quarta-feira, 18 de junho de 2014

70 ANOS DO DIA-D (2ª PARTE)





SOUTHWICK HOUSE
Southwick House é uma imponente mansão, de três andares, branca e com colunas clássicas ornando a entrada, localizada a norte da cidade inglesa de Portsmouth. Em junho de 1944, funcionava como quartel-general do SHAEF (Supreme Headquarter Allied Expeditionary Force) ou o Supremo Comando da Força Expedicionária Aliada. Ou seja, da liderança da Operação Overlord. E foi numa de suas amplas salas que, na madrugada do dia cinco, o general americano Dwight Eisenhower, com base nas últimas avaliações do meteorologista-chefe de sua equipe, William Stagg, tomou a crucial decisão de levar à frente a maior operação militar já montada. Stagg finalmente informara o que ele queria ouvir. Um breve período de calmaria no instável e traiçoeiro tempo do Canal da Mancha, que se estenderia por todo o dia seguinte.

Ninguém se lembra ao certo o que Eisenhower falou, depois de andar de mãos coladas às costas por vários segundos com o semblante grave. Mas, levando em conta o estilo curto e objetivo do general, todos os que lá estavam (incluindo o marechal Montgomery, os generais Bradley e Bedell Smith, e os britânicos Leigh-Mallory e Ramsey) concordam que foi algo como “OK. Let´s go” (OK, vamos). Três palavrinhas em inglês que puseram em marcha uma gigantesca máquina bélica de 11.600 aviões, 6.000 navios e embarcações e 156.000 homens.

 
EISENHOWER VISITANDO OS PARAQUEDISTAS (05/06/44)
Os primeiros a irem para o solo francês eram os sinalizadores da 101ª Divisão Aerotransportada dos Estados Unidos. Sua missão era tão importante quanto quase suicida – saltar à noite num território infestado de alemães para instalar guias luminosos e orientar os aviões dos 15.000 paraquedistas que viriam a seguir. Entre os comandantes aliados, alguns projetavam a taxa de mortalidade desses precursores em aproximadamente 70%. Antes que os transportes aéreos levantassem voo, Eisenhower foi despedir-se deles. Embora o moral entre os soldados estivesse alto, ele sabia que estava mandando para a morte talvez sete em cada dez daqueles sorridentes jovens.

Foi a noite das noites, como o dia seis foi o dia dos dias. Mesmo das tropas que desembarcariam em cinco praias da Normandia, a expectativa “aceitável” de baixas era de 30% (isto é, quase 50.000 mortos ou feridos). E o sucesso iria depender da capacidade dos paraquedistas interromperem as comunicações e os acessos dos alemães à praia, da eficiência dos ataques dos bombardeiros nos dias anteriores e das baterias dos navios de apoio, da rapidez do desembarque sob fogo inimigo, escolhido para ser realizado na maré baixa com o objetivo de evitar os obstáculos plantados por Rommel, da possibilidade do solo arenoso ser suficientemente duro para suportar o peso dos blindados. E, crucialmente, do sucesso das manobras de dissimulação que fariam os alemães acreditar que o desembarque verdadeiro aconteceria através do Passo de Calais.

Só este planejamento, que receberia o nome de Operação Bodyguard (Guarda Costas), consumiria milhares de horas transmissões falsas, extraordinárias medidas de contra espionagem e, até, a construção de um exército fictício, com campos de pouso de mentira, aviões e tanques de papelão para enganar possíveis levantamentos aéreos, colocados estrategicamente próximos à costa em frente a Calais. Para chefiar esta armada-engodo, o comando aliado designou ninguém menos que o general mais respeitado pelos nazistas – George Patton. E isto acabou por convencer os alemães. Mesmo apesar dos inúmeros vazamentos e de indicações de agentes da Inteligência de que o destino da invasão seria a Normandia, Hitler e seu Estado-Maior descartavam essas fontes, creditando-as a pistas propositalmente deixadas pelos aliados para desviá-los do objetivo verdadeiro, o Passo. E aí começou a série de imponderáveis que brincaram com o destino e a sorte no Dia D. 

Em primeiro lugar, os paraquedistas não foram dizimados na proporção estimada, mas poucos conseguiram executar as suas missões. Os ventos e as baterias antiaéreas os espalharam por uma larga área e a maioria caiu longe de seus pontos pré-determinados. A seguir, embora as ondas de soldados que desembarcaram em Sword e Gold (ingleses) e Juno (canadenses) encontrassem pouca resistência, os americanos, em Utah e, principalmente, Omaha, não tiveram tanta fortuna. Especialmente nesta última, as primeiras fileiras que saíram das lanchas foram dizimadas. Só na primeira hora, morreram quase 3.000 homens. Duas horas após a chegada às praias, a situação era tão grave que o general Omar Bradley solicitou ao seu staff planos emergenciais de retirada. Omaha era o objetivo tático mais importante de toda a operação, pois era o caminho mais eficiente para a conquista do porto de Caen. Um fracasso aí, e Overlord correria um imenso risco.

Por esta hora, as notícias começavam a chegar aos postos de comando alemães perto da costa e, logo a seguir, às chefias militares do OKW (Alto Comando do Exército) em Paris. Em mais uma brincadeira do destino, Rommel não estava em seu posto. Viajara a Berlim para o aniversário da mulher. Muitos outros comandantes estavam ausentes, participando de reuniões. A confusão era geral, enquanto se procurava saber o que se passava, qual a extensão do ataque e, de suma importância, se era isto a Invasão ou apenas um ardil. 


PRAIA DE OMAHA (06/06/44)

Nas praias, a situação evoluía rapidamente. Enquanto nas outras quatro as tropas invasoras haviam progredido para além da orla, em Omaha a 29ª Divisão de Infantaria estava paralisada nas areias. Aos poucos, entretanto, mercê de ações individuais de rangers e engenheiros militares e das exortações de seu comandante, o general Norman Cotta (que disse: estamos sendo mortos na praia. Então, vamos para o interior e sermos mortos lá),  as tropas começaram a avançar. Mas, só às cinco da tarde, onze horas após o desembarque, os primeiros soldados conseguiram ultrapassar as linhas de defesa da Wehrmacht.

Faltava, ainda, um capitulo final.

Mesmo apesar de as cabeças-de-praia terem sido estabelecidas, na manhã do dia sete, a vitória não estava assegurada. O grosso dos blindados ainda não chegara e os aliados estavam vulneráveis. Era a hora de usar as divisões Panzer que estavam em reserva. Um contra-ataque poderoso poderia jogar os invasores de volta no mar. Aí, o destino jogou pesado. A utilização das reservas dependia de autorização pessoal do Führer. Mas, Hitler estava dormindo profundamente, sob a ação de barbitúricos. E o General Jodl, Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, não quis acordá-lo...

Foi por pouco. E, por isso, o Dia D será sempre lembrado como o mais decisivo dia da História Moderna.


Oswaldo Pereira

Junho 2014

4 comentários:

  1. Em 1955 aluguei uma bicicleta em Caen e pedalei até as praias dos desembarques sentindo o saudável vento frio no rosto e uma melancolia dos 50 anos decorridos desde, que aos 4 anos de idade já percebia a importância histórica desse dia D tão importante quanto o pequeno passo na lua.

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    1. Caro Lustosa,
      Eu também fiz este trajeto (de carro), em 1988. Era final de maio e o dia estava enevoado. Lembro-me de ter ficado, sozinho, sentado na praia de Omaha, em pleno silêncio, observando as pequenas ondas e tentando imaginar o desembarque. Foi mágico.

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  2. Sempre li bastante e continuo lendo sobre os acontecimentos da 2a. guerra mundial. Parabéns pelo seu relato. O Gen. Montgomery foi o principal idealizador do Dia D junto a Churchill e é impressionante sua atuação e de todos os outros responsáveis por esse impressionante dia. Em cada livro , biografia dos generais de guerra mais atuantes pode-se ver o que foi esse impressionante dia D. Hitler já estava em seus últimos dias.

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  3. Também vivi com emoção a minha passagem por esses locais, já lá vão muitos anos. De facto, ninguém consegue ficar indiferente ao pisar aquelas praias.
    Foi bom lê-lo, com sempre o é.

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