sábado, 15 de novembro de 2014

FUNDO DO POÇO






Há muita gente, inclusive colunistas de respeito, dizendo que chegamos ao fundo do poço. O escândalo da Petrobras já é, em termos do montante desviado e de amplitude de envolvidos, o maior episódio de corrupção nacional de todos os tempos. E olhe que estamos falando de um país recém-saído do espetáculo midiático que foi o processo do Mensalão, de um povo que convive com relatos de falcatruas esfregados diariamente em sua cara pela imprensa, das incontáveis denúncias de malversação do erário que saem pelos poros do tecido da sociedade brasileira.

Foram contabilizados, até agora, R$56 bilhões (para os que me ouvem nos Estados Unidos e na Europa, o equivalente a US$22 billion ou €16 mil milhões), desviados, propinados, lavados e enxugados em paraísos internacionais, por uma teia pegajosa composta por políticos, lobistas, funcionários, diretores, empresários, doleiros e outros profissionais do ramo. É estarrecedor imaginar que todo esse esquema, aparentemente vicejando impune nos corredores da maior e mais emblemática empresa do Brasil, passou despercebido de fiscais, dirigentes, conselheiros e auditores por tanto tempo. Quero contritamente acreditar no que dizem os colunistas. Que este seja mesmo o fundo do poço, o ponto final, o fim da linha. Não há mais estômago para aguentar outra dose destas. Mas, aqui em Pindorama, quem sabe?...

E a pergunta chave é: como conseguimos chegar até a este ponto? Quais são os ingredientes venenosos que cozinharam este caldo pútrido que escorre viscoso por todos os níveis de atividade, sejam eles públicos ou privados? Que vento é este que corrói o mais puro propósito, que afoga as consciências, que ceva a ganância e assassina o pudor?

Muitos vão dizer o que sempre ouço quando falo neste assunto: A corrupção existe em toda a parte, até no Vaticano. A roubalheira não é apanágio nosso... Concordo. Parece até que a desonestidade está no DNA do poder e da proximidade com o dinheiro. Mas, para mim, a diferença entre nós e o resto do mundo, além da escala desproporcionalmente grande da malandragem pátria, é o caráter endêmico do mal que nos assola.

Então, como viemos parar nesta situação? Acho que cada um de nós deve ter sua resposta, sua explicação. A minha baseia-se em dois fatos acontecidos comigo. Há muito, muito tempo.

Como já devo ter contado aqui neste blog, em 1957 (isto mesmo, galera, há cinquenta e sete anos), eu fui passar uma temporada nos Estados Unidos. Aí fiquei por deslumbrados três meses, a maior parte do tempo em Nova Iorque, que devorava com os meus olhos de adolescente. Quando voltei, relatando as maravilhas do mundo mágico ao Norte, expliquei que lá não havia a figura do vendedor de jornais. Os exemplares eram colocados em pilhas nas calçadas e os compradores simplesmente pegavam o seu e deixavam o montante correspondente numa caixa que ficava ao lado. O impacto nos meus amigos foi enorme. Como era possível isto? Quer dizer que ninguém deixava de pagar, ou levava dois e pagava um? Que absurdo...

Quando voltei a morar no Brasil em 1971, depois de passar sete anos na Itália e em Portugal, espantou-me o comportamento dos brasileiros no trânsito. Principalmente, nas estradas onde, a cada engarrafamento, a turma não hesitava em escapar pelo acostamento. De onde eu viera, isto era um crime de lesa-pátria, uma esperteza unanimemente condenável. Certa ocasião, observando com raiva surda este nefando procedimento numa estrada para Minas, verifiquei que, à frente, a Patrulha Rodoviária estabelecera um posto de controle. Antegozando a minha vingança, aguardei ansiosamente chegar até onde estavam os policiais e poder assistir ao doce espetáculo de ver os transgressores impedidos de prosseguir e punidos com a devida multa. Para minha incredulidade e profundo desencanto, vi, quando lá cheguei, que os guardas paravam os que estavam na mão correta e abriam passagem para a alegre turma dos ispertos.

Deseducação cívica e Impunidade.

Este coquetel letal vem, há mais de cinquenta anos, minando o organismo da sociedade e secando suas reservas morais. Há cinco décadas que observo este processo. Quase três gerações. Será que estamos mesmo no fim?...


Oswaldo Pereira
Novembro 2014













   

3 comentários:

  1. 1957! Isso é estrada. Como coincide como um dos três anos que a mesma Petrobrás lançou as debêntures para financiar o seu capital de giro (1º empréstimo compulsório), vale registrar aqui que essas debêntures inauguraram, nos idos da década de 1950, o rabilongo rosário de abusos, malfeitos e fraudes, que agora amadureceram e fazem-na cair de podre com o Lava-Jato. Ela estendeu aos EUA, sua nefasta arrogância e agora está sendo investigada pelo Departamento de Justiça, SEC e NYSE. Conseguiu que um juiz morto decidisse contra a Lei que proteje a soberania dos Estados Estrangeiros, que ela não pode ser julgada em território americano. Isso para dar cobertura a uma cláusula dessas debêntures que ainda permite o direito à conversão dessas em ações preferenciais nominativas e ela nega na chamada "mão grande".

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