Não me lembro mais qual era
o ano. Início da década de 1950. Mas, lembro-me que estávamos em plena Era do Rádio e que o programa era o do César de
Alencar. Em benefício das gerações
atuais, eu explico que o Programa César de Alencar era o equivalente, em termos
de amplitude, duração e importância, ao Domingão do Faustão.
O cantor, anunciado com o
costumeiro estardalhaço pelo apresentador, era praticamente desconhecido. Mas
teve minha atenção rapidamente magnetizada quando começou a cantar uma música
americana no original. A canção era Blue
Gardenia, já um sucesso internacional na interpretação de Nat “King” Cole
e, apesar de estarmos na época das versões, Cauby cantou-a em inglês. Inédito.
A partir daí a ascensão do
cantor foi meteórica. Com a poderosa máquina mercadológica da Rádio Nacional
por trás, e, é claro, a bela voz e o pendor natural para ser estrela, Cauby
Peixoto subiu como um foguete prateado, seu rastro de purpurina deslumbrando as
legiões de tietes e encenando
pré-arranjados espetáculos em que as fãs arrancavam pedaços de sua vestimenta,
alinhavada precariamente de propósito. Logo a seguir, o megahit “Conceição” iria conquistar o País e entroniza-lo no olimpo
dos super astros da canção brasileira.
Na minha turma de rua,
entretanto, o julgamento era preconceituoso. Corria a história de que o cantor
era fresco, antigo jargão para
“bicha”, e isso fazia cair por terra seu prestígio na machista confraria dos
adolescentes de então. Paralelamente, o tsunami do rock and roll estava inundando o mundo e a minha geração
preparava-se para sucumbir fervorosamente à nova ordem musical. Cauby seria
esquecido.
O revival viria décadas depois, com a percepção da coerência de seu
estilo brega-chique, que agora
tornava-se moda e de que ele fora pioneiro, no extraordinário timbre vocal,
mantido incólume ao longo dos anos, na sua marca como intérprete, conservada
nos altos e baixos de sua carreira.
Foi por essa época que o
conheci pessoalmente. Era o tempo em que eu cantava no 43, o saudoso restaurante-bar-lounge, e porto seguro da happy hour, no centro histórico do Rio.
O dono era Paulo Sá, dublê de restaurateur
e pianista exímio que, todas as terças a partir das seis da tarde, promovia
uma animada, e depois lendária, Noite de Jazz.
Por ali passaram respeitados virtuosi,
como os saxofonistas Juarez Araújo e Aurino Ferreira, o trompetista Cláudio
Roditti, o francês Jean-Yves Cordiay e seu trombone de vara. Até o escritor
Fernando Sabino dava lá as caras para tocar bateria. Eu era o crooner.
Esta tribo acabava atraindo
artistas famosos. Eliana Pittman, Lana Bittencourt, Áurea Martins, entre outras, iam dar suas canjas. Um dia, apareceu Cauby. Foi uma
festa. Mas, apesar dos muitos pedidos, recusou-se a cantar. Alegou que estava
afônico, embora eu tenha desconfiado que, elegante, não tenha querido ofuscar a minha noite.
Durante o agradável papo que
tivemos, eu, como bom amador, perguntei
qual seria a melhor técnica para se ter a voz preparada e aquecida para cantar em público. Eu tenho tomado uma dose de whisky puro, falei. Ele respondeu, com
a sapiência profunda de uma das mais belas vozes da música brasileira. Não faça isto. O álcool relaxa as cordas
vocais. Elas têm de estar tensas. Eu bebo sempre um café bem quente antes de
cantar.
Valeu, Cauby.
Oswaldo Pereira
Maio 2016
Osvaldo, creio que o sucesso de Cauby começou cantando "Blue Gardenia" e a partir desta canção foi sucesso. Isto ocorreu no ano de 1953 e eu morava em Niterói e acompanhava o Programa do César de Alencar, que era muito animado e variado. César era marido de Renata Fronzi, uma bela mulher. Bons tempos, bons programas. Abraço do Thomaz.
ResponderExcluir1953. Isto mesmo, amigo Thomaz. Ninguém sabia quem era aquele cara até ele explodir com Blue Gardenia. Depois, até gravou a versão "Gardenia Azul".
ExcluirExelente! Em vez de whisky, um cafezinho. Mas abaixo de 10 graos, vale batizar o café com um bom 12 anos. Um delicioso irish. O Rio hj não é bem esse lugar. Na minha adolescência fazia frio aqui. Em SP,década de 70, no tempo do Hair, a receita preferida do elenco era, chá de gengibre com uma "lágrima" de cognac.
ResponderExcluirOs italianos têm um nome para esta deliciosa poção que mistura um bom café com um melhor cognac. "Caffe correto", eles a chamam. As muitas noites geladas que passei quando morei em Milão foram salvas por ela...
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