Duma é uma palavra na língua russa que serve
para designar uma assembleia com funções legislativas ou de aconselhamento.
Desde o século XVIII, muitos destes órgãos foram criados a nível municipal em
várias cidades do império e serviam, principalmente, para emitir editais que,
na maioria das vezes, regulavam a vida comunitária dos feudos onde a nobreza
exercia seu poder. Eram, no fundo, uma maneira pela qual os senhores feudais
permitiam à pequena burguesia extravasar seus desejos e suas ideias. Desde que,
evidentemente, não desafiassem os desígnios já traçados por eles.
Em 1906, acuado
pelo imenso clamor deflagrado com a derrota do exército na Manchúria, pelo
massacre da Praça Dvortsovaya e pelo motim do couraçado Potemkin, o Czar
resolveu descer alguns degraus de seu absolutismo e aceitou a criação da
primeira Duma Estatal. Na cabeça de Nicolau II, esse parlamento deveria
comportar-se como as assembleias municipais que vira funcionar, isto é, um mero
embuste, um jogo de cena, enquanto o poder real permanecia firmemente empunhado
pelo trono.
Mas, no início
do século XX, forças e vozes importantes já haviam ultrapassado as barreiras do
medo e da repressão e tinham conseguido penetrar nos corredores dessa nova
assembleia. Embora dominada pela aristocracia, a Duma passou a ouvir
reivindicações cada vez mais profundas por melhorias das condições de trabalho,
da vida no campo e nas casernas.
Embora tudo isso
esbarrasse na insensibilidade férrea de Nicolau II, talvez esse sistema pudesse
ter perdurado indefinidamente. Só que, em 28 de junho de 1914, dois tiros de um
revólver FN modelo 1910, disparados a queima roupa por um bósnio chamado
Gavrilo Princip, iriam mudar o mundo. E a Rússia.
O assassinato do
arquiduque Francisco Ferdinando e de sua mulher, em Sarajevo, pôs em marcha uma
engrenagem de interesses e conflitos que havia sido fabricada desde a ascensão
dos impérios ocidentais europeus, florescida após a derrota de Napoleão. As
casas reais da Alemanha, Inglaterra, Áustria, Turquia, Itália e a República
Francesa mantinham um equilíbrio frágil de entendimento, possível apenas
enquanto seus quintais coloniais estivessem assegurados. Os Bálcans, embora
dentro da esfera do império austro-húngaro, eram um estopim de controvérsias
que atraiam a atenção de alemães, russos, turcos e britânicos. Os tiros de
Princip acenderam a mecha.
A Grande Guerra
apanhou o império russo no seu mais delicado momento. O gigantesco esforço para
municiar um exército ineficiente num conflito de proporções nunca antes vistas
acabou por destruir a frágil equação econômica russa e lançou o país no abismo
do desabastecimento e da fome. No front, reveses
e mais reveses agravavam a calamitosa situação das forças russas e, em 1915,
Nicolau II tomou uma decisão que iria tornar-se catastrófica. Resolveu, ele
próprio, assumir a chefia dos exércitos imperiais. Esta resolução determinou
seu afastamento da capital, Petrograd, o novo nome de São Petersburgo. A
responsabilidade do Governo ficou nas mãos de sua mulher, a Czarina Alexandra.
Alexandra, além
de não contar com a boa vontade do povo, era alemã de nascimento, o que
suscitava desconfianças de que sua lealdade pendia para o inimigo. Outro fator
perturbador era a estranha fascinação da czarina por Rasputin. Libertino,
carismático e autoproclamado mago, Rasputin, com as promessas de curar a
hemofilia do herdeiro do trono, o Príncipe Alexei, acabou por dominar
Alexandra, tornando-se seu consultor e imiscuindo-se nas questões de Estado.
Sob sua influência, a corrupção espalhou-se pelos corredores palacianos e a
última tábua de salvação da Coroa, a nobreza, voltou-se contra os Romanov. O
mago seria assassinado em dezembro de 1916 pelo príncipe Iussupov.
Durante todo o
período anterior à Grande Guerra, embora a Duma continuasse a ser dominada
pelos conservadores e por parte da aristocracia, o pêndulo político na Rússia
deslizava rapidamente para a esquerda. Lenin finalmente conseguira dominar o
Partido Social-Democrata. Além disto, edificara uma teia de conselhos operários
(os soviets), cujo objetivo
era regular as atividades industriais em todo o território russo, sob o lema de
pão para os trabalhadores, terra para os camponeses e pela assinatura de um
armistício com os alemães. Seu poder aumentava a cada dia.
Em fevereiro de
1917, cercado por todos os lados, rejeitado pelo povo, comandando os restos de
um exército em decomposição e abandonado pela elite aristocrática, Nicolau II
abdicou.
(continua)
Oswaldo Pereira
Dezembro 2017
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