Os juros estão muito altos. O inchaço da máquina
governamental consome a maior parte dos impostos arrecadados de uma população
cada vez mais endividada, as aposentadorias precoces dos servidores públicos
sangram o orçamento, a corrupção institucional e generalizada cava um buraco
cada vez maior nas contas nacionais, a popularidade do chefe de Governo está na
balança, o desemprego sobe, a atividade econômica cai. O país está à beira de
um abismo histórico.
Brasil? Ainda não...
A terra de que eu estou falando tem mais de cinco mil
anos. Mesmo antes do colapso da Idade do Bronze pela erupção catastrófica de
Santorini, em 1200 antes da era cristã, a Grécia engendrara o apogeu das
civilizações cíclade, minoica e micênica, cujos ecos iriam povoar o imaginário
mitológico de gerações de trovadores e inspirar a criação de deuses olímpicos e
herois formidáveis. Sobrevivendo a um
longo período de trevas que duraria cinco séculos, em 776 a.C. as primeiras
olimpíadas solidificaram uma identidade nacional alicerçada numa língua comum,
numa filosofia social inédita que pregava uma coisa nova a que deram o nome de demokratia e abriram o caminho para uma
das mais profícuas e duradouras eras de ouro da Humanidade. Artistas, filósofos,
poetas, dramaturgos, arquitetos, generais e estadistas iriam desenhar o
esplendor de um aglomerado de cidades-estado que resistiriam às invasões persas, expandiriam sua magnífica cultura no mundo pré-romano e garantiriam seu
legado para o futuro.
Só não conseguiriam sobrepujar as divisões internas.
Quando a última tentativa de unir todos os gregos sob uma única bandeira morreu
com a miragem de Alexandre Magno, a nação helênica sucumbiu ao emergente poder
que surgia e transformou-se em província romana. A partir daí, a Grécia sempre
foi parte de alguma denominação
estrangeira, como o Império Bizantino e o Império Otomano. Só dois mil anos
depois de Alexandre, em 1830, ela conseguiu ganhar identidade própria. E
experimentou todos os tsunamis sócio-políticos de uma Europa enlouquecida por
interesses nacionalistas exacerbados e o surgimento de correntes populistas
imprevisíveis. Alternando entre República e Monarquia ditadas por interesses
externos, sendo invadida por exércitos, torturada por cruéis guerras civis e
instabilidade interna, a Grécia comeu o pão que Hades amassou até sua
relativa redenção nos anos 1980, quando ingressou no Mercado Comum Europeu.
O que deveria ser uma bênção, entretanto,
transformou-se em maldição. Participar
do clube europeu é como ser aluno de uma classe em que todos têm de passar de
ano. Há deveres de casa, exames periódicos com a exigência de notas mínimas,
metas de bom comportamento. A moeda comum exige que cada um cumpra suas tarefas
e controle seus gastos.
O problema é que os alunos não são todos iguais e a
Comunidade Europeia não levou em conta estas diferenças quando abriu as portas
de suas salas de aula. Muitos postulantes não tinham nota suficiente para
entrar ou dinheiro para pagar as mensalidades. A própria Grécia pedalou suas contas para se matricular.
O critério de admissão foi uma filosófica declaração de Giscard D’Estaign. Não se pode bater a porta na cara de Platão.
Deu no que deu.
Acabei de saber que os gregos votaram Oxi. Um NãO que vai reverberar como um raio de Zeus na Comunidade
Europeia. Na hora em que escrevo isto, 18 horas no Brasil, onze da noite na
Europa Central, uma longa vigília deve estar tirando o sono de muita gente.
No começo deste post,
depois do primeiro parágrafo, eu disse que não estava falando do Brasil. Ainda não...
Oswaldo
Pereira
Julho
2015
Oswaldo. Perdoe minha ignorância, mas a quem, ou melhor, a o que, os gregos disseram NÃO ?
ResponderExcluirBom, li aqui na internet e "entendi" por alto. A divida. E o mundo ocidental o que deve a Grécia ?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOs gregos disseram NÃO num plebiscito promovido pelo Primeiro-Ministro Alexis Tsipras, em que a pergunta era se o país quer continuar obedecendo às exigências do FMI e do Bando Europeu. Estas exigências determinam uma política de austeridade dura, indispensável para que a Grécia continue na Zona do Euro. O NÃO praticamente é um recado dos gregos de que preferem pular fora. As consequências são imprevisíveis, tanto para a GréCia como para o próprio Mercado Comum.
ResponderExcluirA coragem é uma virtude. Pode ter consequências difíceis de contornar, mas é admirável. Vai que a Grécia é o Davi e o mundoeuro o Golias ?
ResponderExcluirBela imagem. Sem dúvida, Golias vai ficar tonto. Só que David gastou sua última pedra e não vai ter mais munição para caçar. Será que a família vai ficar sem ter o que comer? Veja na próxima semana...
Excluir...sem dúvida não há de faltar "munição" para pescar. Plantar e colher frutas e hortaliças. Fomes são muitas. Esta sanha de comprar e vender vem desgovernando a condição humana, desorientando a verdade. E nem precisa ser grego pra saber disso. Mas essas historias em capítulos vão acabar tirando audiência do horário nobre da emissora líder, hein? Ai ai. Alias ironia e tb invenção deles, que nem por isso consideraram que Sócrates pudesse escapar da cicuta. Amamos a Grécia. Vamos torcer por ela.
ResponderExcluirLembrei daquela família que achava que precisava de um up grade em sua vida e recorreu a um empréstimo...logo reformou a casa, comprou mais um bom carro, renovou o guarda-roupa, viajou..viajou muito, e na data prevista para amortizar a dívida começou a não pagar até ficar sem dinheiro para cumprir seu compromisso, renovou empréstimo para viver.....A família se revolta com os juros a pagar...não há dinheiro para continuar no mesmo padrão. O chefe faz uma reunião de emergência com os familiares para saber se cortam despesas ou dão calote bancário....dão o calote e apelam à instituições de caridade que os ajudem a viver ...precisam de solidariedade.....afinal a instituição tem dinheiro, vive de donativos......( fábulas contemporaneas)
ResponderExcluirÓtimo! Nada como simplificar para entender. Aliás, usar o exemplo da economia familiar para explicar a de nações sempre funciona. A Família Hellas vai ter de procurar um abrigo...
ExcluirEntão os gregos são perdulários, pouco sóbrios, uma plêiade de incompetentes endividados Caramba ! Nunca pensei que a nação da Tragedia da Filosofia e das Azeitonas pudesse se transformar num clã de classe media empenhado em ostentar as custas da benevolência dos mais astutos para conquistar fausto e domínio.
ResponderExcluirA Grécia que aprendi a amar com Monteiro Lobato é a de 2500 atrás. Tudo mudou, menos as azeitonas. Mas estas vão ficar cada dia mais caras...
ExcluirPrefiro as portuguesas. Ainda bem que as oliveiras diz-se que são mágicas, demonstram há milênios a tendência para acolherem santos e demiurgos.
ResponderExcluirDommage, mon commentaire sur la Grèce n'est pas paru ... !!!
ResponderExcluirVou tentar de novo : a Grécia, apesar da sua civilização, da sua historia, não conseguiu se manter como um pais solido. O povo quer viver bem, pagando poucos impostos, se aposentando cedo e tendo excesso de funcionarios publicos (desgraça) ! Viver às custas dos vizinhos ??? O povo não aceita mais medidas de restrição econômica, pois ja se sente prejudicado. O governo so espera que a Europa injete mais dinheiro nos cofres gregos, em troca de que ? Bom, o proximo candidato para participar da UE deve apresentar um dossier mais solido, esperemos !!!
ResponderExcluirDuvido muito que a Merkel concorde com mais ajuda aos gregos, principalmente depois que eles disseram NÃO à austeridade. O custo político para ela de um auxílio "filantrópico" à Grécia seria enorme. O "devo não nego, pagarei quando puder" não desce bem pela garganta dos alemães. Por que os gregos não vão atrás da grana que os seus próprios políticos surrupiaram dos cofres públicos? Será que eles precisam de um Sergio Moro?
ExcluirCada vez sabe-se menos por onde anda a ética, sendo que seu fundamento é o amor, o respeito pela vida e pelos nossos "semelhantes". Isto posto qq argumento estanca diante do fato de que ao Capital Internacional só uma coisa interessa: O Capital.
ResponderExcluirPara consertar toda esta história, teríamos que voltar ao começo. O Mercado Comum nasceu de um "pecado original", que foi reunir debaixo de uma só moeda países que não tinham nada a ver uns com os outros, em termos culturais, históricos, econômicos, financeiros e, principalmente, comportamentais. Além disso, não construiu uma porta de saída adequada. Não podia dar certo. As raposas inglesas chegaram a esta conclusão há muito tempo e não entraram para valer no clube. Agora, vai ser preciso alguém que dê nó em pingo d'água usando luvas de box no escuro para consertar este furdunço...
ResponderExcluirE tem mais; considero o resultado do ato politico levado a diante por Tsiparas algo da ordem do poético tal qual se explicita no Banquete de Platão, um ato poético ou seja; o que traz para a existência o que dorme na inexistência.
ResponderExcluirQue o nosso Alexis é um poeta, não tenho a menor dúvida. Mas a troika também conhece os clássicos e deve se lembrar de um cavalo de madeira deixado nas praias de Troia há três mil anos...
ExcluirEsse cavalo de palha cheio de guerreiros então! Outro poema de estranhas dimensões. Reais, conceituais, militares, estéticas. Uma obra prima para ser lembrada pela eternidade. Ainda bem que vc esta por ai pra alegrar a gente com suas palavras, seu saber, mas sobretudo com sua inquietação mto benvinda.
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