Embora muita gente costume comparar um embate de tropas
a uma partida de xadrez, na realidade um conflito armado está cheio de outros
ingredientes, além da simples movimentação de peças num tabuleiro. Há muitos imponderáveis, como o tempo, o entendimento correto de uma ordem, a presteza em
cumpri-la, atos heroicos, desesperos covardes e, frequentemente, a incerteza proporcionada pelo que se convencionou chamar de the fog of war, a neblina da guerra, ou seja, o desencontro de informações na densa fumaça dos campos de batalha.
Tudo isso aconteceu em Waterloo. Durante as nove horas
de duração da refrega, os fatores acima exerceram sua poderosa influência
desagregadora nos planos cuidadosamente delineados por Napoleão e Wellington,
ambos extraordinários estrategistas. Raras vezes, a certeza da vitória e a
possibilidade de uma derrota mudaram tanto de lado no decorrer de um combate.
Primeiro foi a chuva. Na véspera, um verdadeiro dilúvio
abatera sobre o sul da Bélgica, encharcando o solo. Napoleão, que tinha
por norma atacar cedo, foi informado de que sua famosa artilharia, com mais de
250 canhões, não conseguiria se deslocar com a rapidez necessária para se
posicionar na hora e no local pré-determinados, devido à lama. Só às onze e
meia da manhã as condições melhoraram o bastante para que as primeiras salvas fossem disparadas e o ataque tivesse início. Tempo mais que suficiente para Wellington
reforçar sua posição nas fazendas que tinha á direita e à esquerda de sua linha
de frente, a Hougoumont e a La Hayne Sainte.
Desta forma, o assédio francês a Hougoumont, capítulo inicial dos planos de Bonaparte, cujo objetivo
era tomar rapidamente a posição e obrigar os ingleses a deslocar suas forças
para lá, enfraquecendo seu centro, não funcionou como devia. Ainda assim, a
eficiente Artilharia francesa, agora posicionada corretamente, começava a
destroçar sua contraparte inglesa e a infligir pesadas baixas aos regimentos a
pé de Wellington. Às duas da tarde, mesmo sem dominar completamente as
fazendas, Napoleão ordena que sua esplêndida, e heroína de incontáveis
campanhas, Infanterie de Ligne, avance.
No lado adversário, já há muita apreensão. Como resposta à jogada estratégica
de Bonaparte, o Duque lança sua cavalaria ligeira, os Scots Greys, sobre a Infantaria em movimento. O Imperador francês
faz mais uma jogada. Envia dois lendários regimentos, os lanceiros e os cuirassiers, sobre os escoceses. Os Scots Greys são aniquilados. Os ventos
do sucesso começam a soprar a favor da França.
Aí, mais um imponderável mostra sua cara. A saúde de
Napoleão. Já na ilha de Elba, os primeiros sinais de problemas na próstata
tinham surgido, e crises frequentes de hemorroidas, mais suas aflições de
estômago, haviam aumentado. Pouco depois das três, ele sofre um espasmo
digestivo e quase desmaia. Seus oficiais o levam a um ponto afastado para
que ele se recupere. Exatamente neste momento, Wellington, preocupado com a
perda de sua cavalaria e temeroso de um confronto em campo aberto com a
infantaria francesa, comanda que seus generais recuem as tropas o
equivalente a cem passos. No posto de comando francês, o Marechal Ney, que ocupa temporariamente o lugar de
Comandante em Chefe, interpreta aquilo como uma debandada. Certo de que os
ingleses haviam entregado os pontos, ele parte à frente de uma gigantesca carga
de cavalaria, praticamente o efetivo total das suas tropas montadas. Um erro
que vai custar caro. Quando o Imperador, já refeito, retorna ao Comando, tem um
acesso de fúria. O ato impensado de Ney que, agora sem o apoio da infantaria descobre o ardil de Wellington, cuja retirada era apenas uma armadilha, pode
significar uma reversão total da sorte. Encolerizado, Napoleão vê o grosso de
sua cavalaria embater como ondas infrutíferas nos quadrados formados pelas
melhores tropas inglesas, mantidas como reserva pelo Duque e escondidas atrás
da elevação do monte Saint-Jean.
As opções vão diminuindo para os dois lados. E, a
quilômetros dali, um outro componente está em vias de se tornar o protagonista
final dos destinos de Waterloo. Desde o início, apreensivo com a possibilidade
de que o exército prussiano, apesar de batido em Ligny, pudesse se juntar aos ingleses,
Napoleão destinara, no dia anterior, a quase um terço de suas forças, sob o
comando do Marechal Grouchy, a missão de descobrir onde estava Blücher e
segui-lo de perto, impedindo que se aproximasse da batalha. Só que Grouchy não encontrou Blücher. E, em vez
de retornar e reforçar o exército francês, e preso à ordem dada no dia anterior,
continuou seguindo para norte. Às cinco da tarde, estava a trinta quilômetros
de Waterloo. Os prussianos, por sua vez, haviam ludibriado Grouchy e estavam
chegando a Plancenoit, na retaguarda de Napoleão.
O MARECHAL PRUSSIANO BLÜCHER |
O FINAL. A GUARDA IMPERIAL MORRE, MAS NÃO SE RENDE |
NAPOLEÃO SE ENTREGA |
Hemorroidas. Quem diria...
Oswaldo
Pereira
Junho
2015.
Sintoma bem frequente nos indivíduos de temperamento bélico. Mas alguns sedentários por vezes têm as mesmas queixas... o imponderável dos organismos vivos. A guerra pode fazer aparecerem habilidades e pericia de estrategistas, mas tem sempre qualquer coisa de ridículo.
ResponderExcluirFiz um grande comentário e, novamente, desapareceu. É pena.
ResponderExcluirVi no Live Traffic Feed que você está internacional, lido em vários países ... Pudera, escrevendo tão bem, com tal riqueza de detalhes a leitura dos seus textos é mesmo um deleite ! Parecido muito os dois textos sobre Waterloo.
ResponderExcluirEu quis dizer que eu apreciei muito os textos sobre Waterloo !!!
ResponderExcluirLady Fifi
Merci. Fifi. Toujours á Paris?
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