«Nada,
amigão. Faltam só 72 figurinhas para completar o meu álbum e eu vim aqui na “Bolsa”
para ver se acho no troca-troca»
«Bolsa? É
assim que vocês estão chamando este bando de marmanjos brincando de cromos
coloridos? Não me diga que estão também jogando as duplicatas no bafo?»
«Claro que
não! Bafo é coisa de crianças. Aqui o
negócio é sério, cara»
«Sério?! Não
me faças rir... Parecem uns adolescentes... Inacreditável...»
«Deixa de
bancar o snob, prá variar. E você deve
estar morando em Marte para desconhecer a febre do Álbum da Copa. Sabe quantas
pessoas, só no Brasil, estão fazendo a coleção? Mais de oito milhões, amizade.
OITO milhões! Tem gente gastando muita grana para completar a coleção
rapidamente. E saiba que um álbum completo desses pode valer uma fortuna no
futuro. Dizem que o da Copa de 1982 está sendo oferecido por 17.000 reais na
Internet»
«Não há
dúvida. A brasileirada enlouqueceu...
Com tanta coisa acontecendo no país e vocês pensando em figurinhas. Ora,
faça-me o favor... »
«Pois fique
sabendo que o que está acontecendo neste país, agora e daqui a pouco, é a Copa.
Não adianta mais bater o pé, reclamar e ficar berrando “não vai ter Copa”. É
claro que vai. Perdeu, playboy. Não
tem volta. Se não queriam, deviam ter reclamado antes, negado o voto a quem aí
está. É assim que se protesta, meu caro, não colando adesivos no ônibus da
Seleção, antagonizando quem quer a festa, mostrando as mazelas nas ruas»
«Pelo contrário.
Agora é que é a hora de reclamar,
aproveitar o spotlight dos jogos e
escancarar a insatisfação com a bandalheira que impera por aí. Mostrar ao mundo
a nossa indignação, o nosso repúdio à maneira com que a classe política vem desmandando com o nosso dinheirinho, a vergonha
pelos atrasos nas obras. Tudo feito às pressas e mal. Estádios ainda com
tapumes, infraestrutura de transportes e comunicação inacabada, aeroportos de quinta
categoria...»
«Que nada. O
mundo não está nem minimamente interessado nas nossas desventuras politicas. Os
outros países já têm problemas de sobra com que se preocuparem. E quem vier já
sabe que temos nosso jeito de ser. A
própria dimensão do evento já faz dele um desafio jamais enfrentado pelas
outras sedes. Somos um continente, brother.
O padrão FIFA pode servir para a Alemanha, a Suiça, a Dinamarca. Aqui tem
de ser diferente. Temos mais é que tentar fazer bonito, dentro e fora do campo»
«Não. Não
aceito. Sou contra esta palhaçada. Não vou nem ver os jogos na televisão...»
«Vai sim,
cara. Na hora do vamovê, em que a
bola estiver no centro do gramado, a galera cantando o Hino, o silêncio nas
ruas... Não há quem resista. Vais botar
a tua camisa amarela como todo brasileiro. É uma catarse de que ninguém
escapa...»
«Esse é que
é o meu medo. A catarse. Tudo para
debaixo do tapete. Se o Brasil ganhar, o perigo da absolvição total dos
pecados, a falsa sensação de que tudo está bem de novo, que somos uma nação
privilegiada, que Deus é brasileiro, etecetera e tal...»
«Não creio
que vá ser assim. Não somos mais tão ingênuos. Tão logo termine a Copa, as
eleições estarão à porta. O debate político nos acordará para a realidade,
mesmo se ganharmos. Se perdermos, a conscientização começará antes. E aí, sim,
é a hora de protestar. Na cabine de voto. Viu o que aconteceu na Europa? Bastou
a extrema-direita mandar o recado pelas urnas de que o ovo da serpente pode
ainda estar no ninho, e os governantes começaram a pensar melhor seus programas
econômico-sociais. O susto fez a turma levantar seus traseiros da poltrona e ir
trabalhar»
«Você sabe que não é assim que a bola rola por
aqui. O nível de cidadania lá é outro. A nossa classe política não tem cores
tão delineadas, vive mais à base do conchavo e dos interesses de suas bancadas, seja lá o que isto quer dizer.
Bem, não adianta discutir. Vá lá trocar suas figurinhas... Até...»
«Tchau, amigão. E não se esqueça de
comprar a camisa da Seleção...»
Oswaldo Pereira
Maio 2014