segunda-feira, 27 de outubro de 2014

DOIS BRASIS?






Quem olha para o mapa do resultado das eleições tem esta impressão. Parece quase como se uma fronteira dividisse o país ao meio. Um Brasil Sul e um Brasil Norte. Se ampliarmos o foco em Minas Gerais, veremos que o estado também se dividiu no meio, também entre sul e norte, fechando uma linha divisória que vai do Acre ao Espírito Santo. Há muitas explicações, como a ideia do Brasil afortunado e o Brasil carente, o Brasil industrial e o Brasil clientelista, o Brasil pagador e o Brasil subsidiado.  Do Brasil que gera a riqueza e o Brasil que a consome.

Parece, mas não é assim tão simples. A divisão não foi horizontal, como as cores do mapa nos mostram. Mesmo nos estado vermelhos muita gente votou no Aécio Neves, e nos azuis na Dilma. A divisão é, portanto, mais vertical do que horizontal, mais permeável no estrato da sociedade do que originada em currais políticos.

Outro dado, que não aparece no cômputo dos votos válidos, é o percentual de eleitores que se abstiveram, anularam o voto ou votaram em branco: 25%. São mais de 30 milhões de pessoas que, aparentemente, desaprovam tudo o que está aí e não acreditaram nas promessas de campanha da oposição, ou se desencantaram com o processo político.

Para os que não conhecem a legislação eleitoral brasileira, explico que o voto é obrigatório. A abstenção vai exigir a apresentação de uma justificativa às autoridades eleitorais e, eventualmente, o pagamento de uma multa, sob pena de o eleitor faltoso se ver privado de poder requerer passaporte, obter financiamento de bancos públicos, ingressar em estabelecimentos de ensino estatais, entre outras coisas. Abster-se de votar, portanto, não é uma simples distração. É um ato volitivo, de consciência.

Tudo isto é um importante indicador. Se somarmos as abstenções aos votos em Aécio, veremos que quase dois em cada três brasileiros está descontente, ou desiludido. Não gosta do que ouve ou vê, não confia naqueles que continuarão a comandar por mais quatro anos, quer reformas, quer respeito, quer justiça.

Espero que os eleitos percebam esta mensagem das urnas. Para mim, a voz que delas veio deu um claro recado. Existe sim, uma oposição. Ela agora tem um nome, uma coligação partidária e 50 milhões de votos. E estará atenta.


Oswaldo Pereira
Outubro 2014


sábado, 25 de outubro de 2014

DEBATE




Como muitos milhões de brasileiros, assisti ontem à noite ao último debate entre os dois candidatos à Presidência do país, na antevéspera da eleição em segundo turno. Diferentemente daquele a que eu assistira no domingo, desta vez falou-se mais de intenções de governo. Houve ataques, claro, de parte a parte, mas felizmente a atenção acabou sendo concentrada mais nas iniciativas futuras de administração pública.  O que foi bom.

Como já disse muitas vezes aqui neste blog, vi muita coisa acontecer no Brasil. Vi e ouvi muita campanha, muita promessa, muita proposta bem intencionada nestas últimas seis décadas. Vi algumas serem cumpridas, e muitas não. Ontem foi mais do mesmo. É evidente que não podia deixar de ser assim, é o momento de prometer, mais ainda, de se comprometer com ações que, se aplicadas com o mesmo fervor com que foram enunciadas, melhorariam a sorte do povo e da Nação.

Mas, talvez porque sou velho e com os olhos e ouvidos cansados de muito filme ruim a que assisti na política brasileira, perguntava-me, a cada profissão de fé dos dois candidatos, por que Dilma apregoava providências indispensáveis ainda a fazer, se teve quatro anos, e seu Partido doze, para fazê-las, e não as fez?  Por que acreditar no programa de Aécio para o futuro, se isto é apenas uma aposta e já perdemos algumas no passado, com Jânio Quadros e Fernando Collor?

Por outro lado, falou-se muito em verbas para isso, verbas para aquilo. Com impressionante facilidade, bilhões de reais foram sendo distribuídos para os diversos programas como se não houvesse amanhã e o Governo possuísse uma inesgotável cornucópia de moedas de ouro. Vale sempre lembrar. Governos não fazem dinheiro. O que se prometeu ontem será obtido pelo único meio que os Governos têm – a cobrança de impostos. Falaram muito do uso, mas não da origem. Mas, talvez eu não entenda muito da contabilidade pública para julgar.

No entanto, há um assunto levantado por um dos eleitores indecisos que versa sobre uma das poucas matérias de que eu, por força de trabalhar mais de quinze na área da Previdência, percebo alguma coisa. A pergunta, basicamente, abordava a situação dos aposentados e indagava quais soluções para melhorá-la estavam contempladas na pauta dos candidatos. E aí eu pude, pelo menos nesse item, verificar o desconhecimento de ambos. Tanto Aécio como Dilma resolveram atacar o chamado fator previdenciário e elegê-lo o grande vilão da Previdência Social. Nada mais falso.

Para início de conversa, se esse fator fosse revogado, isto iria supostamente beneficiar as aposentadorias futuras, o que não era realmente o objetivo da pergunta, cujo interesse era saber como ajudar os aposentados de hoje. Depois, é preciso compreender que a aplicação do fator decorre de uma realidade planetária e incontestável – a expectativa de vida aumentou significativamente nos últimos sessenta anos.  As pessoas estão vivendo mais. Em média, vinte e cinco anos a mais do que nos anos 1950. E vivendo mais, aposentadas. Ou seja, recebendo e não contribuindo.

Como também em todo o mundo, no Brasil o regime de pensões funciona em base caixa – isto é, as aposentadorias pagas em um determinado ano são custeadas pelas contribuições arrecadadas naquele mesmo ano. É a famosa “transferência entre gerações”. Quem trabalha sustenta quem já se aposentou e reza para que, quando ele também se aposentar, haja trabalhadores para sustentá-lo. Como é fácil de intuir, com os aposentados vivendo mais tempo, a relação contribuinte/aposentado começou a deteriorar-se.

Aí entra o fator previdenciário, que nada mais é do que uma fórmula matemático-atuarial que visa compensar em parte o efeito da maior longevidade. É como se dissesse: você vai viver mais? Então precisa trabalhar mais tempo ou ganhar menos se decidir aposentar-se prematuramente. Cruel? Talvez, mas, como reza o velho ditado, não existe almoço grátis...

Portanto, não é por aí que as penúrias do aposentado brasileiro vão diminuir. Estas penúrias decorrem do achatamento do valor das aposentadorias, reajustadas abaixo da inflação e da variação do salário-mínimo, de haver outro sistema privilegiado, que beneficia o funcionalismo público, sem tetos e com regime contributivo muito mais generoso, do escorchante preço dos medicamentos e do sucateamento da saúde pública, itens de primeira necessidade dos que envelhecem.

Disto, nenhum dos dois falou.


Oswaldo Pereira

Outubro 2014

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

VOO TRANSATLÂNTICO






Não há muito para fazer num voo transatlântico. Para começar, você está firmemente preso dentro de um cilindro de aço que se desloca a 10 quilômetros de altitude numa velocidade próxima da do som, respirando um ar rarefeito e, praticamente durante boa parte da viagem, sem o beneplácito de uma panorâmica vista através daqueles exíguos buracos redondos a que chamam de janelinhas. Ou lá fora está escuro ou num perene e entediante azul. O mundo está longe, lá embaixo e também é azul.

E tem sido assim ao longo destes últimos cinquenta anos.  Basicamente, voamos o mesmo equipamento, desde que o jato comercial dominou as rotas intercontinentais em meados dos anos 1960, com o Boeing 707. Evidentemente que algumas alterações, principalmente no âmbito da segurança de voo, da manobrabilidade dos aviões, da automação dos procedimentos e da amplitude dos radares meteorológicos,  vieram facilitar o trabalho dos pilotos, mas a aeronave, mesmo sendo ela um jetliner de quase 500 lugares, continua sendo uma máquina com corpo, asas, leme, rodas e reatores de turbo propulsão. E longas horas entre o tédio e o sono.

A honrosa exceção (há sempre uma) está na comodidade das pequenas telas que adornam as costas da cadeira da frente e que oferecem ao passageiro uma razoável gama de opções que vão de vários títulos de filmes a diversos canais de música, programas pré-gravados de TV, joguinhos de exigências intelectuais várias e, ainda, uma constante informação sobre o progresso da viagem. É uma conquista de alguns anos para cá, substituindo as antigas e famigeradas telas coletivas, responsáveis por muito torcicolo e problemas de vista cansada.

Para muitos cinéfilos, é hora de por em dia seu contato com a sétima arte e assistir a uma película que lhe tenha escapado por falta de tempo. Num voo de 10 horas, dá para ver, com folga, umas três projeções. Foi o que fiz, agora, na vinda de Lisboa para o Rio.




Uma delas atendeu pelo título de Dawn of the Planet of the Apes (Planeta dos Macacos: O Confronto) e tem alcançado boa recepção de crítica e de público em todo o lado. Desde que estreou em abril, acumulou uma receita de US$ 700 milhões. É o segundo capítulo desta nova fase da franquia baseada num futuro apocalítico em que a Terra vê-se controlada pela supremacia dos símios, que dominam e escravizam os humanos, seguindo-se a Rise of the Planet of the Apes (Planeta dos Macacos: A Origem), lançado em 2011.



O primeiro filme sobre o assunto foi o clássico Planet of the Apes (Planeta dos Macacos), rodado em 1968 com Charlton Heston no papel principal. Entre 1970 e 1973, mais quatro produções sobre o tema foram feitas (uma por ano), num marcante declínio de qualidade, e aceitação pelo público, até que a coisa quase descambou para o perigoso terreno da galhofa. Uma reapresentação da história em 2001 provou ser um tremendo desperdício de dinheiro e não emplacou.






As versões atuais, que se valem da extraordinária evolução das técnicas de filmagem aliadas à computação gráfica, trazem uma roupagem mais realista ao tema e transformam a figura dos macacos-dominadores numa credível personificação de sua evolução, proporcionada, segundo o argumento base da trama, pela inoculação de um vírus criado para a cura do Alzheimer.

Jogando com elementos que fazem parte da pauta de preocupação da humanidade nos atuais dias, como o combate aos efeitos do envelhecimento, vírus mortais como o ebola, preconceito e intolerância, e seus conflitos, o filme torna-se um bom entretenimento nas longas horas voando entre um continente e outro...


Oswaldo Pereira
Outubro 2014




quinta-feira, 16 de outubro de 2014

PASSADO VIVO






Andar por Portugal é sempre um passado-presente. Do futuro, estão eles cuidando, os jovens e o destino. O presente está nas estradas novas, no vestir fashion da nova geração, nos últimos modelos de Audis e BMWs, nos onipresentes i-pads. 

O passado está na História, com agá maiúsculo, escrupulosamente guardada em castelos, mosteiros, cidades muradas, moinhos medievais, pontes romanas, árvores milenares.

Por exemplo. 

UMA OLIVEIRA DE 2.300 ANOS
Na porta da sede da indústria vinícola Bacalhôa, numa localidade que atende pelo charmoso nome de Vila Nogueira de Azeitão, está viva e imponente uma oliveira. Idade? 2.300 anos. Quer dizer, trezentos anos antes do início da era cristã, desta árvore brotaram azeitonas que provavelmente foram colhidas por algum faminto guerreiro celta, séculos antes de os romanos por lá chegarem. A dois quilômetros, está o palácio que, em finais do século XV, foi construído, a partir de um pavilhão de caça real, por Dona Brites. E quem era Dona Brites? Nada mais, nada menos que a mãe de D. Manuel I, o Venturoso, aquele que enviou as naus de Cabral para o Novo Mundo. Em 1528, foi regalado como régio presente a D. Brás de Albuquerque, filho do Vice-Rei da Índia. O presenteado era um autêntico playboy quinhentista, herdeiro de uma incalculável fortuna. Sua grande contribuição foi o belo recanto que mandou construir à frente de um espelho d’água e que, na crônica da corte, era apelidado de “casa do prazer”. Imaginem o porquê...
 
PALÁCIO DA BACALHÔA

PALÁCIO DA BACALHÔA
























CONVENTO DO ESPINHEIRO
A primeira aparição da Virgem Maria em Portugal não foi em Fátima. Foi em 1400, num espinheiro próximo da cidade de Évora. Em 1412, um oratório foi levantado no local tornando-se, a partir daí, um centro de peregrinação tão importante que, quarenta anos depois, o Rei Afonso V mandou erigir uma igreja e um convento, administrados pelos monges da Ordem de São Jeronimo. Mas, nem mesmo estas paredes tão impregnadas de santidade foram capazes de impedir um notório caso de sexo pré-marital. Em novembro de 1490, um outro Afonso, filho de D. João II e herdeiro do trono português, não resistiu aos encantos da princesa espanhola Isabel, sua prometida e, antes das bodas reais, “visitou” sua alcova no convento. Conta a lenda que os céus, indignados com a profanação, atingiram com um raio uma parte da Igreja, causando severos danos. O hotel de 5 estrelas em que hoje se transformou o magnífico conjunto tem o condão de transportar o hóspede para a Idade Média e para o encanto de suas lendas, ao mesmo tempo em que o permite fruir dos confortos do século XXI e de um delicioso breakfast.

HOTEL CONVENTO DE SÃO PAULO

E é continuar a andar em terras alentejanas mais um pouquinho em direção ao norte e chegamos à Serra d’Ossa, onde outro bocado do passado nos espera. É o Convento de São Paulo, construído em 1182 pelos monges da Ordem de São Paulo Eremita como um lugar de oração e recolhimento. Reis e rainhas passaram por ali, em busca talvez de inspiração divina ou de uma simples graça, que tornasse seu fardo de governante mais suave ou mais justo. Hoje passam os afortunados que escolhem o convento como pousada de descanso e contemplação, em meio ao silêncio das horas canônicas e a um dos mais notáveis acervos de azulejaria no mundo. São 54.000 azulejos, que adornam as paredes dos corredores, das escadarias e das capelas, livros abertos de cenas religiosas e mitológicas.

AZULEJARIA DO CONVENTO DE SÃO PAULO














É o passado trazido para o presente, para ser reverenciado, celebrado e conservado para o futuro.


Oswaldo Pereira

Outubro 2014

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

TRILHA SONORA




A música vinha de um segundo andar. Ou terceiro, não sei. Um standard do Nat “King” Cole. Alguém colocara o som no máximo. Talvez quisesse que todo mundo ouvisse. Era uma canção de amor não correspondido, com os trompetes ferindo o ar num desafio ao desespero, orgulhosamente apregoando seu despeito. When Your Lover has Gone. Quando seu amor foi embora...

Tudo em tons maiores. Era uma canção de um coração supostamente partido pelo abandono, pela perda. Dor de cotovelo. E, no entanto, era toda em tons maiores. Não entendo muito de música, mas pelo menos isto eu posso explicar a quem não sabe (da única maneira que sei), pedindo contritas desculpas aos que dominam o assunto. Tons maiores são os das teclas brancas de um piano. Seu som traz sempre a sensação de alegria, de animação, de “prá cima”. Ao contrário, tons menores são os das teclas pretas. Ao ouví-los, o sentimento é de melancolia, tristeza, de “prá baixo”.

E, de repente, eu notei. A maioria das músicas americanas que tratam do amor é composta em tons maiores. Mesmo as que versam sobre a sua ausência, seu fim, seu desencontro. E a maioria das canções românticas brasileiras, até aquelas que relatam estórias de encantos, encontros ou expectativas positivas, é em tons menores. Modinhas, sambas canções, chorinhos, até alguma bossa nova, acabam parecendo lamentos, embora cantem venturas. Será que o motivo advém do fato de sermos, como já se disse, o produto de três raças tristes? O português desterrado, o negro escravo e o índio subjugado? Ou está no som das florestas densas e úmidas, na secura das caatingas, na planície infindável dos pampas, na imensidão do mar?

Toda regra tem exceções, claro. E antes que algum dos meus raríssimos comentadores se adiante, cito logo os exemplos do Carnaval, a alegria contagiante de milhões pelo país afora em fevereiro ou março. O batuque, a exaltação, o coro uníssono dos sambas-enredo. E a contrapartida americana dos blues, trazidos pelos negros, eles também escravos, que choram em volteios lamentosos sua dor. (Aliás, por falar nisso, todos os blues utilizam apenas as teclas pretas do piano. Sacaram?...)

Dizem que a vida, diferentemente dos filmes, não tem trilha sonora, que não há música de fundo quando andamos pela existência a procura de um destino, ou até quando o encontramos. Eu discordo. Talvez não a tenhamos apenas do lado de fora. Dentro de nós, se apurarmos o ouvido interior, existirá sempre um refrão musical, um fiapo de canção, os ecos de um tema. De repente, até o background de uma aparelhagem de som de um segundo andar.

Só para citar outra vez o cancioneiro americano, a música Without a Song, termina declarando: I only know there ain’t no love at all, without a song (eu sei somente que não existe amor sem uma canção). Foi sucesso nos anos 1960, na voz do Sinatra. Fala da tristeza e do vácuo que significaria um mundo sem música. Toda em tons maiores...

PS.: Estou longe, mas estou antenado... As urnas brasileiras, ou melhor, cento e quarenta e três milhões de brasileiros deram ontem o seu recado. Livremente. Nossa democracia pode não ser ainda muita coisa, há um grande distanciamento entre o eleitor e seu representante e a corrupção sistêmica deturpa os melhores propósitos, se é que ainda existem, dos nossos políticos. Mas ver um brasileiro andar quase um dia de barco e mais muitas horas a pé para exercer seu direito de voto, é bonito. O voto é obrigatório, etcetera e tal... dirão alguns. Mas isto não tira a beleza do ato, repetido vezes sem fim, ontem, neste nosso país-continente.

Oswaldo Pereira
Outubro 2014




quarta-feira, 1 de outubro de 2014

DESTRUIÇÃO & ORIGEM









Desconsiderando os alertas em contrário de quem já o tinha visto, resolvi assistir Noah (Noé). Havia bons atores no elenco (Russell Crow, Jennifer Connelly e o incomparável Anthony Hopkins), pensei, e épicos bíblicos fizeram parte da minha formação cinéfila. Durante a década de 1950, foram os grandes sucessos de bilheteria em todo o mundo. Uma pequena lista deles, só para lembrar: Samson and Delilah (Sansão e Dalila, 1949), Quo Vadis (1951), David and Bathsheba (Davi e Betsabá, 1952), The Robe (O Manto Sagrado, 1953), e o blockbuster de Cecil B. DeMille, The Ten Commandments (Os Dez Mandamentos, 1956).

E, claro, me arrependi. Difícil entender como se gastam 125 milhões de dólares numa bobagem tão grande. A necessidade quase obsessiva de certos cineastas americanos em transformar personagens históricos em tremendos super-heróis (ainda bem que não fui ver “Abraham Lincoln, Caçador de Vampiros” ou seja lá como se chamava aquela loucura...) destroça qualquer similitude com a realidade, mesmo sendo ela cercada de hipóteses e lendas, como a história do Diluvio Universal. Não sei de que neurônios deve ter saído a ideia de criar anjos transmutados em grotescos gigantes de pedra e usá-los para ajudar Noé a construir a Arca. Francamente... Mas depois, abstraindo-me das trapalhadas do filme, acabei concentrando-me no que, na realidade, nos conta a Bíblia. 

O Diluvio foi mais que um castigo. O Diluvio foi uma correção de rota na obra do Senhor. A segunda, aliás. A primeira proposta, o projeto de Adão e Eva no Éden, não dera certo, graças às artimanhas da serpente. Poucas gerações após o Primeiro Par ter sido defenestrado do Paraíso, os homens se desencaminhavam novamente e Deus passava outra borracha nas linhas mestras do seu trabalho, aniquilando sua mais importante criação - a raça humana. Apenas a família de Noé foi preservada com a missão tomar conta de um jardim zoológico flutuante e recomeçar o povoamento da Terra assim que as águas baixassem. A terceira viria milênios mais tarde, com a intervenção terrena de Cristo e a esperança de que finalmente os homens aprendessem o caminho.

Sempre me atordoei com este ir e vir, esta coisa de tentativa e erro, especialmente numa obra cujo autor é, por definição, o Todo-Poderoso. E estas minhas dúvidas e questionamentos levaram-me, quase sem sentir, a escrever quatro exercícios literários, dois contos e duas peças, em que o tema acabou por versar sobre a Origem (as peças) e a Destruição (os contos) da espécie humana. Todos já foram, de uma maneira ou de outra, publicados virtualmente, ou por e-mail ou até neste Palavra Escrita, mas logo depois retirados do blog por serem muito extensos.

Noé de certa forma lembrou-me deles. Resolvi, assim, repetir a experiência do meu LIVRO DE CONTOS e reuni os quatro trabalhos num e-book intitulado DESTRUIÇÃO & ORIGEM, que, a partir de hoje, está disponível aí no alto à direita. É só clicar no ícone da capa e você, resignado leitor, poderá ler (ou reler) os contos O EINSTEIN DE HITLER e ARCABIS, e as peças O PEREGRINO e PECADO ORIGINAL. 

Como sempre, é totalmente grátis...


Oswaldo Pereira

Setembro 2014