quinta-feira, 17 de novembro de 2016

ALJUBARROTA



Que os portugueses respeitam o seu passado e procuram preservá-lo com cuidado e carinho, já todo mundo sabe. Neste modesto blog eu já me referi diversas vezes a isto.

No último domingo, eu tive mais uma agradável prova deste invejável sentido de preservação da História.

Muitas pessoas já visitaram o Mosteiro da Batalha. Situado relativamente perto do Santuário de Fátima, outra conta preciosa do rosário de lugares de importância cultural, de que Portugal é pródigo, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, nome de batismo da magnífica construção em estilo manuelino, foi mandado erigir por D. João I em agradecimento aos céus pelo sucesso de suas tropas na batalha de Aljubarrota.

O que pouca gente já foi visitar é o local onde os combates realmente ocorreram. Fica a uns três quilômetros do Mosteiro e hoje abriga um Centro de Interpretação, magnífico trabalho de reconstituição de um evento determinante da civilização ocidental. A visita, que pode ser feita em não mais que duas horas, inclui a apresentação de um detalhado vídeo sobre os acontecimentos que desaguaram no confronto e, mercê de um excelente trabalho de computação gráfica, a recriação de todo combate.

Aljubarrota foi uma esquina do destino. E também foi, mais que tudo, a extraordinária vitória de uma estratégia inteligente sobre a força bruta. Possuído pela atávica ambição dos espanhóis de dominar toda a península, D. Juan I de Castela, que um ano antes quase conquistara Lisboa, ataca novamente em 1385.  Na tentativa anterior, quando conseguira sitiar a capital por quatro meses, fora derrotado por um surto incontrolável da Peste Negra e, deixando as fogueiras crematórias para trás, retirara-se.

Seu exército agora é maior e mais poderoso. A ordem é deslocar-se rapidamente e atingir de novo a capital. Do lado português, o Mestre de Avis, aclamado como D. João I meses antes, após uma conturbada disputa pelo trono, sabe que a cidade não conseguirá sobreviver a outro cerco. Tem de confrontar o inimigo antes que ele chegue ao litoral. Mas, onde? E como? As forças são cruelmente desproporcionais. D. Juan traz 40.000 homens, os melhores de seu reino, soldados profissionais e cavaleiros bem treinados. O máximo com que Portugal pode contar é com 10 mil, dos quais cerca de 4.000 camponeses, que nunca viram uma luta e portam apenas foices, pás e enxadas como armas.

Aí entra em cena o talento. Chamado pelo rei português a comandar suas inferiorizadas tropas, D. Nuno Álvares Pereira sabe que tem pelo menos uma vantagem. Escolher onde. Quem visita o local descobre logo a esperteza de D. Nuno. Aljubarrota é uma colina estreita, com acentuados desfiladeiros dos lados. É ali que ele desafia o inimigo, forçando-o a atacar. Para dar-lhe combate, as linhas da vanguarda castelhana têm de afunilar-se. E perdem a vantagem dos números. Caindo em pequenas covas dissimuladas, cavadas na véspera pelos portugueses, os cavalos espanhóis derrubam seus cavaleiros, agora à mercê dos arqueiros e besteiros de D. João. A batalha, que começara sob um sol inclemente de agosto, termina antes da noite. O que resta das forças castelhanas é dizimado pela população das redondezas.

Este é o drama que, com riqueza de detalhes e profusão de pormenores, o guia que nos leva a andar pelo terreno da batalha, nos conta. Em diversos pontos, cenas do acontecido, colocadas em lunetas cuidadosamente localizadas, nos dão uma viva perspectiva do confronto. Uma bela e inesquecível aula de história sobre um dia decisivo. Tivesse D. Juan de Castela vencido, o capítulo seguinte da Humanidade, as Descobertas, teria sido uma aventura exclusiva da Espanha.

E nós brasileiros estaríamos hoje a hablar español...

Oswaldo Pereira
Novembro 2016










6 comentários:

  1. O olhar, a coragem, o amor pela terra conseguiram a vitória. Isso é próprio da personalidade portuguesa.

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    1. E foram estas qualidades que levaram Portugal a descobrir o mundo.

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  2. D. Nuno Álvares Pereira não seria parente seu? bjs Zezé

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  3. Quem sabe? Pereira é um dos ramos familiares mais antigos de Portugal. De repente, vimos todos do mesmo tronco...

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