terça-feira, 23 de junho de 2015

WATERLOO 200 ANOS - PARTE II





Embora muita gente costume comparar um embate de tropas a uma partida de xadrez, na realidade um conflito armado está cheio de outros ingredientes, além da simples movimentação de peças num tabuleiro. Há muitos imponderáveis, como o tempo, o entendimento correto de uma ordem, a presteza em cumpri-la, atos heroicos, desesperos covardes e, frequentemente, a incerteza proporcionada pelo que se convencionou chamar de the fog of war, a neblina da guerra, ou seja, o desencontro de informações na densa fumaça dos campos de batalha.

Tudo isso aconteceu em Waterloo. Durante as nove horas de duração da refrega, os fatores acima exerceram sua poderosa influência desagregadora nos planos cuidadosamente delineados por Napoleão e Wellington, ambos extraordinários estrategistas. Raras vezes, a certeza da vitória e a possibilidade de uma derrota mudaram tanto de lado no decorrer de um combate.

Primeiro foi a chuva. Na véspera, um verdadeiro dilúvio abatera sobre o sul da Bélgica, encharcando o solo. Napoleão, que tinha por norma atacar cedo, foi informado de que sua famosa artilharia, com mais de 250 canhões, não conseguiria se deslocar com a rapidez necessária para se posicionar na hora e no local pré-determinados, devido à lama. Só às onze e meia da manhã as condições melhoraram o bastante para que as primeiras salvas fossem disparadas e o ataque tivesse início. Tempo mais que suficiente para Wellington reforçar sua posição nas fazendas que tinha á direita e à esquerda de sua linha de frente, a Hougoumont e a La Hayne Sainte.

Desta forma, o assédio francês a Hougoumont, capítulo inicial dos planos de Bonaparte, cujo objetivo era tomar rapidamente a posição e obrigar os ingleses a deslocar suas forças para lá, enfraquecendo seu centro, não funcionou como devia. Ainda assim, a eficiente Artilharia francesa, agora posicionada corretamente, começava a destroçar sua contraparte inglesa e a infligir pesadas baixas aos regimentos a pé de Wellington. Às duas da tarde, mesmo sem dominar completamente as fazendas, Napoleão ordena que sua esplêndida, e heroína de incontáveis campanhas, Infanterie de Ligne, avance. No lado adversário, já há muita apreensão. Como resposta à jogada estratégica de Bonaparte, o Duque lança sua cavalaria ligeira, os Scots Greys, sobre a Infantaria em movimento. O Imperador francês faz mais uma jogada. Envia dois lendários regimentos, os lanceiros e os cuirassiers, sobre os escoceses. Os Scots Greys são aniquilados. Os ventos do sucesso começam a soprar a favor da França.

Aí, mais um imponderável mostra sua cara. A saúde de Napoleão. Já na ilha de Elba, os primeiros sinais de problemas na próstata tinham surgido, e crises frequentes de hemorroidas, mais suas aflições de estômago, haviam aumentado. Pouco depois das três, ele sofre um espasmo digestivo e quase desmaia. Seus oficiais o levam a um ponto afastado para que ele se recupere. Exatamente neste momento, Wellington, preocupado com a perda de sua cavalaria e temeroso de um confronto em campo aberto com a infantaria francesa, comanda que seus generais recuem as tropas o equivalente a cem passos. No posto de comando francês, o Marechal Ney, que ocupa temporariamente o lugar de Comandante em Chefe, interpreta aquilo como uma debandada. Certo de que os ingleses haviam entregado os pontos, ele parte à frente de uma gigantesca carga de cavalaria, praticamente o efetivo total das suas tropas montadas. Um erro que vai custar caro. Quando o Imperador, já refeito, retorna ao Comando, tem um acesso de fúria. O ato impensado de Ney que, agora sem o apoio da infantaria descobre o ardil de Wellington, cuja retirada era apenas uma armadilha, pode significar uma reversão total da sorte. Encolerizado, Napoleão vê o grosso de sua cavalaria embater como ondas infrutíferas nos quadrados formados pelas melhores tropas inglesas, mantidas como reserva pelo Duque e escondidas atrás da elevação do monte Saint-Jean. 

A CARGA DE CAVALARIA DE NEY

As opções vão diminuindo para os dois lados. E, a quilômetros dali, um outro componente está em vias de se tornar o protagonista final dos destinos de Waterloo. Desde o início, apreensivo com a possibilidade de que o exército prussiano, apesar de batido em Ligny, pudesse se juntar aos ingleses, Napoleão destinara, no dia anterior, a quase um terço de suas forças, sob o comando do Marechal Grouchy, a missão de descobrir onde estava Blücher e segui-lo de perto, impedindo que se aproximasse da batalha.  Só que Grouchy não encontrou Blücher. E, em vez de retornar e reforçar o exército francês, e preso à ordem dada no dia anterior, continuou seguindo para norte. Às cinco da tarde, estava a trinta quilômetros de Waterloo. Os prussianos, por sua vez, haviam ludibriado Grouchy e estavam chegando a Plancenoit, na retaguarda de Napoleão.

O MARECHAL PRUSSIANO BLÜCHER
Neste ponto, a batalha chegara a um impasse. Do lado inglês, embora tivesse desbaratado a cavalaria de Ney, Wellington não tinha mais poderio suficiente para avançar e sobrepujar os franceses. E Napoleão estava atirando sua última carta na mesa. A Garde Imperiale, os melhores soldados da época, que iniciava agora seu formidável ataque.  Novamente, a balança pendia para Bonaparte. Foi a vez de Wellington exclamar. "Night or the Prussians must come!" (A noite, ou os prussianos, precisa chegar!). E eles chegaram. Quase às sete da tarde, as primeiras fileiras começaram a surgir ao sul. Por um fugidio instante, o Imperador e seus oficiais, confundindo o preto do uniforme prussiano com o azul marinho dos franceses, imaginaram que seria Grouchy. Não era. Napoleão perdera.

O FINAL. A GUARDA IMPERIAL MORRE, MAS NÃO SE RENDE


NAPOLEÃO SE ENTREGA
Nestes últimos duzentos anos, a batalha de Waterloo foi estudada, reestudada, reconstruída e recontada centenas de milhares de vezes. Todos estes famosos imponderáveis já foram identificados como determinantes para o seu resultado. A chuva, o ato impensado de Ney, a falta de visão de Grouchy, a manobra de Blücher. Há uma versão, inclusive, que culpa as hemorroidas de Napoleão. Sem poder ficar muito tempo montado por causa deste incômodo, ele não pudera manter seu hábito de todas as suas batalhas precedentes. Estar sempre em movimento durante a luta e, do alto de seu cavalo branco, vislumbrar rapidamente o posicionamento e as intenções de seus adversários. Seu posto de comando estático em Waterloo foi mais tarde comparado a um submarino sem periscópio. 

Hemorroidas. Quem diria...


Oswaldo Pereira
Junho 2015.




5 comentários:

  1. Sintoma bem frequente nos indivíduos de temperamento bélico. Mas alguns sedentários por vezes têm as mesmas queixas... o imponderável dos organismos vivos. A guerra pode fazer aparecerem habilidades e pericia de estrategistas, mas tem sempre qualquer coisa de ridículo.

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  2. Fiz um grande comentário e, novamente, desapareceu. É pena.

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  3. Vi no Live Traffic Feed que você está internacional, lido em vários países ... Pudera, escrevendo tão bem, com tal riqueza de detalhes a leitura dos seus textos é mesmo um deleite ! Parecido muito os dois textos sobre Waterloo.

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  4. Eu quis dizer que eu apreciei muito os textos sobre Waterloo !!!
    Lady Fifi

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