Moshe
Rabbenu. Moisés, o Legislador. Assim está registrado o nome de
uma das figuras mais importantes da religião judaico-cristã, líder
incontestável de um povo durante seu mais decisivo momento. Sua vida e sua obra
abrangem nada menos que quatro livros da Bíblia (Êxodo, Levítico, Números e
Deuteronômio), uma saga apaixonante de sobrevivência, enganos, subterfúgios,
coragem, perseverança e fé, desenrolada em algum momento entre os séculos XIV e
XIII antes de Cristo. Seu provável nome egípcio, Msy, mse, ou ainda mose, tem
o significado de filho de, como, por
exemplo, Tutmose (filho de Tut) ou Ramses, filho de Ra, o Deus Sol, o faraó
com quem Moisés conviveu e contra quem combateu.
Pelo Livro Sagrado, os pais de Moisés, escravos hebreus
no Antigo Egito, conseguiram salvar o filho da exterminação de todas as
crianças judaicas do sexo masculino ordenada pelo faraó, assustado com uma
profecia que previa o nascimento do Messias, colocando-o numa cesta e
deixando-o flutuar pelo Nilo até ser providencialmente recolhido pela princesa
Bityah. Irmã de Seth I, a Princesa criou-o como filho, escondendo a verdade de
sua origem. Todo mundo sabe a continuação dessa história, com Moisés vivendo na
corte como sobrinho de Seth, sua proeminência como guerreiro e sua participação
na construção das pirâmides, até que, aos vinte anos, mata um soldado egípcio
que flagelava um escravo hebreu. Numa sucessão de desditas, seu crime vem
servir como uma luva para a inveja de seu “primo” Ramsés, sua origem acaba sendo
descoberta, Seth I, seu protetor, morre, ele cai em desgraça e acaba sendo
banido.
A partir daí, sua sina muda completamente. Aos poucos
absorvendo o fato de que é, na realidade, hebreu, inicia uma vida nômade, até
encontrar a tribo dos midianitas, casar-se com Zipporá e estabelecer-se como
pastor de ovelhas. Ainda pela Bíblia, aos 80 anos Moisés recebe de Deus,
corporificado num arbusto incandescente, a ordem de retornar ao Egito e
libertar seu povo da escravidão. Depois de vários confrontos, e após o advento
de dez pragas divinas que assolam o território egípcio, Ramsés cede e permite a
partida dos escravos. Para arrepender-se a seguir e persegui-los até às praias
do Mar Vermelho onde, nesse momento, Moisés opera o prodígio da abertura das
águas. O povo, liderado por ele, atravessa o estreito em tempo, enquanto que,
na sequência, as tropas do faraó são envolvidas pelas ondas e destruídas.
Livre de seu inimigo e opressor, a multidão, estimada
entre 400 mil e um milhão, segue em direção à Terra Prometida, a Canaã bíblica,
uma região correspondente hoje aos territórios de Israel, Palestina e partes do
Líbano, Jordânia e Síria. São mais 40 anos de peregrinação pelo deserto, durante
a qual Moisés firma sua imagem de legislador recebendo de Deus os Dez Mandamentos.
Com 120 anos, morre à vista de Canaã, sem nela entrar.
Uma bela história. Só que não há, fora da Bíblia,
qualquer evidência, nem na egiptologia ou mesmo na arqueologia, de que estes
fatos aconteceram e de que Moisés corresponde a uma figura real. A datação dos
livros bíblicos não bate com os registros históricos amplamente reconhecidos e
aceitos, como os da construção das pirâmides e o reinado de Ramsés, o Grande. A
versão mais aceita é de que todo o processo de migração do povo judeu do Egito
para o Levante, a promulgação das leis que deram a origem à Torah, a consolidação do culto a Yahweh, que pode ter levado ao menos uns
dois séculos e envolvido dezenas de líderes, foi compactado na saga de Moisés, cujos primeiros relatos romanceados,
fora do Livro Sagrado, só começaram a surgir mil anos depois. E esses textos,
somados à fé emanada da Bíblia, acabaram por consolidar a figura de um
extraordinário herói, profeta, general e patriarca cuja influência permeou três
religiões: a judaica, a católica e a islâmica. Depois de Maomé, é a pessoa mais
citada no Corão.
O MOISÉS DE MICHELANGELO |
Inevitavelmente, Moisés tornou-se real e um ícone para pintores e escultores, especialmente no auge
artístico da Renascença e na genialidade de Michelangelo. Com o surgimento da
Sétima Arte, sua história apareceu em pelo menos três superproduções, duas delas
com o mesmo título (Os Dez Mandamentos)
e mesmo Diretor (Cecil B. DeMille). A
última é Exodus: Deuses e Reis. Fui
conferir.
MOISÉS NO CINEMA: THEODORE ROBERTS (1923), CHARLTON HESTON (1956) E CHRISTIAN BALE (2015) |
Em 3-D, o tempo dos faraós ganha dimensão e vida. Um
prato cheio para amantes da Antiguidade Clássica, com este modesto escriba, que
se sentiu transportado para o Vale dos Reis, 33 séculos atrás. Primorosa como décor, a produção ainda tem gente
reconhecidamente competente como Christian
Bale no papel-título, Ben Kingsley como
Nun, John Turturro como Seth I, Sigourney Weaver fazendo uma ponta e o aclamado
Riddley Scott na Direção. Com uma
receita destas, Exodus tinha tudo
para ser um filmaço. É quase. O único
problema decorre desta obsessão dos atuais cineastas de Hollywood em
transformar os seus personagens principais em super-heróis, 007’s maiores que a
vida. A cena da travessia do Mar Vermelho, plasticamente extraordinária,
termina com um showdown à La Velho
Oeste entre Moisés e Ramsés, com ambos sobrevivendo (atenção galera: isto não é spoiler. Vocês todos já sabem como a
história termina...) galhardamente a um tsunami bíblico. Pena...
Oswaldo
Pereira
Janeiro
2015
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