terça-feira, 28 de novembro de 2017

A REVOLUÇÃO RUSSA - PARTE II


No limiar do século XX, o imenso Império russo nada mais era do que uma floresta de galhos desidratados e árvores crestadas, em cujo solo um tapete de folhas secas esperava apenas uma centelha para deflagrar um incêndio de proporções catastróficas. Esta centelha surgiria sob a forma de um homem obstinado, carismático e messiânico. Seu nome era Vladimir Ilyich Ulyanov.

Vladimir era o terceiro filho de um casal extraordinário. Seu pai, Ilya Nikolaievitch, nascera numa família de criados e, não fosse sua diligência e ambição, estaria destinado ao mesmo destino modesto de seu círculo familiar. Mas, graças a uma incansável dedicação aos estudos, conseguiu chegar à Universidade de Kazan e formar-se como Professor. Eventualmente, viria a tornar-se um importante diretor geral de escolas regionais, não só ascendendo à classe média como, ao ter recebido por mérito um título da Ordem de São Vladimir, à pequena nobreza. Sua mãe, Maria Alexandrovna Blank, filha de uma sueca e de um alemão, tinha sido primorosamente educada pelos pais, ambos provenientes de duas afluentes sociedades europeias.

Dos dois, Vladimir herdou uma inteligência acima da média e, com a confortável situação financeira de berço, o direito ao ingresso na melhor educação disponível na época e no lugar onde moravam. O espírito inquieto nascera com ele. E essa permanente indagação pela razão de viver desabrochou numa formidável disposição para o confronto com o mundo que o cercava no momento em que duas tragédias familiares abateram-se sobre ele. A primeira foi a repentina morte do pai, em 1886, quando Vladimir tinha apenas 16 anos. A segunda, a condenação à morte, e posterior execução pelos tribunais czaristas, do seu irmão mais velho, Aleksandre, em seguida à captura de uma célula de conspiradores contra o regime de que era integrante.

Essas duras perdas, principalmente a de “Sasha”, o irmão que idolatrava, serviram, entretanto, para endurecer sua mente e temperá-la no caldo de inquietação revolucionária que escorria por entre várias camadas da sociedade russa. No meio universitário, a corrente elétrica dessa inquietação veio apanhá-lo, assim que entrou para a mesma escola onde seu pai estudara. Paralelamente ao brilho intelectual, sua incontida agitação logo o transformou num líder estudantil e um comandante de vozes que gritavam contra a opressão palaciana. A influência da memória de seu pai e intervenções de sua mãe livraram-no várias vezes da cadeia, mas não conseguiram impedir sua expulsão da Universidade de Kazan. Por essa época, o jovem Ulyanov já lera Das Kapital. A ideia da luta de classes como meio para o progresso social, a ascensão do proletariado e a derrota do capitalismo penetrou fundo nas suas convicções, formando a base que serviria para apoiar seu ativismo político.

Em setembro de 1889, resume a obra de Karl Marx n’ O Manifesto Comunista e começa a exercer sua influência nos diversos movimentos subterrâneos que proliferavam numa Rússia em crescente ebulição. O ano de 1893 o encontra em São Petersburgo, usando seu especial talento organizador para estabelecer células revolucionárias que seriam o embrião dos futuros soviets.  Mas aí, a polícia o apanha e, em 1897, vai para a Sibéria. São 11 meses de prisão, às margens do Rio Lena. Tempo para refinar sua estratégia e se preparar para a grande luta à frente.

Ao ser solto, vai para o exílio na Alemanha. Fora de seu país, a agitação dos expatriados chegava ao rubro. Em Munique, funda um jornal, Iskra (centelha, em russo) e escreve seus editoriais usando um pseudônimo, N. Lenin, inspirado no rio que banhava a cidade siberiana onde ficara. O jornal, contrabandeado para a Rússia, torna-se um símbolo de resistência à opressão e catapulta Lenin para o centro do movimento. Quando, em 1903, acontece o congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo em Londres, sua liderança racha a organização partidária. Comandando a ala autodenominada majoritários (bolsheviques em russo), que defende a luta armada como caminho para a revolução, derrota os minoritários (mencheviques), que adotavam uma linha mais branda.

A partir daí, com a tragédia do Domingo Sangrento manchando de sangue a neve da praça Dvortsovaya, não há mais como frear a História. Lenin está pronto. A centelha vai incendiar um país inteiro.

(Continua)

Oswaldo Pereira
Novembro 2017


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