domingo, 8 de junho de 2014

70 ANOS DO DIA-D (1ª PARTE)





“Our landings in the Cherbourg-Havre area have failed to gain a satisfactory foothold and I have withdrawn the troops. My decision to attack at this time and place was based on the best information available. The troops, the air and the Navy did all that bravery and devotion to duty could do. If any blame or fault attaches to the attempt it is mine alone”.
(Nossos desembarques na área de Cherbourg-Havre não conseguiram estabelecer um ponto de apoio e eu retirei as tropas. Minha decisão de atacar neste momento e nesse lugar foi baseada nas melhores informações disponíveis. As tropas de terra, de ar e a Marinha fizeram tudo o que a bravura e a devoção ao dever podem fazer. Se alguma culpa ou falha pode ser atribuída à tentativa é minha somente).

Estas palavras foram escritas pelo general americano Dwight D. Eisenhower, comandante supremo das forças aliadas, no dia cinco de junho de 1944. Eram a base de um pronunciamento que faria ao mundo se a operação de desembarque em solo francês não sucedesse. A partida já havia sido adiada para o dia seguinte devido ao mau tempo e apenas uma janela de algumas horas de bonança no dia 6 prometia a possibilidade de um ataque em condições mínimas. Era a última chance. Se não ocorresse ali, as circunstâncias ideais, que conjugavam fase da lua, tabela de marés e bom tempo, só se repetiriam em julho, mais de um mês depois. Um adiamento impossível, haja vista os problemas de sigilo militar que cercavam a operação e a própria manutenção de quase três milhões de soldados em solo inglês.

Este foi um dos muitos imponderáveis que marcaram o Dia-D, por todos os motivos o dia mais decisivo da História Moderna. Uma desistência ou um malogro, que determinaria meses até que outra tentativa pudesse ser organizada, significaria dar à Alemanha nazista o que ela mais precisava no momento – tempo. Estudiosos de guerra são unânimes em afirmar que, sem uma segunda frente no oeste, Hitler teria retardado o avanço soviético no leste, aperfeiçoado seu arsenal de bombas-voadoras, iniciado a produção de aviões a jato (já em etapa experimental) e, até, construído seus primeiros artefatos nucleares. Qualquer dúvida quanto à capacidade germânica de produção é respondida pelo extraordinário poderio demonstrado pela Wehrmacht em dezembro daquele mesmo ano, quando, já debilitada pelos impiedosos bombardeios e pelo avanço simultâneo dos exércitos russos e aliados, ainda conseguiu montar a ofensiva do Bulge. É assim quase certo que, com a Alemanha de posse desses novos armamentos e livre de inimigos no solo ocidental do continente europeu, a maré da Segunda Grande Guerra poderia ter mudado. E o mundo não seria nada do que é hoje.


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LANCHAS DE DESEMBARQUE
Overlord, a operação que viria a mudar o curso da História, começou a ser planejada no primeiro semestre de 1943. Desde o ano anterior, Josef Stalin atormentava Churchill e Roosevelt, exigindo o estabelecimento de uma segunda frente, com o objetivo de aliviar a pressão dos alemães sobre os russos, que morriam aos milhões. Enquanto o Presidente americano apoiava um ataque frontal através do Canal da Mancha, caminho mais curto para atingir o coração da Alemanha, o premier inglês, testemunha dos massacres sofridos pelos britânicos em batalhas semelhantes no Somme e em Passchendaele, durante o conflito de 1914-1918, defendia um avanço através da Itália, a partir do norte da África, já controlado pelos aliados. The soft underbelly of the crocodile (a barriga tenra do crocodilo), era como Churchill chamava a região do Mediterrâneo, uma via mais suave para atingir a Áustria e o sul alemão. Os americanos, que supririam a maior parte das tropas e dos equipamentos, venceram a discussão. A campanha italiana, já em curso, teria papel secundário.
 
EISENHOWER (COMANDANTE SUPREMO) E MONTGOMERY (COMANDANTE DAS FORÇAS TERRESTRES)

Assim, em maio de 1943, o general inglês Frederick Morgan foi encarregado de montar Overlord. No caminho crítico de seu planejamento, ele trabalhava com vários limitadores. O primeiro era o alcance do indispensável suporte aéreo, que restringia a área de atuação a quatro objetivos: o Passo de Calais, a Península de Contentin, a Britânia e a Normandia (como Contentin e a Britânia eram, na verdade, istmos, permitindo um contra-ataque alemão fechando a passagem e dividindo as tropas invasoras, as duas opções foram logo abandonadas). O segundo era o número de lanchas de desembarque. O número adequado do efetivo militar para um assalto daquela magnitude, inicialmente prevendo cinco divisões, foi aumentado para sete, quando o plano foi apresentado a Eisenhower na reunião de Quebec, em dezembro daquele ano. Isto determinava a necessidade estimada de aproximadamente 9.000 lanchas, quantidade inexistente na época. Outro fator era a restrição do comando aliado ao ataque direto a um porto. Embora fosse imprescindível a existência de um para o sucesso de Overlord, o desastre de Dieppe, ocorrido um ano antes, em que os canadenses haviam sido dizimados num assalto frontal ao bem guarnecido porto francês, excluíam a possibilidade. Eventualmente, o pessoal da engenharia criou uma maravilha da tecnologia moderna: as docas flutuantes Mulberry, impressionantes estruturas que seriam rebocadas desde a Inglaterra e ancoradas perto das praias. Por último, mas certamente não menos importante, estava o inimigo.



ROMMEL INSPECIONANDO A MURALHA DO ATLÂNTICO
Desde o momento em que invadiu a União Soviética, em junho de 1941, e, principalmente, após a entrada dos Estados Unidos na guerra, Hitler começou a se preocupar com uma possível tentativa de desembarque aliado a oeste. Isto faria ressurgir o fantasma de um conflito em duas frentes, que havia exaurido a Alemanha na Primeira Grande Guerra. Então, já em 1942, ordenou a construção de fortificações ao longo de toda a costa ocidental europeia, desde o norte da Noruega até a fronteira da Espanha, um verdadeiro muro ao longo do Atlântico, que se eternizaria com o nome de Fortaleza Europa.  Evidentemente, mesmo com o uso extensivo de trabalho escravo, seria impossível aparelhar todos os mais de 7.000 km de costa com o mesmo padrão de bunkers, baterias, arame farpado e minas e, já no início de 1944, muita coisa ainda estava incompleta, como verificou seu comandante, o experiente marechal de campo Erwin Rommel.  A solução foi concentrar o aparelhamento das defesas nos sítios onde mais provavelmente o inimigo atacaria – a costa francesa em frente à Inglaterra. Desde a colocação de centenas de milhares de armadilhas de aço, que perfurariam o casco das embarcações invasoras, ao reforço dos castelos de concreto onde se alojavam os ninhos de metralhadoras e as bases dos morteiros, até ao plantio de seis milhões de minas terrestres, tudo foi feito com precisão. Adicionalmente, como se desconhecia o lugar exato do provável desembarque, três divisões Panzer ficariam em reserva, prontas a serem deslocadas para onde ocorresse a ação.

Assim, no início de junho de 1944, enquanto os preparativos finais da maior operação militar já desencadeada chegavam a seu final em solo inglês, do outro lado do canal uma calma pressaga flutuava pelas escarpas enevoadas da Normandia.


Oswaldo Pereira
Junho 2014



Um comentário:

  1. E eu estou aqui no Porto do Havre e hoje mesmo vi um dos "bunkers" feitos pelos "bosch", crivados de buracos pelas balas alemãs ... e essa semana mesmo vai ter a "desminificação" na região.
    Muito emocionante a comemoração dos 70 anos do "débarquement" com a presença dos veteranos.

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