segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

TERRAPLANISMO

FERNÃO DE MAGALHÃES
Neste meu Brasil do século 21, a palavra da moda é terraplanismo. O termo, que supostamente serve para definir a crença na teoria de que a Terra é plana, dominou o fogo cruzado na área da cultura. Pode parecer, mas infelizmente não é, uma piada. Principalmente no mesmo momento em que o mundo mais sério comemora os 500 anos de um dos maiores feitos náuticos da História – a Circunavegação.

Que a Terra não era plana, isto já se sabia desde antes da viagem de Colombo. Os portugueses da Escola de Sagres possuíam, inclusive, medições extremamente aproximadas do tamanho do globo terrestre, que era muito maior do que o navegador genovês imaginava. Sabiam que ele não chegaria às Índias no tempo previsto e também desconfiavam que havia outras terras pelo caminho. Recusado por Portugal, Colombo foi buscar apoio na Espanha e o resto é História.

Outro que, anos depois, também decidiu procurar os espanhóis, foi Fernão de Magalhães. Mas, por outros motivos. Nascido em família nobre e abastada do Minho, em 1480, Magalhães teve educação esmerada e proximidade suficiente do Poder para engajar-se na maior aventura de seu tempo – os Descobrimentos. Em tudo semelhante à corrida espacial que contrapôs Estados Unidos e União Soviética nas décadas de 1950 e 1960, a disputa entre Portugal e Espanha nos séculos XV e XVI absorveu a intelectualidade, o engenho e os recursos financeiros das duas maiores potências mundiais de então. Em causa estava o domínio do comércio de especiarias, introduzidas na Europa no tempo das Cruzadas e transformadas em riqueza dada a sua utilidade como conservante de alimentos, medicamentos e princípio ativo de perfumes e afrodisíacos.

Com o auxílio dos sábios judeus que a Inquisição havia expulsado do país vizinho, Portugal chegou ao estado da arte no desenvolvimento de instrumentos de navegação e na técnica da construção naval, e saiu na frente da disputa. Em várias expedições descobriu o caminho para as Índias (as verdadeiras) e para todo o Oriente. No final da primeira década do século dezesseis, o país controlava praticamente sozinho as relações comerciais na região.

Este foi o período em que Fernão de Magalhães aperfeiçoou seus conhecimentos de navegador e sua sina de aventureiro. Esteve no Ceilão, em Goa, em Malaca, em Calicute, em Ceuta e nas Molucas, ou seja, por todo o lado onde Portugal exercia sua presença. Participou em combates, foi ferido e ganhou promoções.

Se foi inveja, não sei. O fato é que uma rede de intrigas começou a acusar o jovem navegador de comércio ilegal com os mouros em Marrocos. Quando Fernão retornou a Lisboa em 1515, seu prestígio havia desabado e nem o Rei D. Manuel quis saber dele. Em suma, estava desempregado. Foi então que tomou conhecimento de um projeto ambicioso dos rivais peninsulares – chegar ao Oriente pelo Ocidente, por fora do Atlântico português, que terminava na fronteira marinha estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas. A frustração com o fracasso de Colombo ainda doía no orgulho castelhano.

Magalhães conquistou o comando da expedição e, após um largo tempo de marchas e contramarchas, no dia 20 de setembro de 1519, partiu, capitaneando 5 naus e 250 homens. Uma empreitada correspondente hoje a uma viagem a Marte.

Em dezembro, depois de atravessar o oceano rente à linha do equador e descer a costa brasileira, chegou a uma linda e despovoada enseada que, anos antes, Gaspar de Lemos batizara de Rio de Janeiro. E continuou rumo sul, procurando uma passagem para um outro mar, aquele que o levaria ao reino das especiarias. Acabou encontrando-a nos confins gelados da América do Sul. O estreito que hoje leva o seu nome foi a porta para entrar no infindável oceano que ele próprio chamou de “pacífico”.

Nesse meio tempo, entretanto, havia perdido a nau “Santiago”, que soçobrara, e a “San Antonio”, mercê de um motim que obrigara a embarcação a retornar à Espanha. Cinco meses de céu, água e horizontes vazios até que, em abril de 1521, as três naus chegaram a Cebu, onde hoje são as Filipinas. E ali, num confronto com uma tribo local, Fernão de Magalhães viu terminar seu sonho e sua vida.

Sob o comando de Juán Sebastián de Elcano, a pequena frota acabou chegando às ambicionadas Molucas, mas o desgaste da viagem pouco ajudou os espanhóis a promover algum comércio sustentado na região. Restava, agora, voltar para casa. Mais perdas e desvios pelo caminho fizeram com que só a nau “Victoria”, com apenas 18 tripulantes, chegasse a Sevilha em setembro de 1521, três anos após haver partido.

O esforço rendera pouquíssimos frutos materiais. Um furioso Carlos V, melancolicamente, recusou pagar os sobreviventes. Só depois é que o imenso significado do feito foi aparecendo. “Victoria” havia sido a primeira embarcação a dar a volta ao mundo e provar, definitivamente, que a Terra era redonda...

Oswaldo Pereira
Dezembro 2019

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