segunda-feira, 3 de outubro de 2016

RUSSIA II


APRENDENDO A LER
РЕСТОРАН. ВИНО. ВОДКА.
РАДИО. СТОП.
ВОЛГА. МОСКВА. РОССИЯ.

E agora?
Inventadas por Cirilo e Metódio, dois irmãos nascidos em Tessalônica no século IX, estas letrinhas são o primeiro impacto visual para quem sai do Aeroporto Internacional de Domodedovo, em Moscou. Teólogos e missionários, estes dois monges iriam usar o alfabeto criado por eles na conversão dos povos eslavos que habitavam o imenso território russo. Inicialmente confusos e desorientados, nos perguntamos: por que diabos fizeram isto?

Está tudo escrito em cirílico. Placas de trânsito, neons coloridos, nomes de ruas, outdoors, reclames nas janelas dos ônibus, menus... O jeito é tentar pelo menos decifrar a correspondência destes caracteres de desenho elegante com nossas letras latinas. E, acreditem, é um estimulante exercício. Até porque, assim que a névoa da ignorância vai-se dissipando e, lentamente, as palavras se encaixam nos nossos neurônios, vamos descobrindo, deliciados, que cerca de trinta por cento do que lemos repousam suas raízes em solo comum. Querem ver?  

Se você aprender que o Р tem som de R, o С de S, e o Н de N, você vai saber onde matar sua fome ao ler a primeira palavra deste post. РЕСТОРАН = RESTORAN. Mais? Com В igual ao nosso V e este invertido И com o som de I, leia segunda. Vino. Que tal, já vai também matar sua sede. Algo mais forte? Com os conhecimentos adquiridos acima e descobrindo que Д é apenas um D com perninhas, a antes impenetrável ВОДКА vai aquecer-nos internamente.

Mais um pouquinho e já poderá ler o resto. Uma tabelinha. П=P. Л=L. Г=G. Я=Iá. Pronto. De repente, é como se saíssemos das trevas do analfabetismo para a luz da sabedoria. É claro que meramente transpondo as palavras para o nosso alfabeto não nos vai fazer entender tudo. O russo é um idioma complexo, com extenso vocabulário e várias declinações. Mas, ajuda. E muito.

UMA NOITE NO METRÔ

MAPA DO METRÔ DE MOSCOU

A maioria das grandes capitais europeias já possuía seus sistemas de transporte subterrâneo quando, em 1935, Moscou resolveu construir o seu. Era um projeto de afirmação nacional, desenhado para ser o maior, mais extenso e mais luxuoso do mundo. Stalin não fazia por menos.
ESTAÇÃO KOMSOMOLSKAYA
 Hoje é apenas o quinto do mundo em tamanho. Mas suas proporções são gigantescas. Treze linhas, 203 estações, 340 quilômetros de extensão e 9 milhões de passageiros por dia. E ninguém o supera em profundidade (quase 100 metros abaixo da superfície em alguns trechos) e em beleza. Algumas estações são verdadeiras catedrais, decoradas com esculturas, pinturas, arcos de clássica imponência, pisos e paredes de mármores multicoloridos, lustres cintilantes, mosaicos intrincados. 

ESTAÇÃO KIEVSKAYA
Fomos vê-lo à noite, fora das horas de pico. МАЯКОВСКАЯ. O nome em cima do portão de acesso não nos mete mais medo. É a entrada de uma das mais lindas estações de Moscou, Mayakovskaya. Fica debaixo da praça de mesmo nome e pertence à Linha Verde, talvez a mais movimentada do sistema. Partindo dela, vamos saltando em várias outras, baldeando entre as linhas, tirando fotos e mais fotos, caminhando pelas amplas plataformas, subindo e descendo escadas rolantes, nas profundezas da terra.

ESTAÇÃO MAYAKOVSKAYA

A profundidade mostrou-se providencial durante os bombardeios da Segunda Grande Guerra, oferecendo um abrigo seguro para a população. Entre 1941 e 1945, a ida para as estações durante os ataques aéreos tornou-se rotina. No período, 300 crianças nasceram entre as imponentes colunas do metrô moscovita.

UMA PRAÇA BONITA
A palavra красная (krasnaya), em russo, tem dois significados. Quer dizer vermelha. Mas também quer dizer bonita. Nada mais apropriado do que assim batizar a imensa praça que se espraia ao longo da fachada leste do Kremlin, entre a Catedral do Manto da Virgem (mais conhecida como Catedral de São Basílio, o Beato) e o edifício encarnado do Museu Histórico. Quem, como eu, que passou a vida assistindo a velhos documentários dos grandiosos desfiles militares soviéticos, com seus tanques, canhões, soldados em cadência marcial na sua ordem unida impecável, à sombra dos senhores do poder, encarapitados solenemente nos palanques sobre o portão principal do Kremlin, não pode ficar imune. Você está ali!

PRAÇA VERMELHA
LOJAS DO COMÉRCIO SUPERIOR
Mas, do outro lado da praça, o passado é engolido pelo presente. Num gracioso prédio de 5 andares, em rico estilo art-nouveau, estão as galerias das Lojas do Comércio Superior com tudo o que há de mais sofisticado em termos griffes ocidentais, ícones do capitalismo internacional. 



O que pensaria o avô Lênin?...
(continua)


Oswaldo Pereira
Outubro 2016







6 comentários:

  1. O avô pensaria e tb diria aos seus netinhos. " É isso aí minha gente, o sol nasce para todos" Linda a sua Russia, Oswaldo.

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    1. Ideologias, ideologias... Vêm, e vão. Deixam muitas cruzes nos cemitérios, muita tinta seca em tratados abandonados, muito sonho virado pesadelo. A quoi bon?...

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  2. Vale a pena conhecer a Russia. Fiz uma viagem fluvial de 12 dias, começando em Moscou e acabando em Saint Petersburg, passando pelo Neva, pelo Volga, varios lagos ... tudo muito lindo, muito rico nas duas grandes cidades. Quando você descreve a Praça Vermelha, o Kremlin e as lindas igrejas, surtout a linda Saint Basile, faz-me relembrar tudo isso. O metrô é incrivel e as estações do anel central são lindissimas.
    Kalinka, kalinka, kalinka moïa! v sadou iagoda malinka, malinka moïa ! Akh, pod sosnoïou, pod zelionoïou, Spať polojite vy menia !
    Realmente a lingua é bem complicada (gostei do uso de sua sabedoria para deduções) e o povo não é nada simpatico.
    Dans l'attente de la suite ...

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    1. Você acertou em cheio. Fiz a mesma viagem (de repente, até no mesmo barco, o Andrei Rublev). Cansei de cantar Kalinka... E o povo realmente é bruto pacas. Mas a Rússia, dos pardieiros da era Kruschev aos ovos de Fabergé, é fascinante. Ay luli, luly, Ay luli luli. Do svidania, Kalinka maya.

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  3. Que maravilha ! E, a sua facilidade para decifrar esta lingua e aproveitar muito mais a viagem.Tudo grandioso. Agora pergunto. Esta grandiosidade tornaria menos belo o conjunto? Que privilegio tenho eu ouvindo a interpretação de tudo.
    Aguardo mais..., abraço, Cleusa.

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    1. Talvez, mas a grandiosidade russa precisa ser entendida como destino. Um pais daquelas dimensões não pode se contentar com nada menos.

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