quinta-feira, 4 de junho de 2015

HIPOCRISIA








Um adolescente com uma faca na mão transformou-se no grande motivo de medo nas ruas do Rio. Em pouco mais de um mês, cerca de vinte ocorrências, com vários feridos e uma morte, espantaram-nos a todos, em especial por reunirem dois fatores socialmente explosivos: menoridade e violência.

Tenho lido e ouvido muito sobre o assunto, cuja frequência nas páginas dos jornais e nos noticiários da TV eleva o grau de inquietação nos habitantes de uma cidade que tem pela frente um evento de enorme magnitude esportiva e turística. Muita gente apertou ainda mais seus hábitos de deslocamento a pé ou de bicicleta em áreas de lazer e convívio, que antes pareciam preservados, abrindo mão de preciosos componentes de sua qualidade de vida.

A maioria dos cronistas que se pronunciaram, em entrevistas e em suas colunas, aponta como causas o problema social de uma adolescência carente e abandonada e a falta de policiamento.

É. Pode ser. Mas, eu acho que há outras razões. Pelo menos, três.

A primeira é uma razão de fundo, ou seja, um processo que envolve várias gerações e foi crescendo sob o beneplácito de um Estado inoperante e corrupto, cujo desinteresse criminoso permitiu o vicejar de imensos guetos em cujas vielas perderam-se as noções de família e dignidade. Só muito recentemente vem-se procurando o seu resgate, um trabalho que as décadas de descaso tornam sobre humano e demorado.

O segundo componente, ainda mais danoso, é a leniência da nossa legislação. Enquanto a discussão da maioridade penal se arrasta no pântano do Congresso, menores com idade legal para votar e casar permanecem imunes à punição e ao encarceramento. Quando o Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, e até seu Governador, declaram abertamente que a ação da Polícia em apanhar os menores criminosos é desfeita no dia seguinte por um juiz obediente à lei que protege tais inocentes, dá para perceber que algo vai muito, muito mal.

Mas o terceiro motivo é, para mim, o mais grave. Todos estes pequenos bandidos atacam para roubar. Os alvos mais comuns têm sido as bicicletas e os telefones celulares. Por que? Simplesmente porque há um ilimitado mercado para eles. O adolescente que empunha a faca não está minimamente interessado no bem que arranca de sua vítima. O seu objetivo é vendê-lo ao receptador que o contratou e lhe pagará a ninharia que sustentará seu vício de cheirar cola. Por sua vez, o receptador está apenas atendendo a encomendas de uma rede de vendedores ambulantes que, no dia seguinte, estarão satisfazendo a uma legião de compradores no centro da cidade ou em camelódromos espalhados pelas ruas do Rio.

E aí, sim, está a origem de tudo. O esperto cidadão, talvez até aquele que no conforto de sua sala de estar, ao assistir às cenas dos assaltos, execra a Polícia, a sociedade, Deus e o mundo, sem se dar conta, em sua profunda hipocrisia, que são a sua isperteza e o seu sorriso ganancioso ao comprar um Galaxy 5 por duzentos reais numa banca da Avenida Rio Branco os pavios que acendem  este rastilho de crime e violência que nos horroriza.


Oswaldo Pereira
Junho 2015



3 comentários:

  1. Muito bom, Oswaldo. A hipocrisia está nas pessoas que subornam policiais, que compram produtos baratos, e é claro que sabem que existe algo errado ali, e muitas outras atitudes diárias que vai de encontro ao que elas criticam nos outros...

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  2. Esta, sim, é a fonte. Falo isto há tempos.....

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  3. O primeiro comentário que fiz também sumiu.
    Disse que você tem toda a razão descrita na página. Falta das autoridades nos cuidados com as escolas e falta de um melhor policiamento. Isto para o momento atual, mas o principal é afalta de boas escolas com horário integral. Continuamos com nossa esperança de dias melhores.

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