Como muitos milhões de brasileiros, assisti ontem
à noite ao último debate entre os dois candidatos à Presidência do país, na
antevéspera da eleição em segundo turno. Diferentemente daquele a que eu
assistira no domingo, desta vez falou-se mais de intenções de governo. Houve
ataques, claro, de parte a parte, mas felizmente a atenção acabou sendo
concentrada mais nas iniciativas futuras de administração pública. O que foi bom.
Como já disse muitas vezes aqui neste blog, vi muita coisa acontecer no
Brasil. Vi e ouvi muita campanha, muita promessa, muita proposta bem
intencionada nestas últimas seis décadas. Vi algumas serem cumpridas, e muitas
não. Ontem foi mais do mesmo. É evidente que não podia deixar de ser assim, é o
momento de prometer, mais ainda, de se comprometer com ações que, se aplicadas
com o mesmo fervor com que foram enunciadas, melhorariam a sorte do povo e da
Nação.
Mas, talvez porque sou velho e com os olhos e
ouvidos cansados de muito filme ruim a que assisti na política brasileira,
perguntava-me, a cada profissão de fé dos dois candidatos, por que Dilma
apregoava providências indispensáveis ainda a fazer, se teve quatro anos, e seu Partido doze, para fazê-las, e não as fez?
Por que acreditar no programa de Aécio para o futuro, se isto é apenas
uma aposta e já perdemos algumas no passado, com Jânio Quadros e Fernando
Collor?
Por outro lado, falou-se muito em verbas para
isso, verbas para aquilo. Com impressionante facilidade, bilhões de reais foram
sendo distribuídos para os diversos programas como se não houvesse amanhã e o
Governo possuísse uma inesgotável cornucópia de moedas de ouro. Vale sempre
lembrar. Governos não fazem
dinheiro. O que se prometeu ontem será obtido pelo único meio que os Governos
têm – a cobrança de impostos. Falaram muito do uso, mas não da origem. Mas,
talvez eu não entenda muito da contabilidade pública para julgar.
No entanto, há um assunto levantado por um dos
eleitores indecisos que versa sobre uma das poucas matérias de que eu, por
força de trabalhar mais de quinze na área da Previdência, percebo alguma coisa.
A pergunta, basicamente, abordava a situação dos aposentados e indagava quais
soluções para melhorá-la estavam contempladas na pauta dos candidatos. E aí eu
pude, pelo menos nesse item, verificar o desconhecimento de ambos. Tanto Aécio
como Dilma resolveram atacar o chamado fator
previdenciário e elegê-lo o grande vilão da Previdência Social. Nada mais
falso.
Para início de conversa, se esse fator fosse
revogado, isto iria supostamente beneficiar as aposentadorias futuras, o que
não era realmente o objetivo da pergunta, cujo interesse era saber como ajudar
os aposentados de hoje. Depois, é
preciso compreender que a aplicação do fator decorre de uma realidade
planetária e incontestável – a expectativa de vida aumentou significativamente
nos últimos sessenta anos. As pessoas
estão vivendo mais. Em média, vinte e cinco anos a mais do que nos anos 1950. E
vivendo mais, aposentadas. Ou seja,
recebendo e não contribuindo.
Como também em todo o mundo, no Brasil o regime de
pensões funciona em base caixa – isto é, as aposentadorias pagas em um
determinado ano são custeadas pelas contribuições arrecadadas naquele mesmo
ano. É a famosa “transferência entre gerações”. Quem trabalha sustenta quem já
se aposentou e reza para que, quando ele também se aposentar, haja
trabalhadores para sustentá-lo. Como é fácil de intuir, com os aposentados vivendo
mais tempo, a relação contribuinte/aposentado começou a deteriorar-se.
Aí entra o fator
previdenciário, que nada mais é do que uma fórmula matemático-atuarial que
visa compensar em parte o efeito da maior longevidade. É como se dissesse: você
vai viver mais? Então precisa trabalhar mais tempo ou ganhar menos se decidir
aposentar-se prematuramente. Cruel? Talvez, mas, como reza o velho ditado, não existe almoço grátis...
Portanto, não é por aí que as penúrias do
aposentado brasileiro vão diminuir. Estas penúrias decorrem do achatamento do
valor das aposentadorias, reajustadas abaixo da inflação e da variação do
salário-mínimo, de haver outro sistema privilegiado, que beneficia o
funcionalismo público, sem tetos e com regime contributivo muito mais generoso, do escorchante preço dos medicamentos e do sucateamento da saúde pública, itens
de primeira necessidade dos que envelhecem.
Disto, nenhum dos dois falou.
Oswaldo
Pereira
Outubro
2014
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