«Antônia?! Ué, de novo aqui no ZanziBar? Veio de
vez ou tá de férias?»
«Nem uma coisa
nem outra, amigo. Vim votar...»
«Como é que é?! Tás brincando. Você se abalou dos States e veio para o Rio votar?! Em
quem, posso saber?»
«Em ninguém,
votei nulo nos dois turnos.»
«Agora eu me
perdi de vez. Você voou dos Estados Unidos até aqui para votar e anulou o voto?
Peraí,
é alguma pegadinha, não é?»
«Que pegadinha coisa
nenhuma. Vim exercer meu direito como cidadã brasileira e carioca. Votar. Exprimir
democraticamente minha vontade. Participar do processo. Usar as prerrogativas
constitucionais que meu país me confere para demonstrar meu repúdio aos
candidatos e... Por que você está abanando a cabeça, falei alguma besteira por
acaso?»
«Antônia, my darling,
estes meses lá no nosso grande irmão do Norte devem ter mexido com a tua
linda cabeça. É compreensível. Estar vivendo na maior democracia do mundo,
ainda mais agora, em plena campanha para a Presidência, assistindo ao grande
espetáculo midiático, às convenções partidárias, aos gloriosos debates, ao...»
«Deixe de ser o cínico de sempre. Qual é o teu
problema, cara? És contra a Democracia? Vai ver, preferes algo mais bolivariano, ou até gostas do Fidel...»
«Menos, Antonia, menos... Você sabe que não é nada disto.
É que você, como muita gente que conheço, confunde Democracia, com D maiúsculo,
com isso que temos aqui.»
«E tem diferença? Democracia é um conceito único,
significa a mesma coisa, aqui, nos States
ou na Conchinchina. É o governo do povo, pelo povo e para o povo.»
«O God! Lá vem você com o
discurso do Lincoln. Por que não citar também Sócrates e Platão? Você está se
esquecendo de um pequeno detalhe. Democracia pressupõe que o povo tenha
consciência de sua responsabilidade na hora de eleger os seus representantes,
aqueles que irão governar em seu nome. Que se predisponha a exercer uma
permanente vigília sobre a atuação de seus eleitos. Que saiba profundamente
quem eles são, e não se basear só nas baboseiras que dizem na hora da campanha
eleitoral. Que estabeleça uma relação de causa e efeito entre a qualidade de
seu voto e o tipo de legislação que irá governar seu dia-a-dia. Saber que seu
futuro, imediato ou a longo prazo, vai depender da sua escolha.»
«É não é isto que
temos hoje? O povo indo livremente votar, o espetáculo de um dos maiores
colégios eleitorais do planeta exercendo o seu direito?»
«A imagem é linda,
mas não é bem assim. Prá já, o voto
aqui é obrigatório e...»
«Então, e não é o
certo? Obrigar as pessoas a fazer a escolha, a entrar no jogo democrático,
força-las a decidir, a participar da vida nacional...»
«É claro que não!
A maioria vai votar como se fosse desincumbir-se de uma obrigação chata. Vota
rápido e sem pensar, para ir logo à praia. Dez minutos depois, sequer se lembra
em quem votou. Se o voto fosse voluntário, só os que estivessem preparados, e
interessados, iriam participar do processo de escolha. A qualidade do voto
seria muito maior.»
«Discordo.
Inteiramente. A obrigatoriedade do voto faz com que as pessoas acabem
aprendendo a mecânica, e a importância, do voto universal. O único caminho para
a boa democracia é a má democracia. É um processo, um aprendizado. Não foi
Churchill que disse a Democracia é a pior
forma de Governo, excetuando-se as demais?»
«Churchill,
Lincoln... Você está hoje cheia de citações. Vou lhe dar uma. A Democracia muitas vezes significa o poder
nas mãos de uma maioria incompetente. George Bernard Shaw. Sabe o que ele
queria dizer? Que sem educação, a Democracia pode ser um desastre.»
«Meu Deus. Só
falta você citar o Pelé. O brasileiro não
sabe votar. Me poupe.»
«Bem..., não
adianta ficar aqui discutindo. Vai voltar para Nova Iorque?»
«Só se o Trump
perder. Se ele ganhar, espero que me citem dizendo. O americano não sabe votar....»
Oswaldo Pereira
Novembro 2016
" La Democracia es un vírus ". Esqueci o nome, palavras da coordenadora do departamento de Artes da PUC Rio, nos idos de 1970. Nunca ouvi melhor definição.
ResponderExcluirQual será o antibiótico?
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