quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A REVOLUÇÃO RUSSA - PARTE III




Duma é uma palavra na língua russa que serve para designar uma assembleia com funções legislativas ou de aconselhamento. Desde o século XVIII, muitos destes órgãos foram criados a nível municipal em várias cidades do império e serviam, principalmente, para emitir editais que, na maioria das vezes, regulavam a vida comunitária dos feudos onde a nobreza exercia seu poder. Eram, no fundo, uma maneira pela qual os senhores feudais permitiam à pequena burguesia extravasar seus desejos e suas ideias. Desde que, evidentemente, não desafiassem os desígnios já traçados por eles.

Em 1906, acuado pelo imenso clamor deflagrado com a derrota do exército na Manchúria, pelo massacre da Praça Dvortsovaya e pelo motim do couraçado Potemkin, o Czar resolveu descer alguns degraus de seu absolutismo e aceitou a criação da primeira Duma Estatal. Na cabeça de Nicolau II, esse parlamento deveria comportar-se como as assembleias municipais que vira funcionar, isto é, um mero embuste, um jogo de cena, enquanto o poder real permanecia firmemente empunhado pelo trono.

Mas, no início do século XX, forças e vozes importantes já haviam ultrapassado as barreiras do medo e da repressão e tinham conseguido penetrar nos corredores dessa nova assembleia. Embora dominada pela aristocracia, a Duma passou a ouvir reivindicações cada vez mais profundas por melhorias das condições de trabalho, da vida no campo e nas casernas.

Embora tudo isso esbarrasse na insensibilidade férrea de Nicolau II, talvez esse sistema pudesse ter perdurado indefinidamente. Só que, em 28 de junho de 1914, dois tiros de um revólver FN modelo 1910, disparados a queima roupa por um bósnio chamado Gavrilo Princip, iriam mudar o mundo. E a Rússia.

O assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando e de sua mulher, em Sarajevo, pôs em marcha uma engrenagem de interesses e conflitos que havia sido fabricada desde a ascensão dos impérios ocidentais europeus, florescida após a derrota de Napoleão. As casas reais da Alemanha, Inglaterra, Áustria, Turquia, Itália e a República Francesa mantinham um equilíbrio frágil de entendimento, possível apenas enquanto seus quintais coloniais estivessem assegurados. Os Bálcans, embora dentro da esfera do império austro-húngaro, eram um estopim de controvérsias que atraiam a atenção de alemães, russos, turcos e britânicos. Os tiros de Princip acenderam a mecha.

A Grande Guerra apanhou o império russo no seu mais delicado momento. O gigantesco esforço para municiar um exército ineficiente num conflito de proporções nunca antes vistas acabou por destruir a frágil equação econômica russa e lançou o país no abismo do desabastecimento e da fome. No front, reveses e mais reveses agravavam a calamitosa situação das forças russas e, em 1915, Nicolau II tomou uma decisão que iria tornar-se catastrófica. Resolveu, ele próprio, assumir a chefia dos exércitos imperiais. Esta resolução determinou seu afastamento da capital, Petrograd, o novo nome de São Petersburgo. A responsabilidade do Governo ficou nas mãos de sua mulher, a Czarina Alexandra.

Alexandra, além de não contar com a boa vontade do povo, era alemã de nascimento, o que suscitava desconfianças de que sua lealdade pendia para o inimigo. Outro fator perturbador era a estranha fascinação da czarina por Rasputin. Libertino, carismático e autoproclamado mago, Rasputin, com as promessas de curar a hemofilia do herdeiro do trono, o Príncipe Alexei, acabou por dominar Alexandra, tornando-se seu consultor e imiscuindo-se nas questões de Estado. Sob sua influência, a corrupção espalhou-se pelos corredores palacianos e a última tábua de salvação da Coroa, a nobreza, voltou-se contra os Romanov. O mago seria assassinado em dezembro de 1916 pelo príncipe Iussupov.

Durante todo o período anterior à Grande Guerra, embora a Duma continuasse a ser dominada pelos conservadores e por parte da aristocracia, o pêndulo político na Rússia deslizava rapidamente para a esquerda. Lenin finalmente conseguira dominar o Partido Social-Democrata. Além disto, edificara uma teia de conselhos operários (os soviets), cujo objetivo era regular as atividades industriais em todo o território russo, sob o lema de pão para os trabalhadores, terra para os camponeses e pela assinatura de um armistício com os alemães. Seu poder aumentava a cada dia.

Em fevereiro de 1917, cercado por todos os lados, rejeitado pelo povo, comandando os restos de um exército em decomposição e abandonado pela elite aristocrática, Nicolau II abdicou.

(continua)

Oswaldo Pereira

Dezembro 2017

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