domingo, 28 de fevereiro de 2016

DICAS




Hoje é domingo. Desde que me conheço por gente, é o dia de nada fazer. O dia em que Deus descansou, já sussurravam as primeiras professoras de catecismo, terminando a aula sobre a criação do Universo, construído em toda sua esplêndida grandeza em exatos sete dias. Uma semana, e a Terra, a Lua, as estrelas, o firmamento, tudo enfim, tinham ficado prontos e acabados, no mesmo espaço de tempo que eu levava para ir de um domingo de praia e sol até a expectativa gostosa do sábado seguinte.

Toneladas de informação depois, eu fiquei sabendo que a coisa não fora bem assim. Algo muito mais grandioso e espetacular, quem sabe operado pelo mesmo Deus do catecismo (o quem sabe fica por conta de meu empedernido ceticismo, atualmente meio que cambaleante diante da inexistência de outras explicações para o início de tudo), dera berço ao que vemos e ao que somos - o Big Bang, a portentosa explosão que em nanossegundos (qual semana, qual nada) liberou a energia que ainda rola por aí, bilhões de anos depois, transformada em matéria, fornalhas de estrelas, buracos intrigantes, ventos cósmicos e, oh! novas descobertas, excitantes ondas gravitacionais.

E aí eu me deparo com a profunda verdade de que este mesmo impulso inicial foi também capaz de criar, na Alemanha do século XIX, um cérebro extraordinário, cujo privilegiado circuito interno de neurônios proporcionou ao seu insuspeitado dono, um menino judeu de uma família de classe média, os meios e a inspiração para entender a intrincada mecânica dos céus.

A suprema satisfação demonstrada pelos homens de ciência em todo o planeta ao descobrir que Einstein estava, mais uma vez, certo, faz-me duvidar de coisas triviais como acaso, sorte, chance, etc.  Como encarar como natural que um cientista, há cem anos, trabalhando só com teorias esvoaçando dentro de seu crâneo, tenha desvendado coisas que só hoje, um século e zilhões de horas de pesquisa depois, conseguiram ser comprovadas?

É claro que eu não entendi nada das explicações triunfantes dos sábios sobre as tais ondas gravitacionais. Meus neurônios têm sua própria velocidade e sua maneira peculiar de racionalizar. Mas, pela afirmação, repetida com gusto pelos doutores, de que isto irá mudar a maneira com que encaramos o Universo, dá para entender tratar-se de algo importante na relação espaço/tempo.

Quem sabe isto não poderá provar a existência de mundos paralelos, oferecer novos conceitos do continuum presente/passado/futuro, sugerir a possibilidade de viagens alucinantes pelas galáxias? Ou, até, descobrir que, de vez em quando, alguém vem soprar no ouvido de um Einstein, um Galileu, um Copérnico, um da Vinci, umas dicas surpreendentes sobre o Universo e sobre a Vida?

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2016  


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

SURPRESA?





No dia 22, uma grande manchete d’O GLOBO informou em caixa alta que o sistema de previdência do funcionalismo público tem um rombo previsto de R$2,4 trilhões. Isto mesmo, TRILHÕES. Em outra linguagem, 44% do Produto Interno Bruto deste país. Mas, eu não me espantei com o número. Me espanta, e muito, é verificar que isto ainda pode causar surpresa.

Se sempre houve uma coisa certa, além da morte, esta coisa foi a certeza da inviabilidade do Regime Próprio de Previdência brasileiro.  Para entenderem melhor o que é isto, explico que este é o nome de um dos mais generosos sistemas de pensões e aposentadorias do mundo civilizado. Suas normas de cálculo e concessão de benefícios para os empregados da Administração Pública nacional obedecem a critérios totalmente diferentes do Sistema Geral de Previdência, aquele ao qual todos os outros brasileiros são filiados. 

Enquanto que no nosso (porque me incluo na multidão ignara dos dependentes do INSS) regime convivemos com, e amargamos, a vilania dos tetos, as inúmeras surrupiadas impostas por legislações cruéis, o achatamento do valor da minguada aposentadoria mercê de uma obscena e desonesta política de correção, o funcionalismo estatal tem suas pensões equiparadas ao valor dos salários dos funcionários ativos da mesma categoria e recebem o mesmo aumento e nas mesmas épocas que eles.

Assim, no mesmo passo em que os pensionistas do INSS, que contribuíram pelo teto de 20 (e depois 10) salários mínimos, hoje recebem, no máximo, o equivalente a 4,8, os aposentados estatais mantêm seu ganho intacto. Isto está mais do que evidente no fato de que a União gasta quase o mesmo valor com os dois sistemas, sendo que o Sistema Geral tem atualmente quase 20 milhões de beneficiários, e o Regime Próprio, apenas dois milhões. Ou seja, dois patamares diferentes e, perante os olhos da República, duas classes de cidadãos.

Como o esforço contributivo é completamente diferente nos dois regimes, fica também evidente que não há elucubração matemática que possa fazer o Regime estatal fechar suas contas. Como eu já disse antes (e várias vezes) aqui neste blog, sistemas previdenciários, diferentemente dos planos privados de aposentadoria, funcionam em base caixa. Ou seja, quem hoje trabalha e contribui paga os benefícios de quem está aposentado. Isto, é claro, pressupõe uma relação contribuinte/pensionista favorável. A regra de ouro da Previdência aconselha que essa relação seja de 3 contribuintes para cada aposentado. Se no Sistema do INSS, com os achatamentos indecentes ao longo dos anos, esta relação está próxima de 1,3, imaginem então no Regime Próprio. Segundo o GLOBO, poderá afundar abaixo de um para um em breve, pressionado em boa parte pelo mesmo fenômeno que influencia todos os regimes de base caixa do mundo – o aumento da expectativa de vida.

De qualquer maneira, a conta já não fecha há muito tempo. Já há municípios em que a contribuição para o fundo de pensão ultrapassa a receita e outros órgãos em que já existem mais ex-servidores do que funcionários ativos. Como, então, as aposentadorias estão sendo pagas? Ora, caros amigos, porque verbas vêm e vão ao sabor de algumas canetadas, dadas por quem de direito e, de repente, a compra de um crucial equipamento hospitalar é jogada para escanteio afim de permitir a emissão dos contracheques dos esperados benefícios...

Como disse no início, isto não é novo. A diferença agora é que, graças ao monumental desgoverno que nos assola, a grana acabou. Acabou total. Não dá mais para ensejar a dança das verbas, simplesmente porque elas não estão lá. E a generosidade de um sistema impossível de ser mantido será revogada da maneira mais simples, e talvez a mais brutal. Não haverá dinheiro para sustentá-la.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2016



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

PERSPECTIVA




Uma das vantagens (são poucas...) da idade avançada é poder ver as coisas em perspectiva.

Por exemplo.

No domingo passado, pude assistir pela televisão ao jogo entre Flamengo e Vasco da Gama pelo Campeonato Carioca.  Num aparelho com mais de 50 polegadas e high definition, é quase (e, em certos casos, até melhor) do que se estar fisicamente no estádio. Como o Maracanã está sendo preparado para as Olimpíadas, a partida foi em São Januário, o lendário campo dos vascaínos. E aí me lembrei.

Há 67 anos assisti, dessa vez in loco, ao mesmo jogo. Mesmos dois times, mesmo estádio, mesmo campeonato. Tinha eu oito anos e fui com meu pai, que já me inserira no DNA a paixão pelo time rubro-negro. Éramos, portanto, o inimigo. Para agravar as coisas, papai conseguira, com um amigo português, duas entradas para a “social do Vasco”, uma espécie de tribuna de honra, onde ficava a elite dos sócios cruzmaltinos. Para quem não está familiarizado com a história do futebol do Rio, o time da Cruz de Malta era, à época, sustentado pela abastada colônia portuguesa, patrícios endinheirados que transferiam para a agremiação o mesmo amor por Portugal, que a saudade da “terrinha” aumentava ainda mais. Nas cadeiras da “social”, não havia lugar para manifestações contrárias. Recordo-me vivamente das instruções paternas antes de sairmos de casa. Se o Flamengo fizer um gol, não abra o bico!...

Em 1949, o futebol brasileiro começava a formar sua escola, mas ainda estava longe de ser reconhecido como uma força importante fora de suas fronteiras. Transferência de jogadores para o exterior, à exceção de alguns vizinhos sul-americanos, era inexistente. Mas, a aproximação da IV Copa do Mundo, a ser realizada no Brasil, enchia-nos da esperança quase juvenil de podermos mostrar ao mundo a arte de craques extraordinários como Zizinho, Jair, Bauer, Danilo, Ademir e a maneira alegre e desconcertante de como jogávamos um esporte que nascera na Europa.

Naquela época, também, o que existia de melhor no esporte gravitava no eixo Rio-São Paulo. Estávamos ainda muito distante de um certame de âmbito nacional e os campeonatos regionais destas duas cidades eram os eventos de maior importância no calendário futebolístico. Ser campeão carioca ou paulista era a glória.

O Flamengo tinha um bom time, mas o Vasco era a base da seleção nacional que iria chegar às finais do Mundial no ano seguinte e encantaria o planeta com goleadas históricas em cima de suecos e espanhóis, antes de sucumbir no desastre frente ao Uruguai. Ostentava o apelido de “Expresso da Vitória” e, no carioca de 1949, já desancara quase todos os adversários. Ao irmos para o São Januário, não carregávamos grandes esperanças...

Mas, aí começam as comparações. Fomos de bonde (tradução: bonde era um transporte de massa movido a energia elétrica que andava sobre trilhos. Na década de 1940, era a maneira preferencial de se deslocar pela cidade). E papai foi, como era de rigueur na tribuna de qualquer estádio, de terno e gravata. Não havia qualquer ameaça de tumulto, além da algazarra feita pelos vascaínos, cantando seu refrão da época (Cazaca, cazaca, cazaca zaca zaca, a nossa turma é boa, é mesmo da fuzarca...). A boa educação coibia os palavrões e, mesmo se fossemos descobertos como torcida contrária, no máximo teríamos sido convidados a nos retirarmos...

Passei a ver, então, os dois jogos em paralelo. As mesmas cores, as mesmas paixões, a mesma ânsia de vitória, a mesma catarse. Mas, em mundos completamente diferentes, distanciados pela erosão de gerações, de avanços e de retrocessos, pela voragem das mudanças, por esperanças, algumas que se desfizeram, outras que ultrapassaram os sonhos. Dois mundos sobrepostos. Só mesmo a idade nos faz poder vê-los em perspectiva. O que não deixa de ser um grande privilégio.

Em tempo. Naquele dia de 1949, o Flamengo fez dois gols logo no início. Não sei até hoje como consegui segurar o grito de Mengooo! na minha garganta infantil... Mas, o Vasco era mesmo um grande time. Virou o jogo e goleou por 5 a 2. Domingo passado, nem deu para torcer muito. O jogo foi fraco. E o Flamengo perdeu. De novo...


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2016  

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O REGRESSO





Revenant, em inglês, quer dizer aquele que retorna da morte. O título dado no Brasil, O REGRESSO, chega perto. Mas, não preenche exatamente o significado da palavra original.

Assim, também, é o filme. Chega perto de ser uma obra prima. Mas não é.

Todo mundo reconhece que o mexicano Alejandro Iñárritu é um excelente diretor. Desde seu primeiro trabalho, Amores Perros, até o Oscar do ano passado com Birdman, passando por 21 Grams e Babel, ele tem colecionado uma fileira de prêmios e de aclamações da crítica. Ninguém põe isto em dúvida, mas eu acho que, desta vez, ele errou a mão, ao tentar vestir de lirismo uma história de violência, que tem como cenário as disputas entre caçadores de peles e índios na tundra canadense nos primórdios do século XIX. Fica exagerado. As cenas das copas das árvores ficam repetitivas e, com a utilização recorrente de flashbacks, contribuem para um alongamento dispensável do filme.

Mas, The Revenant tem seus muitos méritos. O primeiro é a extraordinária fotografia, um portentoso álbum de cenas magníficas de um Canadá ainda primitivo, de um inverno infinito desenhando campos de neve, rios azul-cobalto correndo entre as margens brancas, poentes de tirar o fôlego. Outros são o figurino e a direção de arte, ótimos ao recriar o ambiente rude e a vida agreste e sem misericórdia de uma terra de pioneiros em luta contra uma natureza inclemente. Para isso, Iñárritu foi buscar os talentosos Emmanuel Lubezki, Jaqueline West e Jack Fisk, feras que são também os preferidos de outro gênio, o diretor Terence Malik.

A primeira meia-hora do filme, até a extraordinária cena em que o urso ataca o personagem Hugh Glass (numa das mais bem filmadas cenas de ataque animal que já vi), quase vale o ingresso. Mas, depois, o ritmo cai.

Finalmente, O REGRESSO confirma Leonardo DiCaprio (no papel de Glass) como um dos mais completos atores da atualidade cinematográfica. Vi pouco dos outros candidatos ao Oscar, mas acho que, desta vez, ele deve ganhar. Mas, de tirar mesmo o chapéu é a interpretação de Tom Hardy, que também concorre à estatueta como ator-coadjuvante, na pele do vilão John Fitzgerald. Hardy, que começou a carreira fazendo uma ponta na série Band of Brothers, vem aparecendo com destaque em várias produções recentes e retomando o papel que foi de Mel Gibson na sequel Mad Max.

Enfim, não recomendo o The Revenant, nem deixo de recomendar. Fico em cima do muro. Quem quiser, que vá por conta própria...

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Mas, não posso ficar em cima do muro com a interpretação que a Lady Gaga deu ao hino dos Estados Unidos na abertura do último Superbowl. ESPETACULAR é pouco! A 50ª edição da final do campeonato de futebol americano ia entrar para a história de qualquer maneira. Com a apresentação dela, o dia vai ficar inesquecível. Sou fã de carteirinha desta camaleoa há muito tempo, principalmente pelo seu vozeirão extraordinário. Admiração que só fez crescer quando ela resolveu fazer par com Tony Bennett na gravação de maravilhosos standards e roubou a noite ao cantar The Sound of Music na última festa do Oscar. Vou até postar aí abaixo a fantástica performance. Não tem prá ninguém...







Oswaldo Pereira
Fevereiro 2015                                                       

  

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A GRANDE NUVEM




Viemos aproveitar a calmaria antes da tempestade, isto é, os dias de relativo sossego que antecedem o apocalipse do Carnaval aqui em São Pedro da Aldeia, e a Lei de Murphy entrou em funcionamento. Pifou a televisão, morreu a aparelhagem de som e, aqui às margens da Lagoa de Araruama, eu não tenho acesso à Internet. A sensação é de se estar em pleno retiro espiritual numa aldeia dos Himalaias. O que é feito do Mundo? Como estará ele se comportando sem a minha atenção diária?...

Nos maravilhosos dias de hoje, toda gente já deve ter sentido esta sensação de desamparo quando o sinal do celular é fraco ou a conexão da Web nos abandona. Tornamo-nos dependentes da comunicação ao alcance de um toque, de um Skype familiar, de um whatsapp comunitário. A vida parece perder o sentido sem a informação ao segundo do clima ou do último lance do campeonato espanhol, sem a literatura em pílulas do Face, sem as rajadas curtas de frases abreviadas do twitter. E o que dizer do Google, versão mágica e infinitamente alargada dos antigos almanaques Eu Sei Tudo?

Outra benesse que se torna cada vez mais indispensável é a possibilidade de mandarmos tudo para a Nuvem, este repositório ilimitado de arquivos, acessível (ou será acessável?) instantaneamente, como uma grande biblioteca gerida por anjos que se movem à velocidade da luz. Lá podemos guardar carinhosamente nossas fotos e nossos vídeos, nossos diários e nossos escritos, nossas mensagens de amor e nossos recados de ódio. Os registros de nossa existência. Sua permanência está assegurada pela imensa tecnologia digital que reina sobre as nossas vidas.

Só que eu, com a desconfiança mineira que herdei de meus pais, conservo o antiquado (e ridicularizado pelas hostes mais jovens) hábito de guardar tudo em pen-drives, cd’s e, pasmem, em velhos cadernos. Vai que...

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A família está reunida em torno da mesa de jantar. Ninguém conversa, é claro. Estão todos com os olhos fixos na pequena tela de seus smartphones. De repente, a filha mais nova exclama.

«Caraca!»

A mãe imediatamente, e sem desviar o olhar de seu Galaxy hiper-6, a repreende.

«Atenção à linguagem, Mildred! Estamos à mesa.»

«Mas, mãe, o meu celular apagou o Minecraft, bem na hora em que eu ia explodir uma cidade inteira...»

O pai tenta fazer melhor. Enviar uma mensagem de teor semelhante para Mildred pelo whatsapp familiar. Mas, também de repente, o arquivo de fotos de garotas da Playboy que consultava em segredo havia desparecido.

Em seguida, o filho grita «Meu trabalho para a aula de Química foi apagado.» E vira-se para a irmã «Só pode ter sido você, sua idiota!»

A mãe tenta apaziguar os ânimos, mas quando volta a olhar para a tela do Galaxy, sente um calafrio. Todo o elaborado discurso que levara semanas preparando para sua posse amanhã como Diretora do Country Club de sua cidade tinha sumido.

A família se entreolha em pânico crescente. O pai vai até a porta da frente. «Deve ser problema com o sinal», e dirigindo-se à mulher, «Quem mandou você escolher esta porra de provedor!»

O filho corrige. «O problema não é do provedor. Eu continuo tendo internet. Os arquivos é que estão se apagando...» Da casa do vizinho, vem um sonoro palavrão e uma frase angustiada. «As fotos do nosso casamento!...»

Decidem ligar a TV.

«Estamos aguardando um pronunciamento do Presidente», diz um repórter com ansiedade controlada. A imagem corta para a locutora-âncora do canal, também ela com cara de quem comeu uma enguia estragada. No rodapé, as notícias vão passando como um trem veloz. “Putin acusa Obama e promete retaliar”. “O exército de Israel entra em prontidão máxima e Netanyahu diz que o país sofreu um ataque cibernético”. “O Papa Francisco pede calma até que se saiba algo mais sobre o que está acontecendo com o i-cloud”. “No Brasil, Dilma Rousseff declara que não tem noção do que se passa, o que não é nenhuma novidade”.

Logo, os japoneses descobriram. A i-cloud, a grande nuvem que abrigava as informações do mundo, derretera. Uma supersaturação de zilhões de terabytes causara uma brutal indigestão nos intestinos informatizados do cumulus-nimbus virtual. E ele simplesmente se auto desligara. O mundo voltava aos meados do século XX.


Num pequeno casebre do interior, um casal de capiaus prepara-se para dormir. O dia está morrendo num poente majestoso. Ali ainda não há luz elétrica. E nem telefone. A iluminação vem das velas e o fogão é a lenha. Ela diz para o marido.

«Ô Zé, andam dizendo aí que sumiram com a nuvem...»

Zé vai até a única janela do casebre.

«Uai, muié... Tem umas nuvem lá prás bandas do compadre João. Será que foi ele que roubou ela?»

«Sei não, Zé» Ela veste a camisola. «Zé, isso muda alguma coisa prá nóis?»

Zé sopra a vela. O quarto mergulha na penumbra do fim do dia.

«Nadica de nada, minha véia. Vâmo durmir...»


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2016

PS.:  Este modesto blog está comemorando três aninhos. Foram 3 livros e mais de 200 postagens, incluindo contos, crônicas, poesias, dicas de turismo, homenagens a cidades musicais e até uma turma de bar que se escafedeu para os States. A recompensa foram as quase 38.000 visitas, centenas de comentários e inúmeros elogios, recompensa esta que credito à paciência e boa vontade dos meus abnegados leitores. MUITO OBRIGADO A TODOS VOCÊS!!!