sábado, 10 de janeiro de 2015

MOISÉS








Moshe Rabbenu. Moisés, o Legislador. Assim está registrado o nome de uma das figuras mais importantes da religião judaico-cristã, líder incontestável de um povo durante seu mais decisivo momento. Sua vida e sua obra abrangem nada menos que quatro livros da Bíblia (Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), uma saga apaixonante de sobrevivência, enganos, subterfúgios, coragem, perseverança e fé, desenrolada em algum momento entre os séculos XIV e XIII antes de Cristo. Seu provável nome egípcio, Msy, mse, ou ainda mose, tem o significado de filho de, como, por exemplo, Tutmose (filho de Tut) ou Ramses, filho de Ra, o Deus Sol, o faraó com quem Moisés conviveu e contra quem combateu.

Pelo Livro Sagrado, os pais de Moisés, escravos hebreus no Antigo Egito, conseguiram salvar o filho da exterminação de todas as crianças judaicas do sexo masculino ordenada pelo faraó, assustado com uma profecia que previa o nascimento do Messias, colocando-o numa cesta e deixando-o flutuar pelo Nilo até ser providencialmente recolhido pela princesa Bityah. Irmã de Seth I, a Princesa criou-o como filho, escondendo a verdade de sua origem. Todo mundo sabe a continuação dessa história, com Moisés vivendo na corte como sobrinho de Seth, sua proeminência como guerreiro e sua participação na construção das pirâmides, até que, aos vinte anos, mata um soldado egípcio que flagelava um escravo hebreu. Numa sucessão de desditas, seu crime vem servir como uma luva para a inveja de seu “primo” Ramsés, sua origem acaba sendo descoberta, Seth I, seu protetor, morre, ele cai em desgraça e acaba sendo banido.

A partir daí, sua sina muda completamente. Aos poucos absorvendo o fato de que é, na realidade, hebreu, inicia uma vida nômade, até encontrar a tribo dos midianitas, casar-se com Zipporá e estabelecer-se como pastor de ovelhas. Ainda pela Bíblia, aos 80 anos Moisés recebe de Deus, corporificado num arbusto incandescente, a ordem de retornar ao Egito e libertar seu povo da escravidão. Depois de vários confrontos, e após o advento de dez pragas divinas que assolam o território egípcio, Ramsés cede e permite a partida dos escravos. Para arrepender-se a seguir e persegui-los até às praias do Mar Vermelho onde, nesse momento, Moisés opera o prodígio da abertura das águas. O povo, liderado por ele, atravessa o estreito em tempo, enquanto que, na sequência, as tropas do faraó são envolvidas pelas ondas e destruídas.

Livre de seu inimigo e opressor, a multidão, estimada entre 400 mil e um milhão, segue em direção à Terra Prometida, a Canaã bíblica, uma região correspondente hoje aos territórios de Israel, Palestina e partes do Líbano, Jordânia e Síria. São mais 40 anos de peregrinação pelo deserto, durante a qual Moisés firma sua imagem de legislador recebendo de Deus os Dez Mandamentos. Com 120 anos, morre à vista de Canaã, sem nela entrar.

Uma bela história. Só que não há, fora da Bíblia, qualquer evidência, nem na egiptologia ou mesmo na arqueologia, de que estes fatos aconteceram e de que Moisés corresponde a uma figura real. A datação dos livros bíblicos não bate com os registros históricos amplamente reconhecidos e aceitos, como os da construção das pirâmides e o reinado de Ramsés, o Grande. A versão mais aceita é de que todo o processo de migração do povo judeu do Egito para o Levante, a promulgação das leis que deram a origem à Torah, a consolidação do culto a Yahweh, que pode ter levado ao menos uns dois séculos e envolvido dezenas de líderes, foi compactado na saga de Moisés, cujos primeiros relatos romanceados, fora do Livro Sagrado, só começaram a surgir mil anos depois. E esses textos, somados à fé emanada da Bíblia, acabaram por consolidar a figura de um extraordinário herói, profeta, general e patriarca cuja influência permeou três religiões: a judaica, a católica e a islâmica. Depois de Maomé, é a pessoa mais citada no Corão.


O MOISÉS DE MICHELANGELO

Inevitavelmente, Moisés tornou-se real e um ícone para pintores e escultores, especialmente no auge artístico da Renascença e na genialidade de Michelangelo. Com o surgimento da Sétima Arte, sua história apareceu em pelo menos três superproduções, duas delas com o mesmo título (Os Dez Mandamentos) e mesmo Diretor (Cecil B. DeMille). A última é Exodus: Deuses e Reis. Fui conferir.

MOISÉS NO CINEMA: THEODORE ROBERTS (1923), CHARLTON HESTON (1956) E CHRISTIAN BALE (2015)

Em 3-D, o tempo dos faraós ganha dimensão e vida. Um prato cheio para amantes da Antiguidade Clássica, com este modesto escriba, que se sentiu transportado para o Vale dos Reis, 33 séculos atrás. Primorosa como décor, a produção ainda tem gente reconhecidamente competente como Christian Bale no papel-título, Ben Kingsley como Nun, John Turturro como Seth I, Sigourney Weaver fazendo uma ponta e o aclamado Riddley Scott na Direção. Com uma receita destas, Exodus tinha tudo para ser um filmaço. É quase. O único problema decorre desta obsessão dos atuais cineastas de Hollywood em transformar os seus personagens principais em super-heróis, 007’s maiores que a vida. A cena da travessia do Mar Vermelho, plasticamente extraordinária, termina com um showdown à La Velho Oeste entre Moisés e Ramsés, com ambos sobrevivendo (atenção galera: isto não é spoiler. Vocês todos já sabem como a história termina...) galhardamente a um tsunami bíblico. Pena...

Oswaldo Pereira
Janeiro 2015






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