domingo, 9 de novembro de 2014

CIDADES QUE DÃO MÚSICA III






RIO DE JANEIRO


Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil
Cidade Maravilhosa, coração do meu Brasil...”
Cidade Maravilhosa. André Filho e Silva Sobreira. 1934.


Quando a expedição exploratória de Gaspar de Lemos, descendo a costa brasileira, passou em frente ao que parecia ser a foz de um rio, a extraordinária beleza da paisagem deslumbrou o coração curtido daqueles marinheiros - dois montes aconchegados na saída do delta, uma cintilante praia na outra ponta, as águas infinitamente azuis dos trópicos exalando o cheiro doce da maresia, o sol de verão dourando o verdor das suaves colinas.  Era o dia primeiro de janeiro do ano de 1502. O cartógrafo de plantão prontamente desenhou os contornos daquele acidente geográfico de mágico esplendor e deu sua certidão de batismo. Daí, e para todo o sempre, o lugar passou a ser chamado de Rio de Janeiro.


“Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro
Estou morrendo de saudade
Rio, teu mar, praias sem fim
Rio você foi feito prá mim...”
Samba do Avião. Antonio Carlos Jobim. 1963.


Os navegadores portugueses, e uma legião de visitantes depois, chegaram ao Rio por mar. Mas, a partir da década de 1930, outro meio de transporte, tornado realidade pelo pioneirismo de homens como Alberto Santos-Dumont, dominou a cena. E passou a proporcionar uma das mais incríveis experiências visuais de uma viagem aérea – chegar ao Rio de Janeiro de avião. Você pode repetir isto centenas de vezes, de manhã, quando o brilho do amanhecer tropical reflete na pedra dos morros, de tarde, com o pincel do poente desenhando em carmim um céu abençoado, de noite com a luz da cidade refletindo as estrelas. E você jamais deixará de se apaixonar pelo poema de uma cidade aninhada entre o mar e as montanhas, abrindo seus braços morenos para o viajante que chega.


“Moça do corpo dourado do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar...”
Garota de Ipanema. Vinícius de Morais e Antonio Carlos Jobim. 1962.


Na língua dos indígenas que habitavam a região antes do Descobrimento, ipanema significava água ruim ou água sem peixes. Mas, quem iria querer saber de peixes, quando a famosa garota passou, seu ritmo de ingenuidade sensual na cadência da brisa que vinha das ondas, colorindo a tarde menina e desatando a inspiração galopante nos dois marmanjos que, entre um chopp e outro, viram-na e viram-se golpeados pela epifania do momento. A genialidade de Vinícius e Tom Jobim transformou-a na canção mais tocada em todo o mundo. Cinco anos antes, os dois também haviam participado de outra descoberta, ali mesmo em Ipanema, num apartamento de classe média. Uma batida diferente de violão, uma voz suave, quase em surdina, uma letra falando de amor e felicidade e, com a iluminada cumplicidade de João Gilberto, nascia o fenômeno da Bossa Nova.


“Chego ao Rio de janeiro
Terra do samba, da mulata e do futebol
Vou vivendo o dia a dia, embalado na magia
Do seu Carnaval
Explode coração, na maior felicidade...”
Peguei um Ita no Norte (samba enredo da Escola de Samba do Salgueiro). Demá Chagas, Arizão, Bala, Guaracy e Celso Trindade. 1993.



A maior festa do planeta. Como descrever de outra maneira uma catarse de milhões de pessoas, mesmerizadas pelo batuque do samba, pelo colorido das fantasias, pelo canto alegre das marchinhas, pela energia primal que vem das saturnálias romanas, dos bals masqués de Veneza, dos entrudos medievais. Centenas de milhares de turistas acorrem ao chamado e se juntam aos nativos nesta celebração. Há quem vá aos bailes dos clubes, há quem se una aos blocos das ruas, há quem dance nas areias das praias, na subida dos morros ou simplesmente se adorna com uma fantasia singela e se deixa levar pelo fascínio do Carnaval Carioca. Ou participa, como espectador ou integrante, nas arquibancadas ou no asfalto, do maior espetáculo da Terra: o desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro.


“Vento do mar no meu rosto e o sol a queimar, queimar
Calçada cheia de gente a passar e a me ver passar
Rio de Janeiro, gosto de você
Gosto de quem gosta, deste céu, deste mar, desta gente feliz...”
Valsa de Uma Cidade. Antonio Maria e Ismael Neto. 1950.


Em 1565, os portugueses voltaram. Desta vez para ficar. As primeiras casas brancas de cal foram surgindo nas margens da baía. Os tamoios logo usaram seu dicionário para dar-lhes nome: cari (branca) oca (casa) e o gentílico estava estabelecido. O pequeno aglomerado foi crescendo à sombra das colinas verdes e aos afagos do clima ameno. Despertou cobiça, enfeitiçou os franceses de Villegagnon, atraiu os navios corsários de Duclerc e Duguay-Trouin, foi invadida, foi resgatada e, em 1756, foi alçada ao seu posto de direito – Capital do Brasil. Então veio o Rei que daqui não queria mais sair, seu filho que ficou e deu o grito da independência. Aqui nasceram a República, o samba, o Maracanã, a mulata e o malandro, a tanga e o frescobol, a caipirinha e a feijoada. A nossa História, com agá maiúsculo escreveu-se por aqui, no Terreiro do Paço, no Theatro Municipal, na Cinelândia, no Palácio do Catete, na Quinta da Boavista, nas pedras portuguesas de Copacabana. Em 1960, o cetro foi para Brasília. Mas a Majestade ficou.


“Um cantinho, um violão
Esse amor, uma canção
Prá fazer feliz a quem se ama
Muita calma prá pensar, e ter tempo prá sonhar,
Da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo...”
Corcovado. Antonio Carlos Jobim. 1960.


Braços abertos sobre a Guanabara. E sobre todos nós, cariocas de berço e de adoção. O morro e a estátua, lá colocada em 1912, num dueto sublime com o Pão de Açúcar, formam uma das paisagens mais conhecidas em todo o mundo, um ícone que sussurra promessas de um eterno verão, de aguas mornas quebrando suas ondas em areias finas, do encantado pôr-do-sol na ponta do Arpoador, das tardes em frente ao mar, de um cantinho, um violão e de alguém cantando seu amor eterno por esta cidade morena...



Oswaldo Pereira
Novembro 2014

PS.: Esta é a terceira crônica da série "Cidades que Dão Música". As duas anteriores foram sobre minhas outras duas paixões: San Francisco e Lisboa. Para quem não leu ou quiser ler de novo, aí abaixo estão os links para acessá-las. 


http://obpereira.blogspot.com.br/2012/05/cidades-que-dao-musica-1.html

http://obpereira.blogspot.com.br/2013/10/cidades-que-dao-musica-2.html


3 comentários:

  1. Crônica, poesia, história nos proporciona uma leitura agradável com as recordações de tempos que deram muita alegria para os cariocas.

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  2. ADOREI essa sua crônica ! E tem gente que diz que o Rio é a cidade mais sensual do mundo ... pode ser .... vamos esquecer o lado violento !
    Félicitations !!!
    Fifi

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    1. Merci... Na verdade, se não fosse a violência, o Rio seria um lugar ideal para viver...

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