quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

DOIS PAPAS





Há tempos, escrevi um texto aqui no Blog em que falava sobre certos artistas e sua capacidade de encarnar um personagem da vida real. E apontava alguns cuja semelhança física com pessoas conhecidas deveria ser aproveitada pelos responsáveis do casting na hora de escalar o time de atores. Assim, mencionei os que eu achava perfeitos para certos papéis, como Cuba Gooding Jr. na pele de Louis Armstrong, Kevin Kline como Errol Flynn, Jean Dujardin para representar Gene Kelly e, last but not least, Jonathan Pryce como o Papa Francisco.

No mesmo escrito, eu também chamava a atenção para atores que, embora com pouquíssima ou até nenhuma parecença com a figura representada, e mesmo sem utilizar qualquer truque de maquiagem, faziam-nos ver aquela figura. Neste grupo, eu me lembrava da simbiose de Leonardo DiCaprio/Howard Hughes e Cate Blanchet/Katherine Hepburn (em The Aviator), ou Helen Mirren/Elizabeth II (em The Queen), entre vários outros.   

Como não acredito que alguém da Netflix tenha tomado conhecimento desse meu escrito (ou deste meu Blog, para falar a verdade), foi com uma boa dose de satisfação que soube do lançamento do filme Dois Papas (The Two Popes). Nele, não só a minha escolha para fazer Francisco foi contemplada, como a escalação de Anthony Hopkins para representar Bento XVI veio confirmar, pela enésima vez, seus insuperáveis talentos de mimetismo. Com alguns segundos de projeção, o espectador deixa de ver os atores e passa a enxergar somente Bergoglio e Ratzinger.

A produção cobre o interregno que vai da eleição do cardeal alemão à do argentino, ou seja, a história recente da Igreja Católica, um crucial período de questionamentos, recriminações e enfrentamentos. No pano de fundo, estão os problemas do próprio clero, a ocultação dos casos de pedofilia, os escândalos do Banco do Vaticano, as ligações com regimes ditatoriais, a perda de fiéis e a necessidade de reformas. Na linha de frente, o encontro de duas personalidades diametralmente opostas, visceralmente engajadas em linhas de pensamento contrárias relativas a assuntos de doutrina e a respeito do futuro da Igreja.

A aproximação dos dois dá-se, por iniciativa de Bento XVI, no momento em que este prepara-se para renunciar ao trono de São Pedro. Nesta época, descontente com os rumos conservadores defendidos pelo Vaticano, o Cardeal Bergoglio deseja, também ele, abdicar de seu posto episcopal.

Nesse contexto, a magistral interpretação de Pryce e Hopkins faz com que um roteiro constituído quase que exclusivamente de diálogos e de cenas simples brilhe intensamente. Não vou contar mais nada para não estragar a festa. Mas, aqui vai uma recomendação. Católico ou não, interessado ou não em história religiosa, procure não perder o filme e (grande pecado) as atuações inesquecíveis destes dois magos da cena cinematográfica mundial.

Oswaldo Pereira
Dezembro 2019

8 comentários:

  1. Mais incrível do que estarem a discutir a forma da Terra é a Igreja Católica manter-se de pé. "Inabalável",por todos estes séculos. De fato, isso pra mim é um mistério e um milagre.

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    1. Concordo plenamente. Fés duram mais que filosofias, costumes, políticas e idolatrias. O ser humano parece precisar delas mais do que qualquer outra coisa...

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  2. Também me apaixonei pelo filme, as situações discutidas e comentadas pelos dois personagens e - concordando plenamente com você - a atuação excelente dos atores. Abraços.

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    1. E eu me pergunto: será que a relação dos dois continua nesses mesmos termos?

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  3. Se tu sugeres...eu vou ver o filmem ,mas parece-me que ainda não chegou ! Um abraço.
    Fernanda

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  4. Cenas lindas e a atuação dos dois grandes atores é o ponto alto do filme.Excelente as trilha sonora.
    Claro é uma ficção essa relação dos dois nos diálogos, mas fatos reias são as renuncias de ambos. bjs Zezé

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    1. Os diálogos, embora presumidos e imaginados, mostram bem a profunda diferença entre os dois. A Igreja deu uma volta de 180 gráus.

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