quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

2016



Alguns anos parecem perfeitos, quando os olhamos de longe. Especialmente aqueles que nos trouxeram algo de bom, de repente todos os da juventude, quando o presente só tinha canções e o futuro só sonhos. Esses anos, distantes e amortecidos num passado encantado, ainda nos soam como cascatas cristalinas de água pura e perfumada, correndo para um vale florido, onde nada de mal podia acontecer e, como na música do Chico, “a gente era obrigado a ser feliz...”

Mas, os anos não podem ser julgados assim, pela medida pessoal. Cada um vive seus enredos próprios durante os trezentos e sessenta e cinco (no caso de 2016, trezentos e sessenta e seis...) dias que os calendários nos atribuem. Somos bilhões de seres humanos nesta esfera azul e são outros tantos dramas, destinos, sagas e esperanças. O veredito final tem de ser objetivo, deve basear-se numa análise compreensiva, tem de responder à pergunta: o mundo melhorou neste ano?

Julguem.

ATENTADO EM NICE
Bruxelas, Lahore, Istambul, Nice, Berlim. Em 2016, estas cidades passaram a ter a tragédia como laço comum. E a mensagem de terror em estado puro que fica é a de que o inimigo agora é invisível, imprevisível, inindentificável, uma palavra que ainda não está no dicionário, mas que já existe no consciente das gentes. O ataque agora não virá de onde se espera. Poderá ser feito sem armas, sem bandeiras, sem uniformes, sem declarações de guerra. Basta um caminhão. E uma mente embriagada por um ideário de violência e horror.

GUERRA CIVIL SÍRIA
Trezentas mil pessoas é a população de uma cidade de porte médio. E é também o número de pessoas mortas no conflito sírio. Seu recrudescimento este ano carrega um viés de total desprezo dos donos do xadrez político mundial pela vida de um simples ser humano, de crianças, mulheres e velhos desfeitos pelas bombas, eviscerados pela fome, esmagados pelo medo. Nada mais parece comover os senhores da guerra. Nem lagrimas, nem sangue, caindo na poeira de um futuro cruel que não tem data para terminar.


O tapete foi preparado para a troca da guarda. Sai Obama, que reverteu o caos econômico, embalou programas sociais, preferiu usar a palavra em vez da força, escutou as vozes que rezam pela saúde do planeta, quis controlar o big business e a venda das armas. Entra Trump. E os Estados Unidos vão fazer meia-volta volver. God help us.


Houve o Brexit. Os britânicos simplesmente confirmaram o que sempre vigorou. O canal que os defendeu desde o tempo dos normandos continua intransponível, nas duas mãos. Saíram do Euro sem nunca ter efetivamente entrado. 


E, no Brasil, houve o impeachment.  E, mais do que isso, a abertura das entranhas deste monstro pegajoso que se instalou no organismo do poder público brasileiro. Um polvo gigantesco, cujos tentáculos envolveram Governo Central, Estados e Municípios num imenso pantanal tenebroso. Denúncias, delações premiadas e acordos de leniência expuseram a correnteza lamacenta que corre debaixo das nossas instituições, levando em seu aluvião a poupança e os sonhos de um povo enganado, espoliado, surrupiado e a estarrecedora constatação de que a maior empreiteira do país tinha em seu organograma um Departamento da Propina... E o ano se despede sem que se possa vislumbrar o fim desta tragédia.


As Olimpíadas do Rio foram um oásis de beleza e competência. Mais que tudo, foi uma maravilhosa performance do povo carioca. Sediamos os Jogos com alegria, orgulho e paixão, do nosso jeito, com a nossa cara. Um sucesso inquestionável e a pergunta que ficou. Se podemos isso, por que não podemos o resto?

Portugal ganhou a Eurocopa, Bob Dylan o Nobel. Houve, então, justiça no mundo.

Mas, no geral, a contabilidade de 2016 não ajudou, aqui e lá fora. Houve a queda da ciclovia, o voo final da Chapecoense, a zika e a chicungunha. Muita gente foi embora. Fidel, Ali. As Artes ficaram menores com a ida de David Bowie, Prince, Leonard Cohen, Umberto Eco, George Michael, Carrie Fisher, Hector Babenco, Gene Wilder, Billy Paul.

É hora, pois, de suspirar. E, pelo menos, tentar aprender com o que passou. Está na hora de descer para a arena de um novo ano. Vamos nessa, moçada. Não se esqueçam de que muito do que 2017 vai ser, depende só de nós...


UM FELIZ ANO NOVO!

Oswaldo Pereira
Dezembro 2016
 








quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

É NATAL!!





UM FELIZ NATAL PARA TODOS!!!



E, PARA NÃO PERDER O HÁBITO, AQUI VAI O CONTO DESTE NATAL...




INÍCIO DE NOVEMBRO, DE UM ANO QUALQUER DO FUTURO NÃO MUITO DISTANTE

A ampla sala de reuniões está toda preparada.

Um a um, os convidados vão entrando e sentando-se. O chefe da Expedição, o Diretor do Departamento de Cartas & Mensagens, o Vice-Presidente de Produção, o Gerente da Divisão de Desenho e Criação, o Assessor de Marketing e Imagem, o Auditor-Chefe da Seção de Avaliação de Comportamentos, o Assessor para Contratos de Patrocínios.

Depois de estarem todos acomodados, o casal entra.

Já estão vestidos de vermelho, a cor oficial do grande Estabelecimento. Ela com seus lindos cabelos grisalhos presos numa fita encarnada, os olhos atentos, o semblante doce. Ele muito acima do peso, a face bondosa sempre pronta a um sorriso, a comprida barba branca.

O último a passar pela porta é um executivo apressado, como todos são, o rosto contraído num esgar preocupado, os cabelos mal alinhados informando a todos que ele não é homem que perca seu precioso tempo em frente ao espelho. Os que estão na sala já o conhecem há anos. É o representante do COmitê CAmeral de  COLAboradores.

Sem se sentar, ele toma seu lugar numa das pontas da grande mesa, abre seu laptop de última geração e olha em torno. Certificando-se que toda a cúpula administrativa do Estabelecimento está presente, respira profundamente e começa a falar.

«O dia que receávamos chegou!»

Faz uma pausa de efeito.

«A Quarta Revolução Industrial acabou de acontecer. Vejam os seguintes dados.»

Do seu laptop sai um facho de luz que pousa numa tela colocada horas antes no fundo do salão.

«Em 1998, a Kodak tinha 170.000 funcionários e dominava 85% do mercado de papel fotográfico em todo o mundo. Em menos de cinco anos, com o advento da fotografia digital, seu modelo de negócios despareceu e ela abriu falência.

O computador Watson, da IBM, é o melhor exemplo de inteligência artificial do momento. Derrotou o melhor jogador de GO do planeta, dez anos antes do previsto. É capaz de fornecer aconselhamento legal à distância com 30% a mais de exatidão do que os advogados e a um custo infinitamente menor.

O Tricorder-X, cujo preço poderá chegar a menos de US$100 em pouco tempo, é um aparelho de investigação e diagnóstico por telefone capaz de analisar 54 bio-marcadores, desde exames de retina, de sangue e de respiração, e auxilia na detecção do câncer quatro vezes mais acuradamente que exames normais. Tornará o atendimento médico de alto padrão acessível e barato em menos de três anos.

Os veículos autônomos já estão tornando obsoleta a tarefa de dirigir. Ninguém mais precisa tirar carteira de motorista. A eficiência da condução automática já reduziu drasticamente o número de acidentes automobilísticos e as mortes do trânsito. De 1,2 milhão por ano, antigamente, caiu a menos de 100 mil. Com isso, o ramo de Seguro Automóvel desapareceu. Assim também estão desaparecendo as tradicionais montadoras. Hoje, o setor é dominado por empresas que detêm a tecnologia de construir computadores sobre rodas.

Com as estradas e as ruas dominadas por carros elétricos, as ações das petrolíferas derreteram nas bolsas de valores do mundo inteiro.

O mercado imobiliário nos grandes centros afundou. Ninguém mais precisa IR trabalhar! O trabalho é feito em casa. Assim, todos preferem morar nas periferias das megacidades, ou em pleno campo. Edifícios de escritórios são hoje coisa de museu. Na mesma vertente, o tele ensino extinguiu a necessidade de prédios escolares.

Assim, a quem está hoje pensando em estudar direito, medicina, ou espera conseguir um emprego em seguradoras, imobiliárias, petroquímicas e na indústria de veículos, aconselhamos que pense duas vezes.»

Fez mais uma pausa. O silêncio era contrito e pressago. Ele continuou.

«Temos de encarar este novo mundo. A tecnologia destruirá a maioria das atividades tradicionais nos próximos cinco anos. Setenta por cento dos adolescentes de hoje irão trabalhar em atividades que AINDA NÃO EXISTEM! A nossa realidade é uma tela sempre em mutação.

Bem, o que eu vim comunicar é que, pelas nossas análises, o negócio de vocês está totalmente ultrapassado. E, nesta conformidade, o nosso COmitê decidiu retirar seu patrocínio...»

A sala entrou em tumulto. Todos começaram a falar ao mesmo tempo. Pacientemente, ele esperou a poeira baixar.

«Tenho muita pena, mas tentem examinar o seguinte. Hoje ninguém escreve mais cartas. Não há mais serviços de entregas, pois quase todos têm impressoras 3-D em casa e basta importarem os arquivos digitais do que desejam e pronto. As normas de comportamento infanto-juvenil que determinavam quem tinha direito a receber presentes foram abolidas na nova Psicologia. E, convenhamos, esses critérios altamente subjetivos de premiação são hoje socialmente incorretos. Além disso, os alertas aéreos sobre objetos voadores não convencionais, como um trenó, por exemplo, estão, em função do terrorismo internacional, extremamente rígidos.

Desculpem, mas a nossa recomendação é de que fechem as portas. Podemos tentar um outplacement para os empregados e dirigentes. E, para você, Papai Noel, tenho a autorização de oferecer uma confortável pensão num condomínio geriátrico e...»

Uma hora depois, a sala estava praticamente vazia. O representante do COmitê já se retirara e os funcionários haviam retornado aos seus postos de cabeça baixa. Papai Noel olha para a mulher. Dá um longo suspiro.

«Quem sabe ele não tem razão? Estamos velhos, o mundo mudou, a poesia de foi. Somos um anacronismo, imagens de um passado romântico, sombras de um lindo sonho. Uma lenda que o Presente não quer mais ouvir. Uma sinfonia cuja partitura o Tempo apagou...»

Mamãe Noel olha para o marido. Seus olhos doces estão claros de lágrimas. Ela não sabe o que dizer...

De repente, o rosto de um menino aparece na soleira da porta. Papai Noel se surpreende.

«Como entrou aqui? Não sabe que a presença de estranhos é expressamente proibida dentro desta fábrica, especialmente nesta época do ano?!»

O garoto não parece intimidado. Seu sorriso é contagiante. Mamãe Noel observa.

«Deve ter aproveitado que todos estavam ligados na reunião.» E, virando-se para o garoto. «O que você deseja, meu menino?»

Ele olha para o casal com os olhinhos ariscos.

«Sabem o que é? Eu moro numa pequena vila aqui perto, nas tundras da Lapônia. É um lugar muito pobre. Não temos energia elétrica, nem água corrente, nem nada dessas coisas de que falam por aí, caixas que mostram imagens, tabletes que falam, compuseuláoquê que as outras gentes adoram, i-qualquercoisa que as crianças de outros lugares não vivem sem... Só temos a Natureza. E papel e lápis. Eu então vim entregar as cartinhas dos meus amiguinhos lá da terra para o Papai Noel. É o senhor, não é?»

O velho abre um largo sorriso.

«É claro que sou!»
O semblante do menino se ilumina.

«Então, tome. Aí estão os nossos pedidos.» E, virando-se para ir embora. «E não deixe de aparecer na Noite de Natal, viu?»

O casal olha o garoto sair, feliz como um anjo. Em seguida, Papai Noel se levanta.

«Quer saber, Mamãe? Que fechar as portas que nada! O COmitê que vá plantar batatas. Há milhões de crianças neste mundo que ainda esperam por mim.   Vamos é trabalhar.»

E, dando um estalado beijo na bochecha da mulher, solta sua potente voz no ar.

«HO! HO! HO!»

Oswaldo Pereira
Dezembro 2016

Se alguém tiver interesse (e paciência!) em ler os Contos dos Natais anteriores, aí vão os links:







 














segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

EXPECTATIVAS



Até o Face anda frio por estes dias. Este termômetro dos humores de massa, território livre de opiniões, lembranças, mensagens e dicas, tornou-se de uns tempos para cá a onipresente fonte de notícias e tendências. O que lá “viraliza” pode atingir um país inteiro, às vezes até um planeta inteiro.

Mas a proximidade do fim do ano parece amortecer a temperatura usualmente candente da rede. E não só aí. Todas os outros meios de relacionamento caem numa espécie de ralenti, uma sutil diminuição de ritmo, um espreguiçar dolente. O frenesi do dia-a-dia recolhe-se, o ímpeto da vida acomoda-se, até a Terra dá a impressão que gira mais devagar.

É que esta convenção, com a qual queremos entender e traduzir o Tempo, nos avisa que um ano chega ao fim.  Um bloco pré-determinado de dias fecha sua contagem e embora a natureza, mais preocupada em repetir suas estações, sequer tome conhecimento, nós humanos sentimos o ritmo do calendário.

De repente, o Futuro anuncia que já está virando a esquina, trazendo debaixo do braço todos os seus mistérios, seus segredos, suas promessas, suas propostas. Um novo livro, um novo arquivo, um novo tempo de jogo.

No fundo, só vai mudar a folhinha.  Mas nós achamos que serão outras cores, outras flores, que o destino vestirá roupa nova, que o sol vai nascer mais cedo e mais belo, que haverá paz, individual e coletiva, que o mundo vai ter juízo no ano que vai nascer.

E assim ficamos à espera, mais quietos, aguardando ele aparecer no horizonte, mais silenciosos, com receio de que o nosso alarido perturbe sua chegada triunfal. Afinal, somos uns românticos...

Oswaldo Pereira

Dezembro 2016

domingo, 11 de dezembro de 2016

DESABAFO



Há dias, ouvi um texto lido pela Maria Bethânia sobre a corrupção, o descaso e a incúria criminosa com que os políticos lidam com a coisa pública. Era um desabafo aberto ao vento, de uma atualidade eterna, despejado por um homem que se via espoliado, enganado, vilipendiado, ultrajado, e que se sentia impotente para reverter sua condição de vítima e joguete nas mãos do poder. O autor? Fernando Pessoa. O ano? 1917. Há cem anos...

Há mais tempo, li “Scandalmonger”, do conceituado jornalista e escritor americano William Safire, em que ele, apoiado em farta documentação da época, denuncia um rosário de falcatruas, favorecimentos e deslizes dos Founding Fathers, os excelsos fundadores dos Estados Unidos. Para que se situem bem, estamos falando de gente do calibre de Thomas Jefferson, Alexander Hamilton e George Washington.

Nesta semana, Park Geun-hie, presidente da Coreia do Sul, foi impichada, por alegado conluio que enriqueceu sua melhor amiga. Em Portugal, o ex-Primeiro Ministro José Sócrates ainda tem muito de explicar à justiça e na Itália, em passado recente, a Operação Mani Pulite (Mãos Limpas) levou um sem número de parlamentares aos tribunais. Eu poderia escrever mais uns dez parágrafos iguais a este com exemplos sobre a corrupção política só neste nosso incipiente século.  

O que todos estes casos têm em comum? Todos os implicados acima viviam em países democráticos e haviam sido eleitos pelo povo.

O que é, então? Serão os eleitores uns cegos? Inocentes desvairados que jogam seus votos nas urnas como se fossem lixo descartável? Cidadãos inconsequentes que desconhecem os conceitos mínimos de cidadania? Ignorantes funcionais que não conseguem estabelecer uma basilar relação de causa e efeito entre o critério, ou a falta dele, da sua escolha e o seu futuro e o de seus filhos?  

E aqui... Ah! Pindorama infeliz... Aqui, esta maldição chegou ao paroxismo superlativo, à perfeição imperfeita de termos o nosso organismo político totalmente apodrecido, mergulhado num mar fétido de propinodutos, jabaculês, pixulecos, esquemas, agrados, molha-mãos, e outros produtos paridos pela ganância, de um lado, pelo conformismo caprino de uma população anestesiada, de outro.

Como reverter? Alguns falam em recomeçar do zero. Mas, só se for para mudarmos nossa alma, refinarmos nossas preferências, passarmos a encarar o exercício da cidadania como um lavor constante, diário, sem desfalecimentos ou acomodações. Escolher com atenção, vigiar com rigor, cobrar com persistência.

Se assim não for, o que adianta?...

Oswaldo Pereira
Dezembro 2016



sábado, 3 de dezembro de 2016

GANÂNCIA



Assim como os maços de cigarro são obrigados a estampar uma frase de advertência, todos as relações humanas deviam ser precedidas de um aviso.

A GANÂNCIA MATA.

Desde que Caim matou Abel e ficou com suas ovelhas, até à noite do dia 29 passado, quando o piloto e dono da empresa aérea Lamia, por causa de uma economia porca e arriscada, não abasteceu o seu avião como deveria, colocando na linha sua própria vida, a ganância tem sido a causa primordial de centenas de milhões de mortes ao longo dos séculos. No caso do voo em que viajava o time da Chapecoense, a incúria gananciosa de Miguel Quiroga levou, além dele, mais 76 pessoas.

A ganância é um monstro insaciável. Edifícios que caem porque seus construtores economizam fraudulentamente nos materiais, ciclovias que desabam pelo mesmo motivo, carros que enchem os nossos pulmões de gases nocivos porque suas montadoras correm atrás de um lucro extra e indevido, laboratórios que manipulam as fórmulas para ganhar mais dinheiro, empresas químicas que escamoteiam as informações sobre a quantidade de veneno com que dosam seus pesticidas, donos de restaurantes que não querem jogar fora comida já vencida são algumas das muitas formas letais da ganância por riqueza. Outra mais letal ainda é a ganância por poder. Esta leva a guerras, genocídios e holocaustos.

Como se isto não bastasse, o monstro, assim que surgiu, engendrou e pariu uma filha, igualmente hedionda. A corrupção. Sua forma mais comum é a de uma podridão pegajosa que se apodera daqueles que estão próximos do poder e do dinheiro. Os escaninhos e os meandros da Política são seu habitat, o seu receptor complacente, seu meio de propagação mais célere.

E seu efeito é igualmente mortal. Nas filas dos hospitais saqueados pelos desvios de verbas, na condenação ao analfabetismo funcional em escolas semidestruídas pelo descaso e pelo roubo, nas curvas de estradas mal sinalizadas e cheias de buracos cavados por propinas indecentes.

Estas duas Górgonas cavalgam juntas.  São os flagelos da Humanidade. Quando as virem, fujam. Elas matam.

Em tempo. Foi noticiado que Cristiano Ronaldo irá doar 3 milhões de euros (mais de 10 milhões de reais) à Chapecoense. Quem conhece a vida do craque português não se surpreende. O jogador auxilia um sem número de pessoas e associações. Se ainda há quem fale mal dele, que pare um pouco para pensar nisto com seriedade.

E os endinheirados reis da bola brasileiros? Neymar, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Kaká. Pelé. Cadê vocês? Nem um trocadinho? Só mensagens de solidariedade no twitter? Francamente...


Oswaldo Pereira
Dezembro 2016



terça-feira, 29 de novembro de 2016

ADIÓS FIDEL


Fidel morreu numa Black Friday. Nada de mais emblemático.

No dia maior do consumismo capitalista, desaparece o campeão latino da esquerda histórica. Dois símbolos diametralmente opostos unidos numa esquina do tempo.

A figura de Fidel Castro Ruz dominou grande parte do século XX, principalmente no cenário americano. Do herói barbudo e romântico de Sierra Maestra ao incômodo espinho cravado no calcanhar yankee, de defensor do ressurgimento cubano ao vingativo algoz do paredón, de orador prolífico e inspirado a agente exportador da revolución aos países do continente, idolatrado e odiado, reverenciado como deus ou jurado de morte, patriarca iluminado ou ditador sanguinário, Fidel vai deixar como legado exatamente esta bipartida memória. Mesmo com o passar do tempo, seu julgamento pela posteridade nunca será pacífico.

Resta saber agora que Cuba existirá para além da morte de El Comandante. Mesmo que se possa argumentar que a transição já fora feita e que o velho líder retinha, nestes últimos tempos, muito pouco do antigo poder, a imensa sombra que ele continuava a lançar no imaginário de seu povo era intensamente palpável. Uma presença, uma luz no sacrário, um pedaço da história, uma referência viva. Queiram ou não, sua morte abre um vácuo nacional.

Além disso, seu irmão e sucessor não é muito mais jovem. Raúl Castro tem 85 anos. Quando se for, a dinastia acaba e a ilha ficará órfã.

O Caribe sempre povoou o imaginário das lendas como sendo uma terra de piratas, vendavais e tesouros enterrados na areia. De aventuras e de pilhagens. O ritual de passagem de Cuba para um mundo sem os Castro poderá ser traumático. Sua própria gente está dividida. Enquanto em Miami os exilados faziam um carnaval, em Havana as lágrimas acompanhavam a cremação. Por outro lado, a proximidade com os Estados Unidos será sempre um ingrediente complicador e, com Trump na vizinhança, a promessa de um futuro imediato turbulento.

Uma dose de rum e um puro, para quem adivinhar o que vai acontecer...


Oswaldo Pereira

Novembro 2016

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

WESTWORLD



O filme “Westworld” foi realizado em 1973. Custou 1,2 milhão de dólares e já rendeu acima de 11 milhões, ao longo de mais de quatro décadas. Com um roteiro escrito por Michael Crichton (já então um escritor de sucesso, cujo best seller “O Enigma de Andrômeda” fora lançado dois anos antes) e dirigido pelo próprio autor, virou cult.  Na época de seu lançamento, a ideia de um parque de diversões, em que androides construídos como perfeitas réplicas dos humanos seriam anfitriões prontos a satisfazer qualquer desejo, foi uma bela “sacada”. O mundo despertava para a cibernética user friendly, isto é, a desmistificação do uso do computador, antes privilégio de analistas e programadores, e sua transformação em ferramenta do dia-a-dia. Influenciado, segundo ele próprio, pelas possibilidades que se abriam e por uma visita à Disneyworld, em que se deslumbrou com os animatronics do “Piratas do Caribe”, Crichton criou a sua ficção.

O filme acabou sendo pioneiro na utilização, ainda que em forma primitiva, da computação gráfica e foi a primeira vez que se usou a expressão virus para descrever a “doença” que atacava os computadores internos dos robôs.  Some-se a isto a icônica interpretação de Yul Brynner como Gunslinger (o Pistoleiro), e a película encontrou seu lugar na História.


Quarenta e três anos depois, a HBO resolveu beber na mesma fonte e recriar Westworld, agora como uma requintada série de TV. Segundo o famoso canal, a produção está destinada a ocupar o lugar do seu mais bem-sucedido seriado, o extraordinário Game of Thrones, que se encaminha para as últimas temporadas. Como já foram ao ar oito dos dez episódios da primeira parte de Westworld, dá para ensaiar uma crítica inicial.

Em primeiro lugar, fica um pouco difícil compará-la com o filme de 1973.  Embora a trama central repouse na concepção imaginada por Crichton, a dimensão das duas realizações estabelece dois patamares distintos. O filme teve a duração de 88 minutos. A série terá dez capítulos de uma hora por temporada, o que facilmente poderá significar mais de sessenta horas de exibição. No cinema, Delos (o nome do Parque) oferecia três mundos aos seus clientes. Roma, Idade Média e o Velho Oeste. Na TV, só existe o ambiente western, embora nada impeça que outras variações, ou narrativas, para usar o jargão do atual roteiro, venham a ser criadas. Há também uma versão (não confirmada) de ligação entre os dois parques, segundo a qual o presente Westworld seria uma reconstrução do antigo Delos, destruído, como o filme mostra, por uma rebelião dos androides.  Nessa mesma vertente hipotética, o personagem vivido agora por Ed Harris (o Homem de Preto) seria nada mais nada menos que o antigo Gunslinger de Yul Brynner.

Mas, se formos comparar Westworld com Game of Thrones, aí a coisa complica. Apesar de ambas contarem com duplas de talentosos roteiristas (Lisa Joy e Jonathan Nolan pela primeira. Davis Benioff e D. B. Weiss pela segunda), a fonte literária na qual uma e de outra buscaram seus argumentos difere diametralmente. Guerra dos Tronos tem como âncora conceitual a alentada obra A Song of Ice and Fire, cinco volumosos tomos escritos por um verdadeiro gênio, o americano George R. R. Martin. A única referência de Westworld é o roteiro criado por Michael Crichton há quarenta e três anos. O que implica na ausência de uma linha mestra de longa duração na administração criativa do tema.

A série é boa, não me levem a mal. É esmerada e elegante, move-se num ritmo condizente com a trama intrincada, tem uma trilha sonora instigante. A fotografia é primorosa. E conta com um elenco de primeiríssima qualidade. Além de Ed Harris, lá estão Evan Rachel Wood, Thandie Newton, até o nosso Rodrigo Santoro. Pairando acima de todos, o mago Anthony Hopkins.

Mas, daí a ser a sucessora do mundo mágico de Westeros, da saga insuperável dos Starks, Lannisters, Targaryans, Baratheons e outros, não sei não...

Oswaldo Pereira
Novembro 2016





quinta-feira, 17 de novembro de 2016

ALJUBARROTA



Que os portugueses respeitam o seu passado e procuram preservá-lo com cuidado e carinho, já todo mundo sabe. Neste modesto blog eu já me referi diversas vezes a isto.

No último domingo, eu tive mais uma agradável prova deste invejável sentido de preservação da História.

Muitas pessoas já visitaram o Mosteiro da Batalha. Situado relativamente perto do Santuário de Fátima, outra conta preciosa do rosário de lugares de importância cultural, de que Portugal é pródigo, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, nome de batismo da magnífica construção em estilo manuelino, foi mandado erigir por D. João I em agradecimento aos céus pelo sucesso de suas tropas na batalha de Aljubarrota.

O que pouca gente já foi visitar é o local onde os combates realmente ocorreram. Fica a uns três quilômetros do Mosteiro e hoje abriga um Centro de Interpretação, magnífico trabalho de reconstituição de um evento determinante da civilização ocidental. A visita, que pode ser feita em não mais que duas horas, inclui a apresentação de um detalhado vídeo sobre os acontecimentos que desaguaram no confronto e, mercê de um excelente trabalho de computação gráfica, a recriação de todo combate.

Aljubarrota foi uma esquina do destino. E também foi, mais que tudo, a extraordinária vitória de uma estratégia inteligente sobre a força bruta. Possuído pela atávica ambição dos espanhóis de dominar toda a península, D. Juan I de Castela, que um ano antes quase conquistara Lisboa, ataca novamente em 1385.  Na tentativa anterior, quando conseguira sitiar a capital por quatro meses, fora derrotado por um surto incontrolável da Peste Negra e, deixando as fogueiras crematórias para trás, retirara-se.

Seu exército agora é maior e mais poderoso. A ordem é deslocar-se rapidamente e atingir de novo a capital. Do lado português, o Mestre de Avis, aclamado como D. João I meses antes, após uma conturbada disputa pelo trono, sabe que a cidade não conseguirá sobreviver a outro cerco. Tem de confrontar o inimigo antes que ele chegue ao litoral. Mas, onde? E como? As forças são cruelmente desproporcionais. D. Juan traz 40.000 homens, os melhores de seu reino, soldados profissionais e cavaleiros bem treinados. O máximo com que Portugal pode contar é com 10 mil, dos quais cerca de 4.000 camponeses, que nunca viram uma luta e portam apenas foices, pás e enxadas como armas.

Aí entra em cena o talento. Chamado pelo rei português a comandar suas inferiorizadas tropas, D. Nuno Álvares Pereira sabe que tem pelo menos uma vantagem. Escolher onde. Quem visita o local descobre logo a esperteza de D. Nuno. Aljubarrota é uma colina estreita, com acentuados desfiladeiros dos lados. É ali que ele desafia o inimigo, forçando-o a atacar. Para dar-lhe combate, as linhas da vanguarda castelhana têm de afunilar-se. E perdem a vantagem dos números. Caindo em pequenas covas dissimuladas, cavadas na véspera pelos portugueses, os cavalos espanhóis derrubam seus cavaleiros, agora à mercê dos arqueiros e besteiros de D. João. A batalha, que começara sob um sol inclemente de agosto, termina antes da noite. O que resta das forças castelhanas é dizimado pela população das redondezas.

Este é o drama que, com riqueza de detalhes e profusão de pormenores, o guia que nos leva a andar pelo terreno da batalha, nos conta. Em diversos pontos, cenas do acontecido, colocadas em lunetas cuidadosamente localizadas, nos dão uma viva perspectiva do confronto. Uma bela e inesquecível aula de história sobre um dia decisivo. Tivesse D. Juan de Castela vencido, o capítulo seguinte da Humanidade, as Descobertas, teria sido uma aventura exclusiva da Espanha.

E nós brasileiros estaríamos hoje a hablar español...

Oswaldo Pereira
Novembro 2016










quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O ELEFANTE NA CASA BRANCA



O recado está dado. Basta olhar o mapa eleitoral dos Estados Unidos. Tirando a costa oeste, dois estados sulistas (Colorado e Novo México), e a Nova Inglaterra, o povo americano mandou sua mensagem ao resto do Mundo. F...K YOU!

Há dois anos, quando Donald Trump apareceu como postulante a uma vaga para concorrer à Presidência pelo Partido Republicano, toda gente achou graça. Inclusive os próprios republicanos. A imprensa troçou, os snobs do Establishment caíram na gargalhada, os comentadores políticos fizeram blagues, os cartoonists tiveram um prato cheio. Tudo era motivo de diversão. O discurso era populista demais, naïve demais. As propostas eram inconsequentes demais, xenofóbas demais. Até o cabelo era louro demais.

Quando estive nos States, em janeiro, Donald Trump já havia comido pelas bordas a maioria dos outros pré-candidatos do Partido e se apresentava como provável candidato à Casa Branca. A TV já não o tratava mais como uma brincadeira. Num texto que escrevi então fiz esta observação.

"En passant. Assisti há dias a uma entrevista do Donald Trump no canal Fox. Aos que acham que ele não passa de um bufão e que suas chances eleitorais são quase nulas, atenção! O cara é extremamente articulado, defende suas posições com os pés no chão e com a cabeça bem firme em cima dos ombros. É perigoso porque não tem nada a perder e diz o que muito americano da Middle America gosta de ouvir. Não estou fazendo qualquer comparação de fundo ideológico, mas ainda em 1933 tinha muita gente na Alemanha que classificava um certo político extremado da Baviera como um bufão e sem a menor hipótese de chegar ao poder."

Agora, ele chegou lá. E o Mundo entra em choque.

Se Trump mantiver a cartilha que usou como plataforma de campanha, os Estados Unidos vão virar mais à direita e privilegiar o Grande Negócio, e serão mais protecionistas e isolacionistas. Desmontará alguns dos legados de Obama, especialmente o Obamacare. Como terá maioria no Congresso, ao contrário de seu antecessor, poderá fazer praticamente o que quiser. China, Comunidade Europeia e NATO terão agora um parceiro indigesto e um negociador impiedoso.

Isto a gente já sabe. Mas, o que me preocupa mesmo é o fato de que Donald Trump chega ao ponto máximo da hierarquia política americana sem jamais ter ocupado sequer um cargo eletivo, seja como Governador ou membro dos congressos, estaduais ou federais. Sua experiência como administrador público é zero. Deverá, portanto, cometer erros. Meio como o proverbial elefante numa loja de louças (não por acaso, o elefante é o símbolo do Partido Republicano...)

Só que a loja é o nosso planeta, e a louça somos nós...

Oswaldo Pereira
Novembro 2016


sábado, 5 de novembro de 2016

DEMOCRACIA





«Antônia?! Ué, de novo aqui no ZanziBar? Veio de vez ou de férias?»







«Nem uma coisa nem outra, amigo. Vim votar...»








«Como é que é?! Tás brincando. Você se abalou dos States e veio para o Rio votar?! Em quem, posso saber?»

«Em ninguém, votei nulo nos dois turnos.»

«Agora eu me perdi de vez. Você voou dos Estados Unidos até aqui para votar e anulou o voto?  Peraí, é alguma pegadinha, não é?»

«Que pegadinha coisa nenhuma. Vim exercer meu direito como cidadã brasileira e carioca. Votar. Exprimir democraticamente minha vontade. Participar do processo. Usar as prerrogativas constitucionais que meu país me confere para demonstrar meu repúdio aos candidatos e... Por que você está abanando a cabeça, falei alguma besteira por acaso?»

«Antônia, my darling, estes meses lá no nosso grande irmão do Norte devem ter mexido com a tua linda cabeça. É compreensível. Estar vivendo na maior democracia do mundo, ainda mais agora, em plena campanha para a Presidência, assistindo ao grande espetáculo midiático, às convenções partidárias, aos gloriosos debates, ao...»

«Deixe de ser o cínico de sempre. Qual é o teu problema, cara? És contra a Democracia? Vai ver, preferes algo mais bolivariano, ou até gostas do Fidel...»

«Menos, Antonia, menos... Você sabe que não é nada disto. É que você, como muita gente que conheço, confunde Democracia, com D maiúsculo, com isso que temos aqui.»

«E tem diferença? Democracia é um conceito único, significa a mesma coisa, aqui, nos States ou na Conchinchina. É o governo do povo, pelo povo e para o povo.»

«O God! Lá vem você com o discurso do Lincoln. Por que não citar também Sócrates e Platão? Você está se esquecendo de um pequeno detalhe. Democracia pressupõe que o povo tenha consciência de sua responsabilidade na hora de eleger os seus representantes, aqueles que irão governar em seu nome. Que se predisponha a exercer uma permanente vigília sobre a atuação de seus eleitos. Que saiba profundamente quem eles são, e não se basear só nas baboseiras que dizem na hora da campanha eleitoral. Que estabeleça uma relação de causa e efeito entre a qualidade de seu voto e o tipo de legislação que irá governar seu dia-a-dia. Saber que seu futuro, imediato ou a longo prazo, vai depender da sua escolha.»

«É não é isto que temos hoje? O povo indo livremente votar, o espetáculo de um dos maiores colégios eleitorais do planeta exercendo o seu direito?»

«A imagem é linda, mas não é bem assim. Prá já, o voto aqui é obrigatório e...»

«Então, e não é o certo? Obrigar as pessoas a fazer a escolha, a entrar no jogo democrático, força-las a decidir, a participar da vida nacional...»

«É claro que não! A maioria vai votar como se fosse desincumbir-se de uma obrigação chata. Vota rápido e sem pensar, para ir logo à praia. Dez minutos depois, sequer se lembra em quem votou. Se o voto fosse voluntário, só os que estivessem preparados, e interessados, iriam participar do processo de escolha. A qualidade do voto seria muito maior.»

«Discordo. Inteiramente. A obrigatoriedade do voto faz com que as pessoas acabem aprendendo a mecânica, e a importância, do voto universal. O único caminho para a boa democracia é a má democracia. É um processo, um aprendizado. Não foi Churchill que disse a Democracia é a pior forma de Governo, excetuando-se as demais?»

«Churchill, Lincoln... Você está hoje cheia de citações. Vou lhe dar uma. A Democracia muitas vezes significa o poder nas mãos de uma maioria incompetente. George Bernard Shaw. Sabe o que ele queria dizer? Que sem educação, a Democracia pode ser um desastre.»

«Meu Deus. Só falta você citar o Pelé. O brasileiro não sabe votar. Me poupe.»

«Bem..., não adianta ficar aqui discutindo. Vai voltar para Nova Iorque?»

«Só se o Trump perder. Se ele ganhar, espero que me citem dizendo. O americano não sabe votar....»


Oswaldo Pereira
Novembro 2016