terça-feira, 24 de maio de 2016

AS AGRURAS DE BRASILINO PINDORAMA



Brasilino Pindorama é um comerciante. Herdou sua loja há muito tempo de um tio europeu, com algumas dívidas, muito estoque e farta matéria-prima. Durante os anos, Brasilino experimentou vários tipos de gerentes. Uns eram profundamente tradicionais em seus métodos de gerência, outros ousados e afeiçoados ao risco, mais outros austeros e duros no trato com os empregados, mais alguns doidivanas, muitos inconsequentes. Por outro lado, o mercado em que sua empresa atuava ora estava em franca expansão, ora em acentuado declínio. Houve tempo de bonança e tempo de vacas magras. Certos anos foram muito bons. Certos anos foram desastrosos. E, ainda, sempre algum amigo lhe segredava que seus gerentes desviavam parte do lucro para os seus próprios bolsos, sem que a contabilidade percebesse. E Brasilino, por mais que tentasse, nunca conseguiu fazer com que sua loja atingisse o patamar dos grandes magazins, dos imensos department stores ou dos monumentais distribuidores do oriente.

Brasilino estava quase desistindo quando um certo jovem de discurso simples, de nome Petrolino Molusco, procurou-o e disse.

«Companheiro Brasilino, você já tentou tudo e não deu certo. Mas, seus problemas acabaram! Eu tenho a solução para o futuro de sua loja. Farei coisas nunca antes experimentadas. Ao mesmo tempo, vou acabar com as maracutaias, os jabaculês e os pixulecos que existem na firma. E seu negócio se tornará no melhor negócio do mundo.»

Uma chama de esperança brilhou no olho de Brasilino. E ele resolveu contratar o inflamado jovem e suas promessas. Afinal, por que não?...

Os primeiros anos foram extraordinários. Os mercados ajudavam, crescendo sem parar. Todo mundo queria comprar os seus produtos, a loja funcionava a contento, contratou-se mais gente, bônus generosos foram instituídos para os empregados. Um sucesso. Já se cogitava construir um grande anexo para aumentar o negócio. Brasilino estava tão contente, que nem se importou quando Molusco trouxe uma amiga para ajudá-lo na administração. Embora conhecidos seus o tenham advertido que esta pessoa entendia muito pouco do riscado, Brasilino não ligou. Estava tudo indo tão bem...

Feliz, Brasilino resolveu tirar umas férias ao mar.


Agora, Brasilino voltou. Recebera no WhatsApp uma mensagem estranha. Algo não ia bem com sua loja.

Assim que saltou do taxi, a realidade quase o fez desmaiar. O grande anexo ao lado do prédio principal estava inacabado e parte do muro caíra. Ao entrar, um porteiro que não conhecia estava dormindo, com o uniforme desalinhado. E bêbado.

Começou a andar pelos corredores. Tudo em desordem. Pouca gente realmente trabalhando. Reconheceu o antigo vice gerente.

«Então Miguel, o que está acontecendo?»

Miguel abaixou os olhos.

«Ah! Senhor Brasilino. Uma tragédia. Estamos com muitas contas atrasadas. Luz, gás, água. E devendo uma fortuna aos bancos. Com esses juros, imagine!... O piso do pátio interno está cheio de buracos, o nosso ambulatório está sem leitos e remédios, o teto da creche desabou. Metade dos funcionários está em greve porque não recebe salários. A outra metade vive bajulando a Dona Wilma em troca de cargos e aumentos...»

«Dona Wilma?! A amiga do Molusco?»

«Sim. O senhor Molusco até já brigou com ela e se mandou. Cá prá nós, senhor Brasilino, ela é uma desgraça. Não entende nada de nada. Nem escrever um memorando ela sabe. Tentou gerenciar a construção do anexo. Um fiasco. A construtora recebeu o pagamento adiantado e sumiu. Dizem que há alguém daqui de dentro que levou uma bolada para aprovar o pagamento. Falta tudo. Tinta para impressora, fontes para os computadores, material de escritório, até papel higiênico. O pessoal do estoque está dizendo que tem mercadoria saindo sem nota...»

Brasilino está quase sem fala.

«Mas.... Mas... eu recebi e-mails dela dizendo que a firma ia lucrar 24 zilhões de irreais este ano...»

«Bullshit. Contabilidade fajuta. A minha turma de empregados antigos chamou um auditor independente para fazer um levantamento. A previsão é de PREJUÍZO.  De 170 zilhões!...»

Brasilino desaba na cadeira mais próxima.

O que fazer, pensa ele, enquanto o velho Miguel, com sua cara de fiscal de enterro, espera em silêncio. Mandar a Wilma embora? Colocar o vice gerente no lugar dela? E as suspeitas sobre ele e seus colegas da velha-guarda, que também não resolveram a situação da loja no passado?

Brasilino murmura baixinho.

«Deus meu, o que fazer?»

Você sabe como ajudar Brasilino? Cartas para a redação...


Oswaldo Pereira
Maio 2016









terça-feira, 17 de maio de 2016

CAUBY



Não me lembro mais qual era o ano. Início da década de 1950.  Mas, lembro-me que estávamos em plena Era do Rádio e que o programa era o do César de Alencar. Em benefício das gerações atuais, eu explico que o Programa César de Alencar era o equivalente, em termos de amplitude, duração e importância, ao Domingão do Faustão.

O cantor, anunciado com o costumeiro estardalhaço pelo apresentador, era praticamente desconhecido. Mas teve minha atenção rapidamente magnetizada quando começou a cantar uma música americana no original. A canção era Blue Gardenia, já um sucesso internacional na interpretação de Nat “King” Cole e, apesar de estarmos na época das versões, Cauby cantou-a em inglês. Inédito.

A partir daí a ascensão do cantor foi meteórica. Com a poderosa máquina mercadológica da Rádio Nacional por trás, e, é claro, a bela voz e o pendor natural para ser estrela, Cauby Peixoto subiu como um foguete prateado, seu rastro de purpurina deslumbrando as legiões de tietes e encenando pré-arranjados espetáculos em que as fãs arrancavam pedaços de sua vestimenta, alinhavada precariamente de propósito. Logo a seguir, o megahit “Conceição” iria conquistar o País e entroniza-lo no olimpo dos super astros da canção brasileira. 

Na minha turma de rua, entretanto, o julgamento era preconceituoso. Corria a história de que o cantor era fresco, antigo jargão para “bicha”, e isso fazia cair por terra seu prestígio na machista confraria dos adolescentes de então. Paralelamente, o tsunami do rock and roll estava inundando o mundo e a minha geração preparava-se para sucumbir fervorosamente à nova ordem musical. Cauby seria esquecido.

O revival viria décadas depois, com a percepção da coerência de seu estilo brega-chique, que agora tornava-se moda e de que ele fora pioneiro, no extraordinário timbre vocal, mantido incólume ao longo dos anos, na sua marca como intérprete, conservada nos altos e baixos de sua carreira.

Foi por essa época que o conheci pessoalmente. Era o tempo em que eu cantava no 43, o saudoso restaurante-bar-lounge, e porto seguro da happy hour, no centro histórico do Rio. O dono era Paulo Sá, dublê de restaurateur e pianista exímio que, todas as terças a partir das seis da tarde, promovia uma animada, e depois lendária, Noite de Jazz. Por ali passaram respeitados virtuosi, como os saxofonistas Juarez Araújo e Aurino Ferreira, o trompetista Cláudio Roditti, o francês Jean-Yves Cordiay e seu trombone de vara. Até o escritor Fernando Sabino dava lá as caras para tocar bateria. Eu era o crooner.

Esta tribo acabava atraindo artistas famosos. Eliana Pittman, Lana Bittencourt, Áurea Martins, entre outras, iam dar suas canjas. Um dia, apareceu Cauby. Foi uma festa. Mas, apesar dos muitos pedidos, recusou-se a cantar. Alegou que estava afônico, embora eu tenha desconfiado que, elegante, não tenha querido ofuscar a minha noite.

Durante o agradável papo que tivemos, eu, como bom amador, perguntei qual seria a melhor técnica para se ter a voz preparada e aquecida para cantar em público. Eu tenho tomado uma dose de whisky puro, falei. Ele respondeu, com a sapiência profunda de uma das mais belas vozes da música brasileira. Não faça isto. O álcool relaxa as cordas vocais. Elas têm de estar tensas. Eu bebo sempre um café bem quente antes de cantar.

Valeu, Cauby.

Oswaldo Pereira
Maio 2016




sexta-feira, 13 de maio de 2016

LÍNGUA PORTUGUESA



Eu amo a Língua Portuguesa. Este amor fez-me um leitor ávido desde a primeira adolescência e tornou-me no escritor tardio que, em certas horas de despudorada imodéstia, acredito ser. Seu uso correto me enche de prazer, a beleza atingida numa frase de estilo ao descrever uma imagem, um pensamento ou uma emoção tem para mim o fulgor de uma obra de arte inconfundível.

Na direção diametralmente oposta, seu mau emprego me causa horror. Vê-la torturada por concordâncias desleixadas, plurais escamoteados, sangrada por grafias abomináveis, pronomes esquecidos ou estupros gramaticais indesculpáveis faz renascer em mim a fúria dos deuses mais vingativos. Não consigo perdoar quem pratica tais atentados contra minha querida, amada e venerada língua pátria. Que o pior inferno vernacular os consuma.

Assim, foi com imenso alívio e a alma lavada com o mais inebriante dos sabonetes prosódicos que ouvi o discurso de posse de Michel Temer. Suas ênclises e mesóclises vieram purgar-me dos 14 anos em que penei os discursos chulos de Lula e a oratória titubeante de Dilma.

Não estou julgando nada. Nem pedaladas, irresponsabilidades, inconstitucionalidades, credos políticos ou cartilhas partidárias. Nem coxinhas ou mortadelas, petralhas ou reaças,  oleodutos ou propinodutos. Nem sei se o que Temer falou carrega sinceridade ou firmeza de propósitos.

Mas, pelo menos no quesito Idioma, ele regalou meus ouvidos. Durante 180 dias, ou mais, se o Senado a impedir definitivamente, ficarei livre das sandices idiomáticas da “Presidenta” (meu Deus...) e de suas estocadas cruéis no coração da minha bela flor do Lácio, minha eterna inspiradora, a Língua Portuguesa.


Oswaldo Pereira

Maio 2016

segunda-feira, 9 de maio de 2016

PRÓXIMO SEMESTRE




Atenção, meus caros amigos. O afastamento de Dilma na próxima quarta-feira NÃO é o fim do processo de impeachment. Pelo contrário. É apenas o seu começo. Durante o andamento do assunto no Senado Federal, muita coisa pode acontecer.

O prazo máximo da suspensão do mandato da Presidente é de 180 dias. No caso do Collor, a coisa foi resolvida na metade do tempo.

Mas Dilma não é Collor, o PT não é o PRN de Alagoas. E Temer não é Itamar. O cenário é totalmente diverso, as forças políticas são outras, o ardor da militância que acompanha e defende o atual Governo inexistia em 1992. No final, Fernando Collor estava absolutamente sozinho. Dilma não está.

E, não se enganem. O desenrolar do processo será uma batalha longa e cruenta. Se usar todo o prazo constitucional, serão seis meses de um espetáculo diário de provas e contraprovas, acusações e defesas, palavrórios e contraditórios, tecnicalidades jurídicas e filigranas processuais, à exaustão. Estamos falando de um show que poderá chegar até novembro. Teremos estômago? E o País? Terá saúde?
E, mesmo não sendo parte integrante da discussão que se travará no Senado, a performance do Governo Temer deverá exercer uma poderosa influência nos humores dos parlamentares. E na opinião pública.

E o Governo Temer, bem...

Na minha modesta opinião, já começou mal. O vergonhoso recuo na eliminação do número de ministérios, abatida por um tomaladacá que cheira a ranço, a sanha dos partidos por cargos e sinecuras, as idas e vindas do leilão partidário, em que ministeriáveis de competência duvidosa afloram de um pântano de conchavos são péssimos sinais. Para uma Administração que prometia virar o jogo sem ter o luxo de cometer erros, a receita certamente não é essa.

E se você ainda achava que Deus era brasileiro, que tal Waldir Maranhão na Presidência da Câmara dos Deputados?...

Assim, tudo pode acontecer neste próximo semestre. A única coisa que não poderia suceder era o Brasil continuar estagnado, imóvel, enredado num novelo político sem precedentes.

Oswaldo Pereira
Maio 2016


quarta-feira, 4 de maio de 2016

REDE GLOBO




Um dos alvos preferenciais de quem defende a Presidente Dilma, ou o ex-Presidente Lula, tem sido a Rede Globo. Segundo essas pessoas, o complexo jornalístico que reúne o jornal, as revistas e o conglomerado de emissoras televisivas tem como política torcer o conteúdo das notícias, tendenciando a informação que veicula para o público em favor das correntes contrárias ao Governo.

Este assunto não é novo. Desde que foi fundado, nos idos da década de 1920 por Irineu Marinho, o jornal O GLOBO sempre foi identificado com o ideário da direita, ou com sua predileção pelos Estados Unidos e seu regime capitalista. No tempo em que a cena política brasileira era claramente definida e polarizada por três partidos, UDN, PTB e PSD, o jornal alinhava-se espontaneamente com o primeiro. Ninguém via nada de errado nisto. As empresas jornalísticas eram empresas privadas e seguiam normalmente a linha editorial do grupo que a comandava. Cada leitor escolhia livremente, e de acordo com sua convicção política, o informativo diário que iria ler.

Em meados do século passado, no momento da grande expansão das empresas jornalísticas nacionais com o advento da televisão, Roberto Marinho, filho e sucessor de Irineu, manteve uma associação com o Grupo TIME-LIFE americano. Isto, evidentemente, reforçou a imagem de filiação d’O GLOBO e sua crescente família de emissoras com o Imperialismo Yankee, conforme rotulavam as correntes esquerdistas brasileiras. O alinhamento posterior com o Regime Militar sedimentou ainda mais este conceito.

Minha pergunta é: e daí?

Ninguém é obrigado a ler o jornal, ou a assistir o canal de TV que não quer. Que, segundo sua opinião pessoal, não lhe disponibilize a imparcialidade que exige. Ou que não lhe ofereça o que gosta de ver e ouvir. Preferências e gostos não se discutem e o meio editorial do Brasil é pródigo em opções de órgãos informativos. É só escolher. Está tudo ao alcance de um clique, de uma leve pressão nos botões de seu controle remoto.

De qualquer maneira, atualmente a informação não é mais monopólio de ninguém. A popularização da internet e, especialmente, a exponencial difusão das redes sociais transformaram a maneira pela qual a Notícia chega até nós, de como a processamos e a retransmitimos. De como a entendemos e a aceitamos.

Ficar debitando à Rede Globo as desventuras do Governo é muita ingenuidade. E perda de tempo.  Em dias de TV a cabo e Facebook, não serão o Jornal Nacional ou a novela da nove que irão conquistar corações e mentes.

Oswaldo Pereira
Maio 2016