descobrindo que o atirador é uma mulher e, no último momento, desvia sua mira e, ao invés de matá-la, alveja apenas a sua arma. Este é a única parte do filme que se baseia quase integralmente no conto The Living Daylights (publicado postumamente) de Fleming.

A seguir, Bond auxilia Koskov a escapar através de um gasoduto soviético que fornecia gás para a Alemanha (como se vê, a dependência energética não é de hoje...) O general russo, então, revela ao MI6 que o novo chefe da KGB, Leonid Pushkin, está revivendo um plano de eliminação de agentes ocidentais, denominado Smiert Spionen (Morte aos Espiões). Como há informações de que Pushkin estaria em Tânger dali a dias, M encarrega Bond de eliminá-lo. Nesse meio tempo, um suposto agente russo invade a mansão de propriedade do MI6 e consegue sequestrar Koskov.

Apesar de incumbido da tarefa de assassinar Pushkin, Bond sente que há qualquer coisa de errado em toda a história e resolve voltar a Bratislava, atrás da mulher que ele vira tentando atirar em Koskov. Ela é Kara Milovy, uma violoncelista apaixonada pelo general russo, e 007 descobre que toda encenação de sua fuga para o Ocidente era uma farsa para intrigar Pushkin com os serviços de espionagem ocidentais. Sem revelar suas descobertas para a moça, Bond finge ser um aliado de Koskov, na tentativa de descobrir seu paradeiro.

Perseguidos pela KGB, os dois acabam fugindo de Bratislava para Viena. Um romance entre eles tem início numa roda gigante no parque de diversões do Prater. Também lá, Bond se encontra com um agente do MI6, que lhe passa a informação de que, na verdade, Koskov está associado a um grande traficante de armas americano, chamado Brad Whitaker.  Minutos depois, o agente é assassinado e um balão de festa com as palavras Smiert Spionen aparece flutuando perto do corpo. Convencido de que Pushkin é o responsável, Bond parte para Tânger a fim de eliminá-lo.

No confronto, Pushkin nega veementemente a existência da operação “Morte aos Espiões” e revela que Koskov fora expulso da KGB por desvio de fundos.  Acreditando na palavra do general russo, Bond se une a ele na perseguição a Koskov. Nesse meio tempo, Kara se encontra com o ex-amante. Este a convence de que Bond é um espião soviético. Seguindo suas instruções, Kara, no seu encontro seguinte com 007, consegue droga-lo e facilitar sua captura por Koskov e seu capanga Necros.

Com Bond aprisionado, todos partem para uma base militar russa no Afeganistão, onde Koskov está organizando uma grande operação clandestina, envolvendo contrabando de armas e de ópio. Bond é levado para uma cela nas instalações da base, juntamente com Kara, que descobre, afinal, as reais intenções de Koskov. Mas, utilizando um gadget desenvolvido por Q, 007 e a garota escapam da prisão, liberando, no mesmo momento, um líder dos mujahedins afegãos, que ali se encontrava prisioneiro dos russos.

Entrementes, um grande carregamento de ópio está sendo levado para um cargueiro Hercules C-130, sob as ordens de Koskov. Bond, disfarçado de afegão, penetra no cargueiro e coloca uma bomba relógio, mas, ao tentar sair, o avião fecha as portas e começa a taxiar. Sem outra alternativa, ele ataca a tripulação e assume o controle da aeronave. Quando percebe que Kara, a bordo de um jipe, procura alcança-lo, Bond abre a rampa de carregamento do Hercules, permitindo sua entrada e levanta voo.

Ao tentar desligar a bomba, Bond é atacado por Necros, que também entrara no avião. Segue-se uma eletrizante luta, com os dois agarrados ao carregamento de ópio do lado de fora do aparelho. Se quiser ver essa cena, é só clicar neste   LINK .

Em terra, os mujahedins atacam a base russa.  Bond ainda os auxilia, atirando a bomba contra uma ponte, pouco antes do Hercules, sem combustível, despenhar-se no solo. Mas, é claro, Bond e Kara conseguem salvar-se na última da hora. Como capítulo final, 007 volta a Tânger para despachar o traficante Whitaker desta para melhor. O filme termina com ele e Kara juntos no seu camarim, após um concerto dela em Viena.

(continua)

Oswaldo Pereira

Setembro 2022