FERNÃO DE MAGALHÃES |
Neste meu Brasil do século 21, a palavra
da moda é terraplanismo. O termo, que
supostamente serve para definir a crença na teoria de que a Terra é plana,
dominou o fogo cruzado na
área da cultura. Pode parecer, mas infelizmente não é, uma piada.
Principalmente no mesmo momento em que o mundo mais sério comemora os 500 anos
de um dos maiores feitos náuticos da História – a Circunavegação.
Que a Terra não era plana, isto já se
sabia desde antes da viagem de Colombo. Os portugueses da Escola de Sagres
possuíam, inclusive, medições extremamente aproximadas do tamanho do globo
terrestre, que era muito maior do que o navegador genovês imaginava. Sabiam que
ele não chegaria às Índias no tempo
previsto e também desconfiavam que havia outras terras pelo caminho. Recusado
por Portugal, Colombo foi buscar apoio na Espanha e o resto é História.
Outro que, anos depois, também decidiu
procurar os espanhóis, foi Fernão de Magalhães. Mas, por outros motivos.
Nascido em família nobre e abastada do Minho, em 1480, Magalhães teve educação
esmerada e proximidade suficiente do Poder para engajar-se na maior aventura de
seu tempo – os Descobrimentos. Em tudo semelhante à corrida espacial que
contrapôs Estados Unidos e União Soviética nas décadas de 1950 e 1960, a
disputa entre Portugal e Espanha nos séculos XV e XVI absorveu a
intelectualidade, o engenho e os recursos financeiros das duas maiores
potências mundiais de então. Em causa estava o domínio do comércio de
especiarias, introduzidas na Europa no tempo das Cruzadas e transformadas em
riqueza dada a sua utilidade como conservante de alimentos, medicamentos e
princípio ativo de perfumes e afrodisíacos.
Com o auxílio dos sábios judeus que a
Inquisição havia expulsado do país vizinho, Portugal chegou ao estado da arte
no desenvolvimento de instrumentos de navegação e na técnica da construção
naval, e saiu na frente da disputa. Em várias expedições descobriu o caminho
para as Índias (as verdadeiras) e para todo o Oriente. No final da primeira
década do século dezesseis, o país controlava praticamente sozinho as relações
comerciais na região.
Este foi o período em que Fernão de
Magalhães aperfeiçoou seus conhecimentos de navegador e sua sina de
aventureiro. Esteve no Ceilão, em Goa, em Malaca, em Calicute, em Ceuta e nas
Molucas, ou seja, por todo o lado onde Portugal exercia sua presença.
Participou em combates, foi ferido e ganhou promoções.
Se foi inveja, não sei. O fato é que uma
rede de intrigas começou a acusar o jovem navegador de comércio ilegal com os
mouros em Marrocos. Quando Fernão retornou a Lisboa em 1515, seu prestígio
havia desabado e nem o Rei D. Manuel quis saber dele. Em suma, estava
desempregado. Foi então que tomou conhecimento de um projeto ambicioso dos
rivais peninsulares – chegar ao Oriente pelo Ocidente, por fora do Atlântico português,
que terminava na fronteira marinha estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas. A frustração
com o fracasso de Colombo ainda doía no orgulho castelhano.
Magalhães conquistou o comando da
expedição e, após um largo tempo de marchas e contramarchas, no dia 20 de
setembro de 1519, partiu, capitaneando 5 naus e 250 homens. Uma empreitada
correspondente hoje a uma viagem a Marte.
Em dezembro, depois de atravessar o oceano
rente à linha do equador e descer a costa brasileira, chegou a uma linda e
despovoada enseada que, anos antes, Gaspar de Lemos batizara de Rio de Janeiro.
E continuou rumo sul, procurando uma passagem para um outro mar, aquele que o
levaria ao reino das especiarias. Acabou encontrando-a nos confins gelados da
América do Sul. O estreito que hoje leva o seu nome foi a porta para entrar no
infindável oceano que ele próprio chamou de “pacífico”.
Nesse meio tempo, entretanto, havia
perdido a nau “Santiago”, que soçobrara, e a “San Antonio”, mercê de um motim
que obrigara a embarcação a retornar à Espanha. Cinco meses de céu, água e
horizontes vazios até que, em abril de 1521, as três naus chegaram a Cebu, onde
hoje são as Filipinas. E ali, num confronto com uma tribo local, Fernão de
Magalhães viu terminar seu sonho e sua vida.
Sob o comando de Juán Sebastián de
Elcano, a pequena frota acabou chegando às ambicionadas Molucas, mas o desgaste
da viagem pouco ajudou os espanhóis a promover algum comércio sustentado na região.
Restava, agora, voltar para casa. Mais perdas e desvios pelo caminho fizeram
com que só a nau “Victoria”, com apenas 18 tripulantes, chegasse a Sevilha em
setembro de 1521, três anos após haver partido.
O esforço rendera pouquíssimos frutos
materiais. Um furioso Carlos V, melancolicamente, recusou pagar os sobreviventes.
Só depois é que o imenso significado do feito foi aparecendo. “Victoria” havia
sido a primeira embarcação a dar a volta ao mundo e provar, definitivamente, que
a Terra era redonda...
Oswaldo
Pereira
Dezembro
2019
E quinhentos anos depois ... aqui, do lado de baixo do Equador, discute-se com furor ...Aff ...
ResponderExcluirIncrível, não?...
ExcluirSua alegria de contar a historia real transforma a verdade numa narrativa ficcional encatadora.
ResponderExcluir* encantadora
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