sábado, 25 de outubro de 2014

DEBATE




Como muitos milhões de brasileiros, assisti ontem à noite ao último debate entre os dois candidatos à Presidência do país, na antevéspera da eleição em segundo turno. Diferentemente daquele a que eu assistira no domingo, desta vez falou-se mais de intenções de governo. Houve ataques, claro, de parte a parte, mas felizmente a atenção acabou sendo concentrada mais nas iniciativas futuras de administração pública.  O que foi bom.

Como já disse muitas vezes aqui neste blog, vi muita coisa acontecer no Brasil. Vi e ouvi muita campanha, muita promessa, muita proposta bem intencionada nestas últimas seis décadas. Vi algumas serem cumpridas, e muitas não. Ontem foi mais do mesmo. É evidente que não podia deixar de ser assim, é o momento de prometer, mais ainda, de se comprometer com ações que, se aplicadas com o mesmo fervor com que foram enunciadas, melhorariam a sorte do povo e da Nação.

Mas, talvez porque sou velho e com os olhos e ouvidos cansados de muito filme ruim a que assisti na política brasileira, perguntava-me, a cada profissão de fé dos dois candidatos, por que Dilma apregoava providências indispensáveis ainda a fazer, se teve quatro anos, e seu Partido doze, para fazê-las, e não as fez?  Por que acreditar no programa de Aécio para o futuro, se isto é apenas uma aposta e já perdemos algumas no passado, com Jânio Quadros e Fernando Collor?

Por outro lado, falou-se muito em verbas para isso, verbas para aquilo. Com impressionante facilidade, bilhões de reais foram sendo distribuídos para os diversos programas como se não houvesse amanhã e o Governo possuísse uma inesgotável cornucópia de moedas de ouro. Vale sempre lembrar. Governos não fazem dinheiro. O que se prometeu ontem será obtido pelo único meio que os Governos têm – a cobrança de impostos. Falaram muito do uso, mas não da origem. Mas, talvez eu não entenda muito da contabilidade pública para julgar.

No entanto, há um assunto levantado por um dos eleitores indecisos que versa sobre uma das poucas matérias de que eu, por força de trabalhar mais de quinze na área da Previdência, percebo alguma coisa. A pergunta, basicamente, abordava a situação dos aposentados e indagava quais soluções para melhorá-la estavam contempladas na pauta dos candidatos. E aí eu pude, pelo menos nesse item, verificar o desconhecimento de ambos. Tanto Aécio como Dilma resolveram atacar o chamado fator previdenciário e elegê-lo o grande vilão da Previdência Social. Nada mais falso.

Para início de conversa, se esse fator fosse revogado, isto iria supostamente beneficiar as aposentadorias futuras, o que não era realmente o objetivo da pergunta, cujo interesse era saber como ajudar os aposentados de hoje. Depois, é preciso compreender que a aplicação do fator decorre de uma realidade planetária e incontestável – a expectativa de vida aumentou significativamente nos últimos sessenta anos.  As pessoas estão vivendo mais. Em média, vinte e cinco anos a mais do que nos anos 1950. E vivendo mais, aposentadas. Ou seja, recebendo e não contribuindo.

Como também em todo o mundo, no Brasil o regime de pensões funciona em base caixa – isto é, as aposentadorias pagas em um determinado ano são custeadas pelas contribuições arrecadadas naquele mesmo ano. É a famosa “transferência entre gerações”. Quem trabalha sustenta quem já se aposentou e reza para que, quando ele também se aposentar, haja trabalhadores para sustentá-lo. Como é fácil de intuir, com os aposentados vivendo mais tempo, a relação contribuinte/aposentado começou a deteriorar-se.

Aí entra o fator previdenciário, que nada mais é do que uma fórmula matemático-atuarial que visa compensar em parte o efeito da maior longevidade. É como se dissesse: você vai viver mais? Então precisa trabalhar mais tempo ou ganhar menos se decidir aposentar-se prematuramente. Cruel? Talvez, mas, como reza o velho ditado, não existe almoço grátis...

Portanto, não é por aí que as penúrias do aposentado brasileiro vão diminuir. Estas penúrias decorrem do achatamento do valor das aposentadorias, reajustadas abaixo da inflação e da variação do salário-mínimo, de haver outro sistema privilegiado, que beneficia o funcionalismo público, sem tetos e com regime contributivo muito mais generoso, do escorchante preço dos medicamentos e do sucateamento da saúde pública, itens de primeira necessidade dos que envelhecem.

Disto, nenhum dos dois falou.


Oswaldo Pereira

Outubro 2014

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