Que os portugueses respeitam o seu
passado e procuram preservá-lo com cuidado e carinho, já todo mundo sabe. Neste
modesto blog eu já me referi diversas
vezes a isto.
No último domingo, eu tive mais uma
agradável prova deste invejável sentido de preservação da História.
Muitas pessoas já visitaram o Mosteiro
da Batalha. Situado relativamente perto do Santuário de Fátima, outra conta
preciosa do rosário de lugares de importância cultural, de que Portugal é
pródigo, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória,
nome de batismo da magnífica construção em estilo manuelino, foi mandado
erigir por D. João I em agradecimento aos céus pelo sucesso de suas tropas na
batalha de Aljubarrota.
O que pouca gente já foi visitar é o local
onde os combates realmente ocorreram. Fica a uns três quilômetros do Mosteiro e
hoje abriga um Centro de Interpretação, magnífico trabalho de reconstituição de um evento determinante da civilização
ocidental. A visita, que pode ser feita em não mais que duas horas, inclui a
apresentação de um detalhado vídeo sobre os acontecimentos que desaguaram no
confronto e, mercê de um excelente trabalho de computação gráfica, a recriação
de todo combate.
Aljubarrota foi uma esquina do destino.
E também foi, mais que tudo, a extraordinária vitória de uma estratégia
inteligente sobre a força bruta. Possuído pela atávica ambição dos espanhóis de
dominar toda a península, D. Juan I de Castela, que um ano antes quase
conquistara Lisboa, ataca novamente em 1385. Na tentativa anterior, quando conseguira
sitiar a capital por quatro meses, fora derrotado por um surto incontrolável da
Peste Negra e, deixando as fogueiras crematórias para trás, retirara-se.
Seu exército agora é maior e mais
poderoso. A ordem é deslocar-se rapidamente e atingir de novo a capital. Do lado
português, o Mestre de Avis, aclamado como D. João I meses antes, após uma
conturbada disputa pelo trono, sabe que a cidade não conseguirá sobreviver a
outro cerco. Tem de confrontar o inimigo antes que ele chegue ao litoral. Mas, onde?
E como? As forças são cruelmente desproporcionais. D. Juan traz 40.000 homens,
os melhores de seu reino, soldados profissionais e cavaleiros bem treinados. O
máximo com que Portugal pode contar é com 10 mil, dos quais cerca de 4.000 camponeses, que nunca viram uma luta e portam apenas foices, pás e enxadas como
armas.
Aí entra em cena o talento. Chamado pelo
rei português a comandar suas inferiorizadas tropas, D. Nuno Álvares Pereira
sabe que tem pelo menos uma vantagem. Escolher onde. Quem visita o local descobre logo a esperteza de D. Nuno. Aljubarrota
é uma colina estreita, com acentuados desfiladeiros dos lados. É ali que ele
desafia o inimigo, forçando-o a atacar. Para dar-lhe combate, as linhas da vanguarda
castelhana têm de afunilar-se. E perdem a vantagem dos números. Caindo em
pequenas covas dissimuladas, cavadas na véspera pelos portugueses, os cavalos espanhóis
derrubam seus cavaleiros, agora à mercê dos arqueiros e besteiros de D. João. A
batalha, que começara sob um sol inclemente de agosto, termina antes da noite.
O que resta das forças castelhanas é dizimado pela população das redondezas.
Este é o drama que, com riqueza de
detalhes e profusão de pormenores, o guia que nos leva a andar pelo terreno da
batalha, nos conta. Em diversos pontos, cenas do acontecido, colocadas em
lunetas cuidadosamente localizadas, nos dão uma viva perspectiva do confronto.
Uma bela e inesquecível aula de história sobre um dia decisivo. Tivesse D. Juan
de Castela vencido, o capítulo seguinte da Humanidade, as Descobertas, teria
sido uma aventura exclusiva da Espanha.
E nós brasileiros estaríamos hoje a hablar español...
Oswaldo
Pereira
Novembro
2016
Por supuesto!
ResponderExcluirRSRSRS...
ExcluirO olhar, a coragem, o amor pela terra conseguiram a vitória. Isso é próprio da personalidade portuguesa.
ResponderExcluirE foram estas qualidades que levaram Portugal a descobrir o mundo.
ExcluirD. Nuno Álvares Pereira não seria parente seu? bjs Zezé
ResponderExcluirQuem sabe? Pereira é um dos ramos familiares mais antigos de Portugal. De repente, vimos todos do mesmo tronco...
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