O Canal abre-se para encontrar o Volga.
Moscou ficou para trás, com seus milhões de habitantes, seus surpreendentes
parques verdes e floridos, as estátuas vivas, os quiosques e os antiquários da
rua Arbat, os muros do Kremlin, a arquitetura psicodélica da São Basílio. Uma
cidade nascida para comandar um império e um regime, derrotar inimigos, impor
sua vontade. Austeros edifícios em sua glória art-deco convivem com amenas praças cheias de flores, bancos e
namorados. Avenidas monumentais servem de vitrine a uma frota automóvel das
melhores marcas. Outras ladeiam-se de prédios cinzentos da era Kruschev. Luxo,
jardins, presente e passado. E as doces lembranças de um passeio pelos jardins
Alexandrevsky, do lago dos cisnes refletindo o convento de Novodévichi numa
noite calma, do domo dourado do Templo de Cristo Salvador. Moscou é tudo isto. E
muito mais.
Agora é uma Rússia mais profunda que surge
nas margens. O Andrei Rublev desliza
na superfície serena do rio, em seu destino ao Golfo da Finlândia. Só em tempos
recentes isto tornou-se possível, depois da construção das comportas. São mais
de 20, permitindo a ligação dos rios Volga, Scheskana, Kovzha, Svir e Neva e
dos lagos Rybinsk, Onega e Ladoga, compensando diferenças de nível de mais de
cem metros. Ao longo de um trajeto que leva uma semana, nomes estranhamente
poéticos como Uglich, Yaroslav, Goritsy, Vytegra e Mandrogui vão nos acolhendo
em sua simplicidade interiorana, seu silêncio reverente, seus memoriais de
guerras cruéis, suas igrejas deslumbrantes. Ícones às centenas. Cânticos
magníficos.
E este é um milagre à parte. Mesmo depois de setenta anos do predomínio político de uma doutrina que professava o materialismo como base e detinha um poder absoluto sobre a vida e as vontades, o Catolicismo Ortodoxo sobreviveu. Os templos são incontáveis, cada um com a riqueza de suas imagens, de seus altares, com a profunda devoção de seus rituais, com o fervor de seu povo. Quase inacreditável.
A
CEREJA DO BOLO
São Petersburgo. O nome de batismo, abençoado
por Pedro, o Grande, voltou. Petrograd e
Leningrad foram apenas tentativas,
coisas de um passado turbulento e de conflitos devastadores. Agora, reina a paz.
Quase nada do pesadelo dos bombardeios, do terrível cerco que durou três anos,
da fome e do desespero permanece. Apenas fotos. A cidade reconstruiu-se,
recuperou-se, renasceu.
Невский Проспект. Então, já conseguiram
ler? Nevskii Prospekt. Avenida
Nevsky. É a artéria principal, centro de comércio e referência imprescindível
para quem quer andar por São Petersburgo. O nome vem do rio que divide a
cidade, o Neva, cujas pontes levaram alguns a chamá-la de a Veneza do Norte. Tolice. Veneza é Veneza. Peter (como a chamam na
intimidade) é Peter.
São 600 quilômetros quadrados, 42 ilhas,
70 canais e 300 pontes. Geografia. Cultura? 200 palácios e monumentos, 50
museus, 20 teatros e, pasmem, 4.500 livrarias. Evidentemente, não dá para
saborear tudo num exíguo período de quatro dias. Mas, se você quer um roteiro essencial,
aí vai.
Museu
do Hermitage.
O óbvio. Não o visitar seria como ir
a Roma sem ver o Papa, o Coliseu e a Fontana di Trevi. Reserve no mínimo uma
tarde longa, uma câmera digital e bons sapatos. Procure não ir em julho ou
agosto, senão tudo o que verá serão chineses. Aos milhares.
SALÃO DE ENTRADA DO HERMITAGE |
Espetáculos de ballet, ou de danças e canções russas. A música. A cidade fervilha de
espetáculos. Não é difícil reservar um bilhete. A maioria das companhias tem
excelente dançarinos e cantores, guarda-roupas impecável e boas orquestras. Não
é nenhum Bolshoi mas, na falta de...
Templo
da Ressureição de Cristo. A semelhança. À primeira vista, parece a São
Basílio. Mas, foi construída 300 anos depois e seu arquiteto não deve ter
comido o mesmo cogumelo lisérgico do criador da catedral moscovita. Assim, a
igreja de São Petersburgo consegue ser um pouco mais sóbria. Mas seu interior é um lindo concerto de abóbadas, colunas e
dosséis.
Peterhof.
O
deslumbramento. Só a visão dos jardins, simétricos ao infinito, já dá uma ideia
da grandeza do palácio. Dentro, a visão se afoga numa overdose do Barroco. É o estilo levado ao pleonasmo dos azuis e
dourados, volteios intrincados, paredes, tetos e espelhos ampliando a sensação
de uma sinfonia em moto contínuo que ecoa em dezenas e dezenas de salas e
salões. Pedro I, quando idealizou o palácio no século XVIII, o chamou de Monplaisir (meu prazer). É, portanto,
uma vocação de deslumbrar, que você confirma quando desce a escadaria da Grande
Cascata e tenta contar as 64 fontes que jorram sua água cristalina para um céu
de verão tardio.
Tsarkoe
Selo (Aldeia
Real). A majestade. O palácio preferido de Catarina II supera qualquer
expectativa. Descrevê-lo? Bem, se eu tivesse mais umas cem páginas...
Arriscando tudo numa frase, é um turbilhão calmo de exageros bem temperados de
bom gosto e riqueza, um bem-aventurado equilíbrio de elegância e ousadia, inesperado
e clássico, suntuosidade e leveza.
TSARKOE SELO |
Museu
Fabergé. A
delicadeza. O joalheiro Carl Fabergé é mais conhecido pelos seus ovos (sem
risinhos, por favor...) Preferido por dez entre dez membros da realeza russa, o
tzar Nicolau II em particular, Fabergé fabricou 50 desses mimos e os presenteou
ao trono. Aqui, no museu que leva seu nome, há sete. Oito estão na Armaria, em
Moscou. Os demais, nas mãos de privilegiadas coleções particulares. Mas, a obra
deste extraordinário designer e
fabricante de joias é extensa e belíssima. Vale a pena ir conferir.
No mais, ande pela cidade. Pela beira do
rio, pelas praças. Compre alguma coisa nas diversas lojinhas, ande de barco
pelos canais, caminhe pela Nevsky ao cair da tarde, faça um picnic na Praça das Artes. Se for mais longe, vá de
metrô. Só mais um conselho. Não pegue um taxi na rua. As experiências nunca são
boas. Peça a um restaurante ou a um hotel para chamá-los.
Esta foi a Rússia que vi. Mil e
oitocentos quilômetros de viagem. Um pequenino pedaço desse país gigantesco.
Oswaldo
Pereira
Outubro
2016
Intenso demais. Uma espécie de África Fria, culta, de padrões ocidentais e cristã.
ResponderExcluirAdorei a imagem. África fria.... muito bom.
ExcluirMeu Deus, você escreveu com toda a força que este país tem. Até já penso em visitar. Imaginando o que você relatou, o visitante não fica sufocado com tantos dourados, grandiosidades, extensões. E, não disse do Museu onde as obras de Matisse fazem a festa. Certamente lá elas não brilham tanto. Sinto ser de sufocar, para o bem.
ResponderExcluirAbraço, Cleusa.
Vá mesmo, Cleusa. Vale muito a pena, mesmo se for para se sentir sufocada com tanta beleza...
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