Numa semana em que o mundo se agitou em torno dos
atentados na França e a Europa foi obrigada a ver mais de perto a imensa
questão de seu relacionamento com seus imigrantes muçulmanos, uma alarmante
notícia acendeu uma luz de preocupação no horizonte brasileiro. Embora sem o
caráter violento de uma ação terrorista, essa notícia carrega premonições tão
sombrias e trágicas quanto os tiros disparados em Paris.
Na prova de classificação do ENEM, 530.000 candidatos
tiraram a nota zero na prova de dissertação. Para se ter uma ideia do que isto
representa e para os leitores deste blog pouco familiarizados com a mecânica da
Educação no Brasil, eu explico.
O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) é uma prova
unificada para os estudantes que visam ingressar no ensino superior público, ou
seja, o conjunto de estabelecimentos de ensino universitário patrocinados pelo
Estado. Funciona como um vestibular e é obrigatório para a obtenção de bolsas
de estudo pagas pelo Governo e de recursos do Fundo de Financiamento
Estudantil. Isto quer dizer que os participantes do exame são alunos que já terminaram
o 2° Grau e completaram pelo menos oito anos de escolaridade.
Em novembro de 2014, 5,3 milhões de jovens fizeram a
prova. Quinhentas e trinta mil notas zero correspondem a 10% daquele
universo. São mais de quinhentos mil estudantes, supostamente no limiar do
ensino universitário, que foram incapazes de redigir sequer uma frase
minimamente inteligível sobre o tema apresentado. E olhe que o assunto proposto
não era algo impenetrável como, por exemplo, A Dialética de Kant e sua Influência no Comportamento das Formigas
Egípcias ou O Imponderável na Vida
das Tribos da Baixa Mesopotâmia. O tema era “Publicidade Infantil em
Questão no Brasil” que, convenhamos, não exige altas doses de capacidade dissertativa.
Estamos falando, assim, de quinhentos e trinta mil analfabetos funcionais graduados pelo ensino médio.
Mais assustador ainda foi saber que apenas 250 (isso
mesmo, duzentos e cinquenta) tiraram
a nota máxima – 0,005% do total! Ou seja, somente UM em cada 21.000 candidatos
conseguiu atender aos requisitos básicos do exame, que eram demonstrar domínio da norma padrão da língua
escrita; selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos,
opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista e demonstrar conhecimentos dos mecanismos linguísticos necessários para a
construção da argumentação. Em outras palavras, saber expressar-se em sua própria
língua.
Isto forçou o recém-empossado Ministro da Educação a
admitir que as coisas não vão muito bem. Num país em que Ministros vivem
tentando esconder a realidade, a admissão de Cid Gomes evidencia o fracasso das
políticas educacionais do Governo. Isto
é mau. Mas não é o pior.
O pior vem de uma desagregação cultural que vai aos
poucos obliterando o hábito da leitura. Já denunciei várias vezes por aqui o
aparecimento dos novos idiomas que comandam as guturais mensagens em SMS, as
interjeições do twiterês, as simplificações
conceituais do facebookês, o
neologismo do whatssap. Uma geração
inteira já se encontra em estado avançado de repúdio a textos que contenham
mais que duas linhas (ou 130 caracteres, como no twitter).
E, sem ler, meus amigos, não há como escrever.
Acreditem...
Oswaldo
Pereira
Janeiro
2014
Futuro desolador e desalojador. E preciso fugir pq essa guerra já esta perdida. Sem saber ler e escrever a pergunta que fica é
ResponderExcluirDo que? essas pessoas tiram alegria, prazer, discernimento. Que nação é esta?
O que vemos já é FUTURO, pois é o resultado de muitos anos sem alfabetização. Digo alfabetização.
ResponderExcluirE, geralmente são os que gritam e exigem. Porque nada sabem, nem sabem o que não sabem.
Muito bom texto Oswaldo.
Meu comentário é o acima, está como ANÔNIMO. Cleusa.
ResponderExcluirOswaldo é realmente desoladora essa situação, que aliás não é nova. Ela vem se desenhando há bastante tempo e enquanto as políticas de educação não forem ao fundo da questão continuaremos nessa triste realidade. Enquanto o ensino fundamental for considerado ensino de terceira classe com os piores professores e as piores remunerações, continuaremos nesse vale de desespero. Eu pessoalmente não acredito em políticas educacionais dos órgãos oficiais. A educação continua sendo tratada somente com fitos eleitoreiros.
ResponderExcluirAbraço
Uma palavra de ânimo: como professor que fui, vivi tudo isso e é realmente desolador. No entanto, nunca se pesquisou, leu e escreveu tanto quanto agora, com o computador e o smart phone. Além disso os livros eletrônicos trarão uma expansão extraordinária da arte de escrever. Quem viver verá!
ResponderExcluirDeus te ouça, e muito, caro Marcos...
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