Em 1973, uma das grandes atrações do
Carnaval carioca eram os concursos de fantasia. Um território mágico, em que
reinavam grandes figurinistas, como os inesquecíveis Clóvis Bornay, Mauro Rosas
e Evandro Castro Lima, e alimentava, pelo menos uma vez por ano, uma coorte de
costureiras, maquiadores e encenadores. Além de uma ampla cobertura da
imprensa, que promovia o evento como um dos imprescindíveis pontos de
comparecimento das celebridades que aportavam no Rio durante os festejos.
No ano citado, o concurso já havia se
deslocado do Theatro Municipal para o Hotel Glória. E, como amigos do seu
Gerente Geral fomos, eu e minha mulher, uns dos felizes convidados para
sentarmos na primeira fila da plateia.
Enquanto no palco desfilavam os suntuosos
figurinos e o naipe de famosos vindos para o Carnaval (nesse ano, Rock Hudson
capitaneava uma trupe de atrizes e atores hollywoodianos), nós passamos o tempo
todo conversando com um casal de velhinhos americanos sentados ao nosso lado.
Por que eu estou contando isto? Porque
há exatos 60 anos, estreava nos cinemas dos Estados Unidos um dos maiores blockbusters da história, Ben-Hur, dirigido por William Wyler,
nada mais nada menos do que simpático velhinho que acabávamos de conhecer.
O filme já nasceu destinado a ser
superlativo em tudo. O enredo, baseado no romance de Lee Wallace escrito ainda
no século XIX, tivera uma primeira versão para a telona em 1925, com sucesso
moderado. Desta vez, Sam Zimbalist, o poderoso chefão da MGM, estava decidido a
romper barreiras e colecionar recordes.
Foi um longo caminho e vários
percalços, com problemas financeiros, equívocos de localização, troca de
diretores e de roteiristas e aqueles criados pela própria dimensão do projeto,
inédito para os padrões da época. De 1951 a 1958, foram marchas e
contramarchas, idas e vindas, até que o desenho final da produção ficasse
definitivamente definido, com Wyler assumindo a batuta.
Nesse meio tempo, vários galãs haviam
sido cogitados, entre eles Stewart Granger, Robert Taylor e (imaginem) Marlon
Brando, para o papel título, até que a escolha recaísse em Charlton Heston,
ungido que estava pelo seu bíblico Moisés em Os Dez Mandamentos.
Foram então 15 meses de intensa
filmagem, que demandaram 100 fabricantes de roupas, 200 camelos, 1.500 cavalos
e 10 mil figurantes para reproduzir Judeia e Roma dos anos 30 da era cristã, com
as espetaculares cenas de uma batalha naval (feita com miniaturas num
descomunal tanque de água) e a fantástica corrida das bigas. Só a pós-produção levou seis meses nas ilhas de
edição, até que a versão definitiva com 222 minutos ficasse pronta em novembro
de 1959.
Como Zimbalist imaginara, Ben-Hur obteve recordes de premiação
nunca antes alcançados em Hollywood. Só da Academia foram 11 oscars, marca que seria empatada apenas por
Titanic, quase 50 anos depois. Apesar
de ter sido o filme mais caro até então (16 milhões em dólares de 1959), Ben-Hur pagou-se mais de dez vezes. Até
hoje, é a segunda maior bilheteria da História (atrás de E O Vento Levou).
Um esforço desta dimensão não podia
deixar de ter suas lendas paralelas. Uma delas, é o fato de que a vinheta de
abertura de Ben-Hur é a única em que
o famoso Leão da Metro não ruge. Wyler e Zimbalist concordaram que o rugido de Leo poderia evocar o sacrifício dos
cristãos nas arenas de Roma, inadequado num filme sobre os primórdios do
cristianismo.
Outra é sobre o relacionamento entre
Ben-Hur (Heston) e o tribuno Messala (o ator inglês Stephen Boyd). De acordo
com o enredo, os dois haviam sido amigos íntimos na adolescência e nutriam uma
sólida admiração mútua. O filme inicia com o retorno de Messala à Judeia como
Governador, depois de anos em Roma, e o feliz reencontro entre os dois amigos.
Vistas hoje, estas cenas têm levantado cogitações sobre uma possível vertente
homossexual desse relacionamento.
E há fundamentos para isto. No livro, a
opção fica em aberto, até porque relacionamentos gays eram considerados aceitáveis na Roma antiga. Zimbalist e Wyler
sabiam disso, mas, em 1959, seria impensável retratá-lo explicitamente. Resolveram,
então, instruir os dois atores para deixarem isto no ar, com atitudes ambíguas.
Só que recearam passar essa instrução a Heston, com medo que ele abandonasse as
filmagens. A ideia foi passada apenas para Boyd. E é assim que os olhares de
Messala são sempre mais doces do que a expressão de pedra de Ben-Hur.
Oswaldo
Pereira
Dezembro
2019
Pode-se dizer q o que acontece nos "bastidores" de produções desse porte acaba sendo outro filme.
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