sábado, 30 de maio de 2015

LIVRARIAS





Em 2009, quando acabei de escrever meu segundo livro, “A Fórmula Etrusca”, tive a coragem de mandar os originais a uma editora no Rio de Janeiro. Para minha grata surpresa, após alguns dias, recebi um convite para ir até lá. Junto, vinha também uma minuta de contrato de edição que estipulava, como condições básicas, que eu pagaria pela revisão do texto, pela paginação e impressão dos exemplares, além de transferir para eles os direitos autorais da obra. Das eventuais vendas do livro, eu receberia 35% do preço de capa. Uma pechincha...

Já resolvido a optar por uma edição de autor, como também fizera com o meu livro anterior, “O Pátio de Atenas”, decidi, mesmo assim, ir até lá. Queria entender a mecânica do mundo editorial e perceber qual seria o caminho a ser percorrido por um escritor desconhecido, como eu, para penetrar no rol dos bem-aventurados autores com os quais as casas editoriais assumiam ou, ao menos, repartiam uma parte do risco.  

O dono foi muito amável, mas também muito franco.   Depois de elogiar o meu trabalho, descreveu as agruras do mercado literário. No ano anterior, disse-me ele, todos os grandes empreendimentos livreiros dos Estados Unidos haviam perdido dinheiro. Os únicos a se safarem tinham sido as pequenas casas editoriais, que publicavam obras de caráter pessoal cujos autores mandavam imprimir para depois oferecer como presente aos amigos. Na verdade, funcionavam apenas como tipografias que vendiam o serviço gráfico sem se preocupar com o mérito da obra. Se nos States era assim, imagine no Brasil, ele continuou. As editoras nacionais só estavam bancando autores consagrados ou aventuras literárias de famosos. Para “ilustrar”, informou-me que estava se preparando para custear um livro da Vera Fischer...

Antes de terminar a conversa, ele falou algo que muito me impressionou. «No Brasil inteiro», ele disse, «existem apenas 400 livrarias...»

Nos últimos seis anos, este número vem diminuindo dramaticamente. A mais recente baixa desta guerra inglória foi a mítica Livraria Leonardo Da Vinci, uma das mais emblemáticas do Rio. Para quem aos treze anos descobriu sua paixão devoradora pelos livros, (como relatei no texto que deu início e o título, Palavra Escrita, a este blog), é como se as luzes estivessem se apagando. Cada vez que uma livraria cerra suas portas neste país, eu consigo ouvir os gemidos de Machado, Drummond, Bilac, Barreto, Alencar, Rosa, Veríssimo, Amado, Bandeira, Lobato.

E os meus...


Oswaldo Pereira
Maio 2015




terça-feira, 26 de maio de 2015

CASTRO ALVES






“Auriverde pendão da minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança
Estandarte que a luz do sol encerra
E as divinas promessas da esperança
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos herois na lança
Antes te houvessem roto na batalha
Que servires a um povo de mortalha”


Esta é, talvez, a estrofe mais famosa do poema O Navio Negreiro, escrito por Antonio Frederico de Castro Alves em meados do século XIX. O poeta baiano era um ferrenho abolicionista e sua obra literária, condensada em poucos anos de intensa criação, espelha seu ódio visceral pela escravatura. Castro Alves morreu com apenas 27 anos, vitimado pelo mal do século, a tuberculose, mas sua obra e, principalmente, seu irresistível carisma como tribuno e declamador de seus próprios versos, muito contribuíram para dar impulso à causa da libertação dos escravos.

“O Navio Negreiro” resume poderosamente sua indignação profunda contra o mercado da servidão e a crueldade das terríveis condições subumanas no transporte dos negros subjugados. E, na estrofe acima, ele canta sua singular amargura contra o que ele considerava um acobertamento e uma cumplicidade do Império com a degradante situação, a ponto de desejar ter sido preferível o Brasil ser derrotado na Guerra da Independência a praticar tão hediondo crime contra a humanidade.

Indignação ao rubro. Será isto que nos falta? Será que falta uma voz, um canto de guerra, uns versos cuja rima incite um clamor que ecoe ensurdecedor pelos céus do país?

Será que só “panelaços”, marchas, demonstrações, palavras de ordem nas redes sociais serão suficientes para chegar aos insensíveis ouvidos dos nossos homens públicos e fazê-los entender que não aguentamos mais? Que dentro de sua blindagem espúria eles não têm o direito moral de aprovar aumentos em seus proventos absurdos, de sequer pensar em aumentar impostos para tapar os buracos orçamentários cavados por eles próprios em sua ganância desenfreada? Que a melhor solução que têm a desfaçatez de apresentar a uma Nação a braços com uma crise financeira e moral sem precedentes, ou seja, o corte dos investimentos sociais e de infra estrutura ao invés de cortar, isso sim, nos seus gastos indecentes, seus ministérios cuja função inequívoca é servir de moeda de troca em nomeações políticas ou de cabide de empregos com kick-back de parte dos salários, suas secretarias, conselhos, assessorias, divisões, departamentos, gerências e demais penduricalhos inúteis, não nos serve? Que não podemos mais engolir como aceitável o rigor com que achatam a aposentadoria de milhões de brasileiros comuns, enquanto o seu próprio regime especial de previdência estabelece privilegiadíssimas relações custo/benefício que não conhecem paralelo no mundo civilizado?

Ah! Castro Alves, que falta você faz...


Oswaldo Pereira
Maio 2015





segunda-feira, 18 de maio de 2015

SE A MODA PEGA...






Nunca a expressão americana “sleeping on the job” (dormindo na função), usada para descrever uma deplorável atitude de ineficiência profissional, foi tão levada ao pé da letra para provocar uma rigorosa punição como no caso do general norte-coreano Hyon Yong-chol. Por ter adormecido durante uma cerimônia militar em Pyongyang, Yong-chol, que ocupava um posto correspondente ao nosso Ministro da Defesa, foi executado por ordens do ditador Kim Jong-un a tiros de bateria antiaérea (?!) na presença de uma centena de outros membros do regime.

Já pensou se a moda pega?



-o-o-o-o-o-o-


O Ministro da Proteção aos Batráquios de Olho Amarelo, uma das 59 novas pastas criadas pela Presidente(a) no início de seu segundo mandato, vem entrando no Palácio do Planalto para uma audiência. Antes de o elevador privativo abrir a porta, um Oficial de Justiça, acompanhado de um ajudante de ordens, aproxima-se e anuncia.
«Desculpe-me, senhor Ministro, mas tenho de lhe pedir que me acompanhe.»
«Como assim? Olha que tenho hora marcada com a...»
O Oficial retruca, impassível.
«Por favor, senhor Ministro, não nos cause problemas» Alguns repórteres nas imediações começavam a prestar atenção no que se passava. «Não queremos criar uma cena, pois não?»

Uma hora mais tarde, o Ministro está sentado numa desconfortável cadeira sem encosto na sede da Polícia Especial para Assuntos de Narcolepsia Espontânea, uma das mais temidas agências do Ministério Público. Três delegados especiais o rodeiam. Um deles repete a pergunta.
«Então, o senhor insiste em negar o fato?»
Os delegados haviam acabado de exibir na tela do computador a gravação de uma reunião ministerial na qual o Ministro aparecia com a cabeça inclinada sobre o ombro, de boca aberta e ressonando com estrépito.
«Isto é mentira! Uma montagem, uma armação para me prejudicar politicamente. Quem filmou isto? A Rede Globo?»
O delegado-chefe encarou-o.
«Negativo. Foi gravado pelas nossas câmeras de segurança. Desculpe, Ministro, mas não há como negar a evidência. Confesse.»
O Ministro baixou a cabeça.
«OK. Eu confesso. Era uma reunião ministerial de rotina. Todos os 83 ministros estavam lá. A Presidente(a) não sabia quem era quem e ficava confundindo nomes e cargos. Um saco! A coisa arrastava-se por horas com frases sem sentido, intervenções atabalhoadas, discursos idiotas. Não aguentei, estava cansado daquela baboseira...»
«E dormiu.»
«Sim... mas não fui só eu...» Ergueu os olhos. «E agora, o que vai ser de mim?...»
O delegado-chefe coçou o queixo.
«A pena sumária é o fuzilamento por um caça da Força Aérea... Mas, o senhor disse que outros ministros também tinham adormecido... O senhor confirma?»
«Depende... Vocês considerariam isso uma “delação premiada”?»
Os três delegados entreolharam-se. O chefe falou.
«Positivo. Se nos identificar os outros criminosos, poderemos rever sua pena. Poderíamos trocar a sentença de morte por prisão domiciliar, com o uso de tornozeleiras e pulseiras eletrônicas e um badalo em torno do pescoço. Aceita?»


Oswaldo Pereira

Maio 2015

quarta-feira, 13 de maio de 2015

PAPO DE BAR - BYE BYE BRAZIL



UÉ, VOCÊ AQUI NO GALEÃO... VAI PASSEAR?




NÃO, AMIGO, INDO EMBORA PARA OS STATES























«Embora? Como assim... de vez?»

«Mais ou menos. Vou dar um tempo. Tenho uns amigos por lá. Vou tentar...»

«Puxa, mas assim de repente... Aconteceu alguma coisa?»

«Bem... De repente, mesmo, não é. É algo que veio aos poucos, uma desilusão aqui, uma decepção ali... Um degrau para baixo todos os dias, balas perdidas no peito de uma esperança transeunte, facadas nas costas de um sonho teimoso. Acordar com o estômago embrulhado pelo espetáculo político visto na véspera na televisão, antes de dormir. O café da manhã azedado pelas manchetes dos jornais. Slogans repetidos como um disco quebrado por quem já perdeu a noção do que se passa no Pais que devia governar. As promessas ocas, os propósitos furados, as profissões de inocência enganosas, os “não sei de nada” trapaceiros, bordões mentirosos recitados ad nauseam como mantras podres. Náusea. É isto que sinto quando triplicam a verba partidária e hospitais caem aos pedaços, quando aprovam aumentos dos salários parlamentares e escolas desabam em cima de carteiras vazias, quando prefeitinhos embolsam o dinheiro das merendas, certos de sua impunidade, quando o próprio Secretário de Segurança de uma das cidades mais lindas do mundo declara alto e bom som que é melhor não denunciar os menores assassinos que perambulam pelas ruas porque eles serão soltos no dia seguinte e procurarão vingança. Tremores noturnos me tiram o sono toda vez que mega-projetos decantados em discursos de campanha não saem do papel ou, se saem, operam o milagre da multiplicação dos custos em obras superfaturadas, que nunca acabam. Falta de ar, amigo, me acomete quando uma empresa símbolo é saqueada por um projeto de poder destinado a “dar uma volta” na Democracia e pela incompetência de seus executivos. Quando recursos, agravos e outras filigranas começam a acochambrar as punições do julgamento-esperança que foi o Mensalão. Quando as mesmas artimanhas absolvem homicidas ao volante, facínoras no campo, exterminadores passionais e os tribunais geram a casta dos Acima da Lei. Quando as soluções para melhorar a sorte e recuperar o rumo se diluem no troca-troca obsceno do Congresso, no toma lá, dá cá de favores pessoais ou numa queda de braço ridícula. Quando o rescaldo de toda esta pantomima é uma nação parada, condenando milhões de jovens ao analfabetismo funcional, forçando a emigração dos mais competentes, sufocando o empresariado e o indivíduo com impostos imorais e sem retorno. Rotularam os anos da ditadura como os Anos de Chumbo. Como serão conhecidos, então, estes anos agora, em que o esgoto da corrupção derramou seu caldo fecal e fétido em cima da sociedade? Pois é, cara... Não dá mais. E você, vai ficar?»

«É... Será que dá para comprar uma passagem no cartão?...»

E assim, a Turma do Bar pede o seu boné... Bye, bye Brazil.


Oswaldo Pereira
Maio 2015


sexta-feira, 8 de maio de 2015

QUANDO APRENDERÃO?






A cidade está em ruínas. O Portão de Brandenburgo ainda resiste de pé, mas, atrás dele, todos os prédios da Siegesallee, a majestosa Avenida da Vitória, estão destruídos. A Praça Potsdam perdeu os graciosos contornos que circundavam o edifício da Chancelaria e nada mais é do que um cemitério de paredes desabadas. Até onde a vista pode enxergar, o que sobrou foram estruturas ocas onde só as empenas desfiguradas ainda se erguem para um céu descolorido, vazias e trágicas em seu silêncio sem vida.

As pessoas, entretanto, resistem. Em teimoso desafio, buscam uma razão para continuar vivendo, depois que a morte e o desespero as rondou por tanto tempo. Fazem fila para resgatar a pouca água que ainda resta, andam a pé ou de bicicleta para fazer ressurgir algum ofício, encontrar alguma comida, abrigar-se à noite. Quase só há velhos, mulheres e crianças. Têm o olhar duro. Os velhos não sabem explicar como escaparam enquanto uma juventude inteira desapareceu. As mulheres são viúvas e foram, em sua maioria, estupradas por conquistadores sedentos de vingança. As crianças são órfãs. Nada esperam. Em Berlim, é maio de 1945. Para a Alemanha, é o Ano Zero.


Há setenta anos, no dia 8 de maio, a sede da Administração Militar Soviética, uma construção cinzenta no centro de Berlim, ocupada dias antes pelos russos, foi palco do capítulo final da maior hecatombe a se abater sobre o solo da Europa em toda sua história. Pouco antes da meia-noite daquele dia, três marechais, o alemão Wilhelm Keitel, o inglês Sir Arthur Tedder e o russo Georgy Zhukov assinaram o termo de capitulação dos exércitos germânicos em toda frente ocidental da Segunda Guerra Mundial. Foi a segunda parte de uma cerimônia semelhante ocorrida no dia anterior em Reims, na França, com a presença dos generais Alfred Jodl e Walther Bedell Smith. Os canhões continuariam a atirar e as bombas a cair, mas longe dali, no Extremo Oriente, onde o Império Japonês agonizava. No continente europeu, no entanto, era hora de contar os mortos, recuperar os feridos, reconstruir a vida.

O MARECHAL KEITEL ASSINANDO A RENDIÇÃO
Para além da outrora orgulhosa capital do Terceiro Reich, as cenas de cidades reduzidas a esqueletos de pedra e ferro retorcido multiplicavam-se aos milhares, na Alemanha, na França, na Bélgica, na Holanda, na Inglaterra, na Itália, na Áustria, na Polônia, na União Soviética. Sessenta milhões de mortos, entre soldados e civis, em cinco anos, oito meses e sete dias de luta. Ainda hoje os números assustam.

Quando terminou a cerimônia e a notícia ganhou as manchetes dos jornais, uma explosão de regozijo pôde ser ouvida de Moscou a Los Angeles. O riso franco do alívio e as lágrimas da alegria desenharam em milhões de rostos a esperança de que isto não mais se repetiria. Nunca mais. O preço fora alto, muito alto. A lição tinha de ser aprendida, para sempre.



Pois é. Todos nós sabemos a continuação desta história. E ficamos repetindo Bob Dylan: Oh When will they ever learn...


Oswaldo Pereira
Maio 2015

terça-feira, 5 de maio de 2015

PROVOCAÇÃO...








Neil deGrasse Tyson é hoje um dos cientistas mais conhecidos dos Estados Unidos. Doutor em Astrofísica pela Universidade de Columbia e Diretor do Planetário Hayden em Nova Iorque, celebrizou-se na comunidade científica americana como cosmólogo, autor de vários livros sobre Astronomia e estudo do Universo e, principalmente, como um dos melhores comunicadores sobre o assunto na atualidade.  Aos 15 anos, como estudante, já dava aulas de Astronomia para seus colegas e dois anos depois, em 1975, chamou a atenção do lendário Carl Sagan, que o convidou a visitá-lo. “Eu já sabia que tipo de profissional eu queria ser, mas este encontro com Sagan revelou-me o tipo de pessoa eu iria ser”, disse anos mais tarde Neil Tyson. Sua admiração pelo famoso astrônomo é tanta que, em 2014, foi ele, Tyson, quem apresentou a reedição da inesquecível série Cosmos, cuja primeira versão, criada e comandada por Sagan, marcou época na década de 1980.

NEIL DEGRASSE TYSON

Há anos, Neil Tyson, cujas atividades extracurriculares na juventude, só para dar uma dimensão do caráter eclético de sua personalidade, incluíam luta livre, remo e dança afro-caribenha, dirige um programa de rádio de grande audiência, o Star Talk. O objetivo é sempre o mesmo, traduzir para os simples mortais o emaranhado das teorias e teoremas sobre a imensidão que nos cerca e nos fazer sentir as maravilhas e os mistérios da criação.

Recentemente, ele fez exatamente isto no programa televisivo NovaScienceNow, numa apresentação que acabou virando viral no You Tube. Começando por dizer que existiam dois pensamentos provocativos que o faziam às vezes perder o sono, ele dominou a atenção da audiência com os seguintes conceitos.

O primeiro vinha da constatação de que os mesmos elementos químicos básicos que formam o Universo (oxigênio, hidrogênio, hélio, nitrogênio e carbono) são os mesmos que compõem o ser humano e tudo o que há sobre a (e dentro da) Terra. Assim, o conceito da vida está presente em tudo o que existe e é o mesmo em qualquer parte, do nosso sol até as galáxias mais distantes. Tudo é, assim, uma só coisa. O segundo derivava do fato de que nós humanos compartilhamos, com a forma animal mais próxima de nós em termos de inteligência, o chimpanzé, 98,9% da estrutura do nosso DNA. E isto poderia significar, então, que este mero 1,1% responderia por toda a nossa superioridade intelectual em relação ao peludo primo. Enquanto o mais brilhante deles consegue dominar apenas alguns vocábulos da linguagem dos sinais, nós compomos sinfonias, escrevemos poemas e vamos à Lua. Daí para frente, Neil Tyson começou a especular como seria se nós encontrássemos uma outra forma de vida cujo DNA fosse 1% diferente do nosso, na direção da maior inteligência. Como seríamos nós capazes de nos comunicarmos com eles? Como eles nos olhariam? Como trocar informações com seres exponencialmente mais avançados que nós?

Mas, a esta altura, a provocação desses pensamentos já me haviam levado para outros devaneios. Para mim, a grande diferença entre nós e o chimpanzé, ou qualquer outro animal, não é a capacidade de encenar o Hamlet ou lançar uma estação espacial, como definiu Tyson, mas é o anseio pela Imortalidade. Macacos, insetos ou lesmas não se preocupam com isto. Nascem, vivem e morrem sem remorsos ou expectativas. Nós, não. Nós queremos mais. Nós queremos viver para sempre e abominamos a morte, o evento mais previsível de todos. Em nome daquele anseio, criamos as religiões, a mitologia da alma e da eternidade, tudo para mitigar a incerteza com que este diferencial de 1% nos contemplou. A propósito, estou lendo um livro interessante, chamado Cartas Extraordinárias. É uma reprodução de centenas de cartas escritas por gente famosa, desde uma enviada pela Rainha Elizabeth para Eisenhower contendo uma receita de scones a um pedido de emprego de Leonardo da Vinci ao Duque de Sforza. Muitas delas, entretanto, são despedidas de pessoas que sentiam a aproximação da morte, como soldados partindo para uma última batalha ou doentes terminais, e de parentes e cônjuges confrontados com uma perda cruel. Todas essas, sem exceção, remetem à esperança de um encontro futuro, em algum lugar, em algum céu ou dimensão, como se a morte, em vez do fim, fosse a abertura de uma porta para um além idílico.

E daí, vem a provocação final. Será que é isto mesmo? Uma combinação alterada do genoma, em cem, como razão para todo este discernimento, esta angústia? E, se quisermos ir além, o que (ou quem, para os místicos...) determinou esta “virada” nas cadeias volteadas do DNA dos primatas e nos enxertou esta expectativa de uma vida em outro mundo?

Respostas para a Redação...

Oswaldo Pereira
Maio 2015

PS.: Há algum tempo, assaltado por estas dúvidas existenciais, escrevi uma peça chamada “O Peregrino”. Se alguém que ainda não a leu e quiser fazê-lo, ela está aí ao lado, dentro do livro DESTRUIÇÃO & ORIGEM. É só clicar na capa que ele abre.