Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil
Cidade
Maravilhosa, coração do meu Brasil...”
Cidade Maravilhosa. André
Filho e Silva Sobreira. 1934.
Quando a expedição exploratória de Gaspar de Lemos,
descendo a costa brasileira, passou em frente ao que parecia ser a foz de um
rio, a extraordinária beleza da paisagem deslumbrou o coração curtido daqueles
marinheiros - dois montes aconchegados na saída do delta, uma cintilante praia
na outra ponta, as águas infinitamente azuis dos trópicos exalando o cheiro
doce da maresia, o sol de verão dourando o verdor das suaves colinas. Era o dia primeiro de janeiro do ano de 1502.
O cartógrafo de plantão prontamente desenhou os contornos daquele acidente
geográfico de mágico esplendor e deu sua certidão de batismo. Daí, e para todo
o sempre, o lugar passou a ser chamado de Rio de Janeiro.
“Minha
alma canta, vejo o Rio de Janeiro
Estou
morrendo de saudade
Rio,
teu mar, praias sem fim
Rio
você foi feito prá mim...”
Samba do Avião. Antonio
Carlos Jobim. 1963.
Os navegadores portugueses, e uma legião de visitantes
depois, chegaram ao Rio por mar. Mas, a partir da década de 1930, outro meio de
transporte, tornado realidade pelo pioneirismo de homens como Alberto
Santos-Dumont, dominou a cena. E passou a proporcionar uma das mais incríveis
experiências visuais de uma viagem aérea – chegar ao Rio de Janeiro de avião.
Você pode repetir isto centenas de vezes, de manhã, quando o brilho do
amanhecer tropical reflete na pedra dos morros, de tarde, com o pincel do
poente desenhando em carmim um céu abençoado, de noite com a luz da cidade
refletindo as estrelas. E você jamais deixará de se apaixonar pelo poema de uma
cidade aninhada entre o mar e as montanhas, abrindo seus braços morenos para o
viajante que chega.
“Moça
do corpo dourado do sol de Ipanema
O
seu balançado é mais que um poema
É
a coisa mais linda que eu já vi passar...”
Garota de Ipanema. Vinícius
de Morais e Antonio Carlos Jobim. 1962.
Na língua dos indígenas que habitavam a região antes do
Descobrimento, ipanema significava água ruim ou água sem peixes. Mas, quem iria querer saber de peixes, quando a
famosa garota passou, seu ritmo de ingenuidade sensual na cadência da brisa que
vinha das ondas, colorindo a tarde menina e desatando a inspiração galopante nos
dois marmanjos que, entre um chopp e
outro, viram-na e viram-se golpeados pela epifania do momento. A genialidade de
Vinícius e Tom Jobim transformou-a na canção mais tocada em todo o mundo. Cinco
anos antes, os dois também haviam participado de outra descoberta, ali mesmo em
Ipanema, num apartamento de classe média. Uma batida diferente de violão, uma
voz suave, quase em surdina, uma letra falando de amor e felicidade e, com a
iluminada cumplicidade de João Gilberto, nascia o fenômeno da Bossa Nova.
“Chego
ao Rio de janeiro
Terra
do samba, da mulata e do futebol
Vou
vivendo o dia a dia, embalado na magia
Do
seu Carnaval
Explode
coração, na maior felicidade...”
Peguei um Ita no Norte (samba enredo da Escola de Samba
do Salgueiro). Demá Chagas, Arizão, Bala,
Guaracy e Celso Trindade. 1993.
A maior festa do planeta. Como descrever de outra
maneira uma catarse de milhões de pessoas, mesmerizadas pelo batuque do samba,
pelo colorido das fantasias, pelo canto alegre das marchinhas, pela energia
primal que vem das saturnálias
romanas, dos bals masqués de Veneza,
dos entrudos medievais. Centenas de
milhares de turistas acorrem ao chamado e se juntam aos nativos nesta celebração. Há quem vá aos bailes
dos clubes, há quem se una aos blocos das ruas, há quem dance nas areias das
praias, na subida dos morros ou simplesmente se adorna com uma fantasia singela
e se deixa levar pelo fascínio do Carnaval Carioca. Ou participa, como
espectador ou integrante, nas arquibancadas ou no asfalto, do maior espetáculo
da Terra: o desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro.
“Vento
do mar no meu rosto e o sol a queimar, queimar
Calçada
cheia de gente a passar e a me ver passar
Rio
de Janeiro, gosto de você
Gosto
de quem gosta, deste céu, deste mar, desta gente feliz...”
Valsa de Uma Cidade. Antonio Maria e Ismael Neto. 1950.
Em 1565, os portugueses voltaram. Desta vez para ficar.
As primeiras casas brancas de cal foram surgindo nas margens da baía. Os
tamoios logo usaram seu dicionário para dar-lhes nome: cari (branca) oca (casa)
e o gentílico estava estabelecido. O pequeno aglomerado foi crescendo à sombra
das colinas verdes e aos afagos do clima ameno. Despertou cobiça, enfeitiçou os
franceses de Villegagnon, atraiu os navios corsários de Duclerc e
Duguay-Trouin, foi invadida, foi resgatada e, em 1756, foi alçada ao seu posto
de direito – Capital do Brasil. Então veio o Rei que daqui não queria mais
sair, seu filho que ficou e deu o grito da independência. Aqui nasceram a
República, o samba, o Maracanã, a mulata e o malandro, a tanga e o frescobol, a
caipirinha e a feijoada. A nossa História, com agá maiúsculo escreveu-se por
aqui, no Terreiro do Paço, no Theatro Municipal, na Cinelândia, no Palácio do
Catete, na Quinta da Boavista, nas pedras portuguesas de Copacabana. Em 1960, o
cetro foi para Brasília. Mas a Majestade ficou.
“Um
cantinho, um violão
Esse
amor, uma canção
Prá
fazer feliz a quem se ama
Muita
calma prá pensar, e ter tempo prá sonhar,
Da
janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo...”
Corcovado. Antonio
Carlos Jobim. 1960.
Braços abertos sobre a Guanabara. E sobre todos nós,
cariocas de berço e de adoção. O morro e a estátua, lá colocada em 1912, num
dueto sublime com o Pão de Açúcar, formam uma das paisagens mais conhecidas em
todo o mundo, um ícone que sussurra promessas de um eterno verão, de aguas mornas
quebrando suas ondas em areias finas, do encantado pôr-do-sol na ponta do
Arpoador, das tardes em frente ao mar, de um
cantinho, um violão e de alguém cantando seu amor eterno por esta cidade
morena...
Oswaldo
Pereira
Novembro
2014
PS.: Esta é a terceira crônica da série "Cidades que Dão Música". As duas anteriores foram sobre minhas outras duas paixões: San Francisco e Lisboa. Para quem não leu ou quiser ler de novo, aí abaixo estão os links para acessá-las.
http://obpereira.blogspot.com.br/2012/05/cidades-que-dao-musica-1.html
http://obpereira.blogspot.com.br/2013/10/cidades-que-dao-musica-2.html