domingo, 25 de janeiro de 2015

CRISE HÍDRICA


 

 

«Vou tomar banho».

«O QUÊ!? Cê tá maluco?»

«Não aguento mais, pô. Faz uma semana que me lavei, naquela duchinha na casa da tua mãe. Mal e porcamente. Aliás, mais porcamente do que mal...»

«E você se lembra do risco que ela correu, coitada. Quase que a bruxa da Síndica flagrou a gente. Ela percebeu o contador se mexendo lá na garagem. A sorte é que o racionamento de luz começou logo naquele instante e ela deve ter ficado na dúvida. E subir os dez andares pela escada fez ela pensar duas vezes. Escapamos por pouco...»

«E daí, se ela flagrasse mesmo a gente?»

«E daí!? Cara, qualé? Você esteve em Marte nestas últimas semanas?  Então não se lembra das sanções que o Governo impôs para quem gastar mais de dez litros de água por dia? A família do 302 está em cana. A Jandira do quarto andar perdeu a guarda do filho porque lavou a louça mais de uma vez por mês. Os fiscais da CEDAE não estão para brincadeiras. São mais duros que o Joaquim Barbosa e o Sergio Moro. Os Síndicos correm o risco de ir para uma cadeia de segurança máxima se não delatarem um desperdício. O Governo chama isso de Crise Hídrica. E eu chamo de Regime do Terror.»

«Caraca, que situação. E pensar que a Dilma jurou que não ia haver racionamento. Vai acreditar...»

«Acreditar? Bobinho... E desde quando é para acreditar no que o Governo fala? Prometeram fazer a Reforma Política. Cadê? Prometeram diminuir o custo da Energia. Onde? Prometeram controlar a inflação. esperando. Programa de Aceleração do Crescimento, as obras do Rio São Francisco. Tudo fantasia, areia nos olhos. O Governo só é eficiente para punir. Faça um desconto indevido na tua declaração de Imposto de Renda para ver. E agora, esta Gestapo controlando se puxamos a descarga mais que uma vez na semana...»

«Bom, fazer o quê... Vou ter de pelo menos passar uma água no corpo. Não há perfume que dê mais jeito. Ainda temos aquele restinho de água da chuva que conseguimos recolher em dezembro?»

«Deve ter umas duas xícaras de chá. Estava guardando para lavar as minhas calcinhas... Mas, vá lá, tome o teu banho... E rápido, antes que comece o corte de luz. Dizem que a partir de hoje, a energia vai faltar dezesseis horas por dia. Só vamos ter luz das dez da manhã às seis da tarde»

«Ué, de DIA!? Logo quando não precisamos dela?»

«Pois é... Assim determinou o Ministro da Energia, como se estivesse concedendo uma enorme benesse. E ainda teve o desplante de botar a culpa em São Pedro. Por que não incluir no rol dos indiciados o Coelhinho da Páscoa, o Saci Pererê e o Papai Noel?»

«Realmente, não tem chovido. É uma seca sem precedentes...»

«Pode ser. Mas, há anos que os experts prenunciam isto. Há anos que já se sabe que o El Niño ia ficar cada vez mais poderoso. Só que aqui em Pindorama pouco se fez em termos de prevenção na matriz energética do País. Deixaram rolar. Agora, Inês é morta...»

«Morta e cheirando mal... Que diabo de cheiro horrível é este?»

«Então, com a falta de luz, as geladeiras não estão mais refrigerando os alimentos. Tem gente conservando carne como se fazia na Idade Média, com sal e especiarias. Bem vindo aos odores dos castelos medievais, meu caro...»

«Deus nos acuda...»

 
Oswaldo Pereira
Janeiro 2015

 

 

 

domingo, 18 de janeiro de 2015

ANALFABETISMO FUNCIONAL







Numa semana em que o mundo se agitou em torno dos atentados na França e a Europa foi obrigada a ver mais de perto a imensa questão de seu relacionamento com seus imigrantes muçulmanos, uma alarmante notícia acendeu uma luz de preocupação no horizonte brasileiro. Embora sem o caráter violento de uma ação terrorista, essa notícia carrega premonições tão sombrias e trágicas quanto os tiros disparados em Paris.

Na prova de classificação do ENEM, 530.000 candidatos tiraram a nota zero na prova de dissertação. Para se ter uma ideia do que isto representa e para os leitores deste blog pouco familiarizados com a mecânica da Educação no Brasil, eu explico.

O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) é uma prova unificada para os estudantes que visam ingressar no ensino superior público, ou seja, o conjunto de estabelecimentos de ensino universitário patrocinados pelo Estado. Funciona como um vestibular e é obrigatório para a obtenção de bolsas de estudo pagas pelo Governo e de recursos do Fundo de Financiamento Estudantil. Isto quer dizer que os participantes do exame são alunos que já terminaram o 2° Grau e completaram pelo menos oito anos de escolaridade.

Em novembro de 2014, 5,3 milhões de jovens fizeram a prova. Quinhentas e trinta mil notas zero correspondem a 10% daquele universo. São mais de quinhentos mil estudantes, supostamente no limiar do ensino universitário, que foram incapazes de redigir sequer uma frase minimamente inteligível sobre o tema apresentado. E olhe que o assunto proposto não era algo impenetrável como, por exemplo, A Dialética de Kant e sua Influência no Comportamento das Formigas Egípcias ou O Imponderável na Vida das Tribos da Baixa Mesopotâmia. O tema era “Publicidade Infantil em Questão no Brasil” que, convenhamos, não exige altas doses de capacidade dissertativa. Estamos falando, assim, de quinhentos e trinta mil analfabetos funcionais graduados pelo ensino médio.

Mais assustador ainda foi saber que apenas 250 (isso mesmo, duzentos e cinquenta) tiraram a nota máxima – 0,005% do total! Ou seja, somente UM em cada 21.000 candidatos conseguiu atender aos requisitos básicos do exame, que eram demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita; selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista e demonstrar conhecimentos dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação. Em outras palavras, saber expressar-se em sua própria língua.

Isto forçou o recém-empossado Ministro da Educação a admitir que as coisas não vão muito bem. Num país em que Ministros vivem tentando esconder a realidade, a admissão de Cid Gomes evidencia o fracasso das políticas educacionais do Governo.  Isto é mau. Mas não é o pior.

O pior vem de uma desagregação cultural que vai aos poucos obliterando o hábito da leitura. Já denunciei várias vezes por aqui o aparecimento dos novos idiomas que comandam as guturais mensagens em SMS, as interjeições do twiterês, as simplificações conceituais do facebookês, o neologismo do whatssap. Uma geração inteira já se encontra em estado avançado de repúdio a textos que contenham mais que duas linhas (ou 130 caracteres, como no twitter).

E, sem ler, meus amigos, não há como escrever. Acreditem...


Oswaldo Pereira
Janeiro 2014



quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

ROCK IN RIO






Trinta anos e mais dois dias.

A tarde era de sol, mas não muito quente. Chovera bastante na véspera e havia a promessa de mais água para a noite.  Tínhamos levado umas duas horas para chegar lá, baldeando ônibus da Zona Sul e andando um bocado a pé. E, mesmo antes de chegar perto, a excitação da multidão crescente que nos acompanhava eletrificava o ar, fazia brotar um sorriso espontâneo de alegria meio boba e meio louca, como se fossemos cruzados chegando a Jerusalém, marinheiros de Colombo aportando o Novo Mundo, alpinistas fincando a bandeira do topo do Himalaia. Estávamos chegando. E, depois dessa noite na terra encantada que brotara nos confins da Zona Oeste do Rio, iriamos poder dizer: EU FUI, eu fui ao ROCK IN RIO!

Ninguém acreditava. O desenho do evento era grandioso demais, ambicioso demais. Tratava-se simplesmente de trazer ao Brasil TODAS as bandas mais expressivas da atualidade musical de seu tempo, reis dos palcos do Primeiro Mundo, gente que jamais pisara na América do Sul. E ícones internacionais do pop e do jazz, grandes vendedores de discos que frequentavam a lista dos top ten planetários.  Tudo isso, e mais uma infraestrutura nunca antes vista em terras tupiniquins, distribuída por uma área de 250 mil m², sonhadoramente chamada de “Cidade do Rock”, localizada nos contrafortes de Jacarepaguá. Dez dias seguidos de uma estravaganza sonora no maior palco da história (cinco mil metros quadrados), dois imensos fast foods, dois shoppings com mais de 50 lojas e dois centros de atendimento médico.

“Não vai dar certo...”, era a voz corrente. As cassandras de plantão anunciavam muitos artistas não virão (vieram todos, menos o Def Leppard, cujo baterista perdera um braço num acidente dias antes – foi competentemente substituído pelo Whitesnake), com tanta gente, vai faltar comida e bebida (se faltou, ninguém deu por isso), vai haver muita confusão (não foram registradas ocorrências violentas de qualquer espécie). Por fim, vai chover muito e haverá problemas de transporte e muita lama. Isto sim, aconteceu. Choveu sem parar e levavam-se horas para ir e vir. Mas aí, o bem-aventurado espírito carioca interveio. Chuva e a lama serviram de refresco e décor para a alegria incontida da galera. E quem se importava com o tempo passado nos coletivos cheios de gente que ansiava por ver gigantes como Rod Stewart, B-52's, Nina Hagen, AC/DC, Iron Maiden, Ozzy Osbourne e Yes? Ou ídolos caseiros como Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Erasmo Carlos, Blitz, Ney Matogrosso e o Kid Abelha?

300.000 PESSOAS NA "CIDADE DO ROCK"
Entre 11 e 20 de janeiro de 1985, quase um milhão e meio de espectadores compareceram ao Rock in Rio. Cinco Woodstocks. O projeto estava consagrado. Roberto Medina operara o milagre e a franquia estava criada. De lá até hoje, foram mais 13 Rock in Rio’s, que acabaram por ganhar outros sobrenomes e outras moradas, como Lisboa e Madri. É um dos festivais de música mais conhecidos em toda a Terra.

Pois é. Naquele dia, eu e minha mulher pudemos sentir a mágica. Ivan Lins abrindo o espetáculo. Elba Ramalho começando um agito que cresceu com Gilberto Gil. Era noite, nuvens de fumo da melhor marijuana flutuavam na chuva fina, quando James Taylor embalou todo mundo. Depois, Al Jarreau jogou o feitiço do seu vozeirão, e o dia nascia molhado no momento em que George Benson fez sua guitarra cantar. Lama e magia.

Várias histórias ficaram gravadas. Dizem que James Taylor, na época dependente químico e sofrendo sua separação de Carly Simon, havia decidido parar de cantar depois do Rock in Rio. A calorosa resposta do público à sua apresentação o fez repensar e reiniciar sua carreira. Dizem também que Ivan Lins quase perdeu a voz durante o show. Sentindo que a causa podia ser o cigarro, parou de fumar a partir daquele momento.

E ninguém jamais esquecerá um apoteótico Freddy Mercury, comandando um coro de centenas de milhares de vozes, cantando para a Eternidade a sua antológica interpretação de Love of My Life. 

Vale a pena ver de novo...







Lembra-se da música do Roupa Nova? 

Ôôôô...Ôôôô.... Rock in Riôô...

EU FUI!

Oswaldo Pereira
Janeiro 2015



segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

SUIS-JE CHARLIE?




Como qualquer pessoa nascida e criada num país de tradições liberais e acalentada no seio de uma família de raízes multirraciais e inspirada pela tolerância, a ação terrorista contra o Charlie Hebdo repugnou-me. Detesto violência, especialmente quando ela é empunhada por mãos covardes e alimentada pela insensatez religiosa.

Horroriza-me o fato de que a Religião, um coletivo que engloba dezenas de fés cuja doutrina nuclear repousa nos pilares da paz e da compreensão, tenha sido, ao longo da História, o mais importante agente de guerras, perseguições, barbáries e atrocidades. Em nome de deus, seja ele qual for, foram desencadeadas hecatombes inimagináveis, visceralmente contrárias à pregação de fraternidade professada por todos os credos.

Dos sacrifícios a Baal, na Antiga Mesopotâmia, ao atentado de Paris na quarta-feira passada, leituras fundamentalistas dos códigos sagrados das diversas religiões serviram, e servem, de mandamento a extremistas dispostos a tudo para fazer valer a sua verdade teológica ou para vingar ataques aos seus profetas e santos.  Repetindo, rejeito, condeno e abomino o que os jihadistas argelinos perpetraram contra o jornal parisiense.

Mas, será que eu posso dizer EU SOU CHARLIE?

CHARGE RELIGIOSA DO CHARLIE
Para começar, sempre achei seu humor um pouco pesado, tipo pata de elefante. Embora reconheça os méritos e os traços de seus cartunistas, nunca achei muita graça nas charges publicadas, nem as políticas e nem as religiosas. Quando estive na França, em 1992, comprei um exemplar e verifiquei que não era o meu tipo de humor. Depois, não gostei das ridicularizações gratuitas, às vezes cruéis, que o Charlie disparava contra figuras que deveriam merecer um pouco mais de respeito. É claro que gosto da irreverência, de uma boutade perspicaz, da sátira fina e elegante, mas o canhão do Hebdo tinha um calibre grosso demais para meu paladar.




Nada disto, evidentemente, justifica o ato praticado pelos fanáticos argelinos. Para os que se julgam atingidos pelas charges, há sempre o recurso aos tribunais, ou até a um contra-ataque utilizando as mesmas armas dos ofensores, ou seja, o lápis, o papel e a inteligência. E foi um genial francês, François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire, que afirmou: “posso não concordar com uma palavra que você disser, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las”.  A liberdade de expressão, este bem essencial à vida humana, precisa ser preservado, quanto mais não seja pelo dever que ela tem de ser responsável, verdadeira e capaz de assumir seus erros e exageros. Então, neste sentido, eu posso, sim, dizer:

EU SOU CHARLIE


Oswaldo Pereira
Janeiro 2015





sábado, 10 de janeiro de 2015

MOISÉS








Moshe Rabbenu. Moisés, o Legislador. Assim está registrado o nome de uma das figuras mais importantes da religião judaico-cristã, líder incontestável de um povo durante seu mais decisivo momento. Sua vida e sua obra abrangem nada menos que quatro livros da Bíblia (Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), uma saga apaixonante de sobrevivência, enganos, subterfúgios, coragem, perseverança e fé, desenrolada em algum momento entre os séculos XIV e XIII antes de Cristo. Seu provável nome egípcio, Msy, mse, ou ainda mose, tem o significado de filho de, como, por exemplo, Tutmose (filho de Tut) ou Ramses, filho de Ra, o Deus Sol, o faraó com quem Moisés conviveu e contra quem combateu.

Pelo Livro Sagrado, os pais de Moisés, escravos hebreus no Antigo Egito, conseguiram salvar o filho da exterminação de todas as crianças judaicas do sexo masculino ordenada pelo faraó, assustado com uma profecia que previa o nascimento do Messias, colocando-o numa cesta e deixando-o flutuar pelo Nilo até ser providencialmente recolhido pela princesa Bityah. Irmã de Seth I, a Princesa criou-o como filho, escondendo a verdade de sua origem. Todo mundo sabe a continuação dessa história, com Moisés vivendo na corte como sobrinho de Seth, sua proeminência como guerreiro e sua participação na construção das pirâmides, até que, aos vinte anos, mata um soldado egípcio que flagelava um escravo hebreu. Numa sucessão de desditas, seu crime vem servir como uma luva para a inveja de seu “primo” Ramsés, sua origem acaba sendo descoberta, Seth I, seu protetor, morre, ele cai em desgraça e acaba sendo banido.

A partir daí, sua sina muda completamente. Aos poucos absorvendo o fato de que é, na realidade, hebreu, inicia uma vida nômade, até encontrar a tribo dos midianitas, casar-se com Zipporá e estabelecer-se como pastor de ovelhas. Ainda pela Bíblia, aos 80 anos Moisés recebe de Deus, corporificado num arbusto incandescente, a ordem de retornar ao Egito e libertar seu povo da escravidão. Depois de vários confrontos, e após o advento de dez pragas divinas que assolam o território egípcio, Ramsés cede e permite a partida dos escravos. Para arrepender-se a seguir e persegui-los até às praias do Mar Vermelho onde, nesse momento, Moisés opera o prodígio da abertura das águas. O povo, liderado por ele, atravessa o estreito em tempo, enquanto que, na sequência, as tropas do faraó são envolvidas pelas ondas e destruídas.

Livre de seu inimigo e opressor, a multidão, estimada entre 400 mil e um milhão, segue em direção à Terra Prometida, a Canaã bíblica, uma região correspondente hoje aos territórios de Israel, Palestina e partes do Líbano, Jordânia e Síria. São mais 40 anos de peregrinação pelo deserto, durante a qual Moisés firma sua imagem de legislador recebendo de Deus os Dez Mandamentos. Com 120 anos, morre à vista de Canaã, sem nela entrar.

Uma bela história. Só que não há, fora da Bíblia, qualquer evidência, nem na egiptologia ou mesmo na arqueologia, de que estes fatos aconteceram e de que Moisés corresponde a uma figura real. A datação dos livros bíblicos não bate com os registros históricos amplamente reconhecidos e aceitos, como os da construção das pirâmides e o reinado de Ramsés, o Grande. A versão mais aceita é de que todo o processo de migração do povo judeu do Egito para o Levante, a promulgação das leis que deram a origem à Torah, a consolidação do culto a Yahweh, que pode ter levado ao menos uns dois séculos e envolvido dezenas de líderes, foi compactado na saga de Moisés, cujos primeiros relatos romanceados, fora do Livro Sagrado, só começaram a surgir mil anos depois. E esses textos, somados à fé emanada da Bíblia, acabaram por consolidar a figura de um extraordinário herói, profeta, general e patriarca cuja influência permeou três religiões: a judaica, a católica e a islâmica. Depois de Maomé, é a pessoa mais citada no Corão.


O MOISÉS DE MICHELANGELO

Inevitavelmente, Moisés tornou-se real e um ícone para pintores e escultores, especialmente no auge artístico da Renascença e na genialidade de Michelangelo. Com o surgimento da Sétima Arte, sua história apareceu em pelo menos três superproduções, duas delas com o mesmo título (Os Dez Mandamentos) e mesmo Diretor (Cecil B. DeMille). A última é Exodus: Deuses e Reis. Fui conferir.

MOISÉS NO CINEMA: THEODORE ROBERTS (1923), CHARLTON HESTON (1956) E CHRISTIAN BALE (2015)

Em 3-D, o tempo dos faraós ganha dimensão e vida. Um prato cheio para amantes da Antiguidade Clássica, com este modesto escriba, que se sentiu transportado para o Vale dos Reis, 33 séculos atrás. Primorosa como décor, a produção ainda tem gente reconhecidamente competente como Christian Bale no papel-título, Ben Kingsley como Nun, John Turturro como Seth I, Sigourney Weaver fazendo uma ponta e o aclamado Riddley Scott na Direção. Com uma receita destas, Exodus tinha tudo para ser um filmaço. É quase. O único problema decorre desta obsessão dos atuais cineastas de Hollywood em transformar os seus personagens principais em super-heróis, 007’s maiores que a vida. A cena da travessia do Mar Vermelho, plasticamente extraordinária, termina com um showdown à La Velho Oeste entre Moisés e Ramsés, com ambos sobrevivendo (atenção galera: isto não é spoiler. Vocês todos já sabem como a história termina...) galhardamente a um tsunami bíblico. Pena...

Oswaldo Pereira
Janeiro 2015






sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

ANO NOVO





Não me lembro de quem foi a ideia, mas, de repente, todos nós resolvemos ir para a praia. Faltava mais de meia-hora para a meia-noite, o baile de réveillon havia começado há pouco, mas nós não estávamos dispostos a celebrar o Ano Novo num salão suarento e apinhado de gente. Dava para ir a pé. E lá fomos, surrupiando umas garrafas de espumante, alguns sanduíches (afinal, o convite fora caro...), de smoking e vestidos longos, gravatas borboleta e penteados construídos com laquê, sapatos de verniz e saltos altos, em direção à noite e à areia...

Achávamos que seriamos os únicos. Mas, em outros bailes e de outras festas, muitos haviam tido a mesma lembrança. Grupos e mais grupos em traje de gala estavam chegando, como que convocados por um arauto visceral, um chamamento do céu de verão que inundava nossos olhos de estrelas. E, porque éramos jovens, também de sonhos.

Dava para sentir o Ano chegando. Alguém-poeta disse que conseguia vê-lo cavalgando as ondas negras para além do horizonte. “Quinze minutos!”, um não-poeta informou com os olhos atentos no mostrador que tinha no pulso.

E, claro, tinha de acontecer um violão. Sabíamos todas as músicas, as letras de palavras doces misturadas com o champanhe, um coral de uma dúzia de vozes em dueto com a brisa que, como o Ano, também vinha do mar. Uma imensa festa. Todos à rigor com os pés na areia, outros pés sendo salgados pela marola leve, cantos e risos correndo soltos pela volta da enseada.

Meia-noite! E, num só gesto, todos nós erguemos as taças em homenagem. O Futuro estava ali, na nossa frente. Nós o tínhamos pela mão. Como eu disse, éramos jovens...

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A praia era Copacabana, numa época em que a festa planetária de hoje era só uma longínqua miragem. O Ano era 1965.  Há 50 anos. Putzgrilla...


Oswaldo Pereira
Janeiro 2015