Trinta anos e mais dois dias.
A tarde era de sol, mas não muito quente. Chovera
bastante na véspera e havia a promessa de mais água para a noite. Tínhamos levado umas duas horas para chegar
lá, baldeando ônibus da Zona Sul e andando um bocado a pé. E, mesmo antes de
chegar perto, a excitação da multidão crescente que nos acompanhava
eletrificava o ar, fazia brotar um sorriso espontâneo de alegria meio boba e
meio louca, como se fossemos cruzados chegando a Jerusalém, marinheiros de
Colombo aportando o Novo Mundo, alpinistas fincando a bandeira do topo do
Himalaia. Estávamos chegando. E, depois dessa noite na terra encantada que brotara
nos confins da Zona Oeste do Rio, iriamos poder dizer: EU FUI, eu fui ao ROCK
IN RIO!
Ninguém acreditava. O desenho do evento era
grandioso demais, ambicioso demais. Tratava-se simplesmente de trazer ao Brasil
TODAS as bandas mais expressivas da atualidade musical de seu tempo, reis dos
palcos do Primeiro Mundo, gente que jamais pisara na América do Sul. E ícones
internacionais do pop e do jazz, grandes vendedores de discos que frequentavam
a lista dos top ten planetários. Tudo
isso, e mais uma infraestrutura nunca antes vista em terras tupiniquins,
distribuída por uma área de 250 mil m², sonhadoramente chamada de “Cidade do
Rock”, localizada nos contrafortes de Jacarepaguá. Dez dias seguidos de uma estravaganza sonora no maior palco da
história (cinco mil metros quadrados), dois imensos fast foods, dois shoppings com
mais de 50 lojas e dois centros de atendimento médico.
“Não vai dar certo...”, era a voz corrente. As cassandras
de plantão anunciavam muitos artistas não
virão (vieram todos, menos o Def
Leppard, cujo baterista perdera um braço num acidente dias antes – foi
competentemente substituído pelo Whitesnake),
com tanta gente, vai faltar comida e
bebida (se faltou, ninguém deu por isso), vai haver muita confusão (não foram registradas ocorrências
violentas de qualquer espécie). Por fim, vai
chover muito e haverá problemas de transporte e muita lama. Isto sim,
aconteceu. Choveu sem parar e levavam-se horas para ir e vir. Mas aí, o
bem-aventurado espírito carioca interveio. Chuva e a lama serviram de refresco
e décor para a alegria incontida da galera. E quem se importava com o tempo
passado nos coletivos cheios de gente que ansiava por ver gigantes como Rod Stewart, B-52's, Nina Hagen, AC/DC, Iron Maiden,
Ozzy Osbourne e Yes? Ou ídolos
caseiros como Paralamas do Sucesso, Barão
Vermelho, Erasmo Carlos, Blitz, Ney Matogrosso e o Kid Abelha?
300.000 PESSOAS NA "CIDADE DO ROCK" |
Entre 11 e 20 de janeiro de 1985, quase um milhão
e meio de espectadores compareceram ao Rock in Rio. Cinco Woodstocks. O projeto estava consagrado. Roberto Medina operara o
milagre e a franquia estava criada.
De lá até hoje, foram mais 13 Rock in
Rio’s, que acabaram por ganhar outros sobrenomes e outras moradas, como
Lisboa e Madri. É um dos festivais de música mais conhecidos em toda a Terra.
Pois é. Naquele dia, eu e minha mulher pudemos
sentir a mágica. Ivan Lins abrindo o espetáculo. Elba Ramalho começando um
agito que cresceu com Gilberto Gil. Era noite, nuvens de fumo da melhor marijuana flutuavam na chuva fina, quando James Taylor
embalou todo mundo. Depois, Al Jarreau jogou o feitiço do seu vozeirão, e o dia nascia
molhado no momento em que George Benson fez sua guitarra cantar. Lama e magia.
Várias histórias ficaram gravadas. Dizem que James
Taylor, na época dependente químico e sofrendo sua separação de Carly Simon,
havia decidido parar de cantar depois do Rock in Rio. A calorosa resposta do
público à sua apresentação o fez repensar e reiniciar sua carreira. Dizem
também que Ivan Lins quase perdeu a voz durante o show. Sentindo que a causa
podia ser o cigarro, parou de fumar a partir daquele momento.
E ninguém jamais esquecerá um apoteótico Freddy
Mercury, comandando um coro de centenas de milhares de vozes, cantando para a
Eternidade a sua antológica interpretação de Love of My Life.
Vale a pena ver de novo...
Lembra-se da música do Roupa Nova?
Ôôôô...Ôôôô.... Rock in Riôô...
EU FUI!
Oswaldo Pereira
Ôôôô...Ôôôô.... Rock in Riôô...
EU FUI!
Oswaldo Pereira
Janeiro
2015
Inesquecível ! Obrigada por nos lembrar. Não sou simpatizante de apoteoses e multidões. Nina Hagen e sua banda ficaram hospedados aqui em casa. Qdo voltei tudo rescendia ao melhor Vetiver que já conheci. Com o din din da locação, editei meu segundo livro de poemas:,Naves do Silencio. E viva o rock and roll.
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